A raposa e o sapo
— Ó compadre, vamos nós a semear
uma seara de trigo, a meias?
— Pois vamos (respondeu ele), mas
como eu sou muito esquecido, em sendo tempo de fazer a sementeira, venha a
comadre prevenir-me para tratarmos disso.
Quando veio a ocasião própria de
fazer a sementeira, a Raposa foi ter com o compadre Sapo, e semearam uma porção
de terra.
Chegou o tempo da monda, e foram
os dois para o campo trabalhar. Depois veio o tempo de meter a foice no trigo
já maduro, e a comadre disse para o Sapo:
— Olhe, compadre, arranje quem o ajude
na tarefa, porque eu sou mais desembaraçada, e não estou para ceifar tudo. Em
compensação, eu trarei para a merenda um rico manjar, uma panela de manteiga
deliciosa.
O guloso do Sapo todo se alegrou
só com a ideia da lambarice, e foi pedir ao compadre Texugo para o ajudar na
ceifa.
A Raposa não faltou com a
manteiga, e os três puseram-se ao trabalho com tanto afinco que, à hora do
almoço, já estava uma grande porção de campo ceifado. Disse então o Sapo:
— Comadre, vá buscar a manteiga e
vamos ao nosso almoço!
— Ora! Estamos tão cansados que
nem nos pode saber bem. É melhor dormirmos primeiro a sesta, e depois almoçaremos.
Agora já os previno: aquele que estiver suado é porque foi comer a manteiga
enquanto os outros dormiam.
Deitaram-se à sombra de uma
árvore e não tardou nada que o Texugo e o Sapo pegassem no sono, como quem
muito se tinha cansado de manhã. A Raposa, como esperta que é, deixou-os estar
bem adormecidos, levantou-se, comeu a manteiga toda, e depois, com uma pouca de
água, regou à vontade os dois dorminhocos, para depois dizer que tinham suado e
portanto comido a merenda.
Deitou-se e adormeceu também como
pessoa sem cuidados. Quando o Sapo e o Texugo acordaram e viram a panela vazia,
começaram a gritar. A grande manhosa fingiu-se muito espantada, e ainda ralhou
com eles e os chamou ladrões da sua manteiga, pois eles é que estavam suados,
sinal de a terem comido. Quis bater-lhes, e obrigou-os a trabalhar todo o dia
sem comerem nada.
Passados dias foi outra vez ter
com o compadre e disse-lhe:
— É tempo de carregarmos o trigo
para a eira e fazermos a debulha.
Assim que viu o grão limpo e bem
arneirado na eira, disse-lhe ainda:
— Compadre Sapo, vamos a fazer
uma combinação?
— Pois vamos. Diga lá a comadre o
que é.
— Para não termos o trabalho de
dividir a nossa colheita, vamos pôr-nos os dois no campo e corrermos ao desafio
até à eira. O que chegar lá primeiro ficará sendo o dono de tudo.
O Sapo disse que sim, mas como já
estava muito farto de ser enganado, foi a uma ribeira chamar os seus irmãos, e
pediu-lhes que uns fossem para a eira carregar o trigo para casa dele e outros
se fossem pondo pela estrada fora, seguindo o caminho que a Raposa havia de
levar. Quando ela gritasse por ele: — "Compadre Sapo!", eles
responderiam: — "Cá vou, cá vou". Isto para que a Raposa supusesse
que iam sempre correndo a par.
Os dois foram para o campo onde
tinham a seara, e a finória, fiada nas suas pernas, estava satisfeitíssima.
Desataram a correr, e o compadre Sapo ficou logo para trás, mas a comadre
Raposa não o imaginava, porque todo o caminho o ia chamando:
— Compadre Sapo!...
E os outros, pela estrada fora,
iam-lhe respondendo sempre:
— Cá vou, cá vou!
Muito intrigada, chegou à eira, e
ficou surpreendida e desesperada, não encontrando nem um grão de trigo, que
todos os Sapos tinham carregado para casa do senhor compadre.
A Raposa, cheia de vergonha,
fugiu para a sua toca. E desta forma, o Sapo enganou aquela vaidosa e desleal
companheira, que se julgava muito esperta.
Assim, muitas vezes, os que querem
enganar são enganados, só causando regozijo a quem lhes conhece as traças e as
pode evitar.
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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
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