6/18/2019

A Quina de Espadas (Conto), de Pedro Ivo



A Quina de Espadas
CAPÍTULO 1
O filho das planícies que percorrer a montanhosa Trás-os-Montes, quando todos aqueles outeiros, sobrepondo-se uns aos outros, se apresentam vestidos dos pés à cabeça com a folhagem verde da vinha, deve conscienciosamente confessar que é bem mais imponente e pitoresca aquela paisagem, limitada ao fundo pelos colossos, que, em dias menos claros, se confundem com as nuvens, do que essas intermináveis extensões de terreno, em que a vista se perturba e perde, sem poder decidir onde finda a terra e principia o céu.
Se o acaso, porém, o lá conduzir quando a neve coroa o topo das montanhas, rasgadas de alto a baixo pelas torrentes do céu, quando as vinhas podadas de fresco erguem as varas negras e torcidas como esqueletos calcinados, quando as águas das nascentes, geladas em meio da queda, pendem em estalactites das fendas de onde manam... no Inverno, finalmente, que anelos, que saudades devem então pungir o coração do filho das planícies!
Ante aquela cena de desolação, ante aquela luta da natureza, a mente deve reproduzir-lhe a viçosa relva dos prados, aljofarada de gotas de orvalho, do seio de cada uma das quais se despede o brilho de um diamante, gerado pelos sorrisos do sol.
Era no Inverno. A chuva surpreendera-me a meio caminho; o chapéu, cedendo à água, deixara pouco e pouco pender as abas; o vasto capote, em que me embrulhava, pesava quintais; o vento frio dos montes cortava-me as faces, ferindo-me os olhos; o cavalo arquejava de cansaço e recebia as esporadas com a mansidão com que Jó aceitava as provações; o arrieiro praguejava, e eu ia-me pouco e pouco persuadindo de que algum espírito travesso me triplicava a extensão das léguas.
Só quem tiver feito uma jornada em iguais condições, por caminhos a par dos quais os atalhos do Minho são estradas de primeira ordem, só esse poderá avaliar o prazer que eu senti ao avistar o primeiro casebre da povoação, onde me chamavam negócios.
Creiam que foi um dulcíssimo prazer!
Aquele miserável casebre era o oásis no deserto; era a roupa seca e perfumada ainda pelos aromas das flores do monte, onde estivera a corar; era o lume crepitando alegremente na lareira; era o sangue a desgelar pouco e pouco; era o traço de lombo de porco, que nos tantaliza, enquanto gira no espeto por cima do fogo brando e igual do borralho de vides secas; era o copo de vinho, que nos reanima; era, finalmente, o leito de lençóis alvíssimos e coberta de damasco, em que nos enovelamos e adormecemos, ao cabo de tudo isso, respondendo com uma gargalhada de escárnio às insolências do tufão, que se morde de raiva por lhe termos escapado.
E, efetivamente, um pouco adiante do casebre, na residência do abade, onde fui hospedar-me, vi realizadas todas as promessas que me fizera o mesquinho pardieiro.
Seriam nove horas da noite, estava eu gozando em toda a sua plenitude o bem-estar que acompanha o trabalho de uma fácil digestão.
Sentado num largo banco de castanho, móvel, que se encontra em duplicado em todas as cozinhas de Trás-os-Montes, sob o nome de preguiceiro, e em que cabem à vontade doze pessoas, analisava eu, com os pés pousados sobre a pedra do lar, todas as caprichosas evoluções da chama, que se enroscava em torno do tronco quase inteiro de decrépita oliveira, e ouvia distraído as problemáticas proezas venatórias de um morgado das vizinhanças, que não deixou em toda a noite de ter um cigarro ao canto da boca e outro entre os dedos.  
No outro preguiceiro, defronte de mim, o abade, velho de sessenta anos, com os cabelos e as sobrancelhas completamente brancos, olhos vivos, faces afogueadas, lábios grossos e entreabertos por um sorriso de benévola malícia, fingia, como eu, escutar o caçador.
Pouco e pouco enchera-se a cozinha de proprietários da freguesia, que, depois — de darem as boas-noites ao abade, se haviam sentado, uns nos preguiceiros, outros em pequenos escabelos, formando um círculo em volta do lar.
Reagindo contra a espécie de torpor que me enervava, retirei os pés da pedra do lar, aprumei-me, esfreguei os olhos, estendi os braços, e contemplei o quadro, de que eu próprio fazia parte.
Eram dignas do pincel de Rembrandt aquelas enérgicas cabeças de transmontanos.
As longas barbas negras, os rostos morenos e duros, os olhos escuros assombrados por espessas sobrancelhas, as frontes sulcadas de vincos fundos, davam àqueles homens a aparência de um bando de salteadores, em cujas mãos o abade e eu tivéssemos caído.
Já por mais de uma vez notara eu que o abade, sempre que se abria a porta, volvia para lá os olhos, que se retiravam com desconsolada expressão, depois de verem quem entrava.
Decididamente, esperava ou desejava alguém.
— O Augusto demora-se!... — disse ele por fim.
Como que por uma convenção tácita, pararam todos de conversar, trocando entre si olhares de inteligência.
O abade esmagou com o tacão uma brasa, que veio saltar-lhe aos pés, e murmurou: — Maldito vício!...
No meio daquele silêncio, que de repente viera substituir a loquacidade transmontana, abriu-se a porta e entrou um mancebo, que atirou consigo para cima do preguiceiro, balbuciando em voz sombria:
— Boas noites, tio... boas noites, vizinhos.
O abade rosnou "boas noites", sem olhar para o sobrinho, e os outros responderam em coro:
— Boas noites, Sr. Augusto!
O mancebo, como disse, atirara consigo para cima do banco, e, firmando os cotovelos nos joelhos, escondera o rosto nas mãos.
Tinham sido tão rápidos todos aqueles movimentos, que mal pude analisá-lo naquele instante, e só quando ele mudou de posição o consegui.
Teria, quando muito, vinte e três anos. Alto, delgado, olhos rasgados e negros, fronte espaçosa, a tez levemente tostada, bigode e cabelos negros — eram estes os sinais que fariam dele um formoso rapaz, se um olhar entre arrogante e angustiado não lhe transtornasse a harmonia das feições.
Era singularíssimo o aspecto daquela fisionomia, que a cada instante mudava de expressão.
Umas vezes, contraídas as sobrancelhas, cerrados os lábios, ardentes os olhos, o rosto do jovem exprimia a provocação, o desafio, um desejo veemente de lutar.
De repente distendiam-se-lhe os músculos, o olhar apagava-se, o lábio inferior caía, a expressão audaz transformava-se em mortal desalento, até que novo sentimento vinha agitar aquela inquieta alma, e então os olhos tornavam-se-lhe vagos e incertos, a fronte enrugava-se, e ao desalento sucedia um ar de terror e de aflição indescritíveis.
Depois da entrada do mancebo, parecia que uma involuntária tristeza se apoderara de todos.
As discussões haviam cessado, e só de espaço a espaço vinha quebrar o silêncio uma pergunta, que, as mais das vezes, ficava sem resposta.
— Ora diga-me, Senhor Abade. Passa por aqui uma vida muito monótona, não é verdade?... — perguntei eu, tentando reanimar a conversa.
Assim interpelado, o abade despertou do meditar a que se dera, e respondeu:
— Não, senhor... Já estou acostumado... De dia não me falta que fazer... À noite... À noite estes vizinhos têm a bondade de vir por aqui fazer-me companhia e... e assim se vai passando o tempo.
— Ainda assim... — insisti eu. — Por muito boa que seja a companhia, nem sempre há que dizer. Pensei que tivesse, pelo menos, a sua partida de voltarete ou...
— Nesta casa não entram cartas!... — acudiu o abade, não me deixando concluir a frase.
O bom do padre pronunciou aquelas palavras com tanta energia, que eu fiquei tão enleado, como se ele me tivesse dirigido uma censura.
Parece que não passou desapercebido para o abade o efeito que em mim produziu a resposta, porque continuou, dirigindo-se principalmente a mim:
— Não pense que me quero mostrar intolerante!... Não o sou nem o quero parecer... Sei que os jogos de vaza servem de entretenimento... Não os censuro. Se nesta casa não entram cartas, é por ser preciso dar o exemplo, para poder dar o conselho. O jogo é uma das causas da decadência e das misérias desta província!... Joga o rico e o pobre, o proprietário e o jornaleiro todo o mundo joga!... Não imagina quantas casas tenho visto ir por água abaixo, por causa do maldito jogo!... É uma praga!... E ainda se perdessem só as casas!... Mas não! Atrás do dinheiro a honra!... Depois de rico... pobre; depois de pobre... ladrão!...
A voz do padre tremia ao proferir estas palavras, e os olhos cheios de lágrimas procuraram maquinalmente o sobrinho.
Este, à medida que o tio se fora animando, tinha erguido pouco e pouco a cabeça. O rosto primeiro exprimia desdém, em seguida impaciência, finalmente quando o velho terminou com as palavras "depois de pobre... ladrão"os olhos despediram raios, e o mancebo ergueu-se de salto.
Os lábios trêmulos chegaram a abrir-se, e bem receei — que deixassem escapar alguma frase desabrida; ele, porém, fazendo um violento esforço, passou a mão por entre os bastos cabelos negros e deixou-se de novo cair sobre o banco.
— É preciso não fazer as coisas mais feias do que elas são — observei eu, julgando deitar água na fervura.
— Tem razão — balbuciou o padre. — Às vezes as cartas roubam a vida em vez da honra.
— Bom!... Aí temos agora as cartas a matar... só me faltava esta!... — rosnou o mancebo em tom sarcástico.
Apesar de proferidas em voz sumida, ouviu o abade as palavras do sobrinho.
As faces tingiram-se-lhe com o rubor da cólera, e os olhos incendiaram-se-lhe de forma que logo compreendi não deverem as paixões ser menos fortes naquele coração de sessenta anos, do que no daquele rapaz de vinte.
Passados instantes de violenta luta, o abade serenou e, voltando-se para o sobrinho, disse-lhe singelamente:
— Vou contar-te a história de um homem morto por uma carta!... Talvez creias depois que as cartas podem matar!
Augusto encolheu os ombros e, encostando-se comodamente — ao espaldar do preguiceiro, cerrou os olhos, como que preparando-se para adormecer.

CAPÍTULO 2
O abade, depois de breve silêncio, principiou com voz comovida a narrativa:
— Os vizinhos — disse ele relanceando as vistas para os circunstantes — sabem que não sou destes sítios. Há cerca de vinte e cinco anos que me considero filho desta província, mas sou minhoto.
"Dos que aqui estão — continuou ele, dirigindo-se a um homem que mostrava ser o mais idoso dos ouvintes — só ali o Sr. Albuquerque se pode lembrar da minha chegada.
Vim eu primeiro; chegaram, cerca de dois anos depois, meu irmão, minha cunhada e ali o Augusto.
Lembras-te ainda de teus pais, Augusto?... — perguntou o abade ao sobrinho."
— De minha mãe mal me lembro... De meu pai... parece-me que o estou ainda a ver-respondeu o mancebo, endireitando-se.
Passados instantes continuou o abade:
— Ia-me afastando do assunto... Haverá trinta anos, frequentava eu as aulas do Porto, e faltava-me apenas um ano para tomar ordens.
"Vivia nesse tempo na Rua Chã e tinha por companheiros de casa um rapaz da minha aldeia e outro da terra da Feira.
Andava o primeiro, que tinha apenas vinte anos, no segundo ano da Escola; o outro... esse, depois de se dedicar a todas as carreiras, sem perseverar em nenhuma, vivia ajoujado a estudantes, graças aos magros vinténs que a mãe lhe mandava às escondidas; e, sobretudo, aos minguados lucros que auferia do jogo.
Seria difícil encontrar duas criaturas mais diametralmente opostas, quer física, quer moralmente.
O primeiro, franzino, efeminado, formoso quase, talento pouco vulgar, alma nobilíssima, coração aberto a tudo quanto fosse elevado e puro — era inexorável em pontos de honra, e jogava a vida para se desafrontar.
O segundo, alto e encorpado, brutal, espírito e coração derrancados pela orgia, alma apenas susceptível de emoções à mesa de jogo, só conhecia uma lei — a da força.
Eu era, por assim dizer, o fiel da balança entre ambos.
O primeiro era o meu amigo, o meu confidente, o único ser, finalmente, que me falava da humilde casinha onde a minha família se sujeitava a privações, para fazer de mim... o que sou.
Ao segundo tolerava-o por uma espécie de compaixão e... francamente... também por medo.
Quantas e quantas vezes consegui eu, com uma palavra, com um simples gesto, conter num a indignação, provocada pelo cinismo do outro!
Felizmente, até ao dia fatal, tinham corrido as coisas razoavelmente.
Uma noite... Foi a 23 de Fevereiro!... — balbuciou o velho com voz trêmula, e enxugando uma lágrima."
Faz hoje anos... nesse caso!...-observei eu. O abade fez com a cabeça um sinal de assentimento e continuou:
— Faz hoje anos... A chuva caía em torrentes... como hoje! O meu patrício fingia estudar. Digo que fingia, pois contrariava-o demasiado a presença do Almeida — chamava-se assim o — da terra da Feira — que, nessa ocasião, tocava tambor nos vidros da janela.
"Eu também estava morto por o ver pelas costas, e já por mais de uma vez os meus olhos se tinham encontrado com os do meu patrício, exprimindo o desejo de que o Almeida nos deixasse em paz.
Nisto, ouvimos o ruído de pessoas que subiam a íngreme escada; a porta da sala abriu-se, e entraram turbulentamente quatro condiscípulos meus.
Eram destes rapazes de quem com razão se diz: — Má cabeça, mas bom coração. Depois de muita algazarra, tomou um deles a palavra e exclamou com cômica indignação:
— Que pouca-vergonha é esta?!... Quando é que se viu alguém estudar em vésperas de feriado?!... Fecha-me já esse livro, ó meu sangrador, que Deus fará!... — prosseguiu ele, dirigindo-se a meu... ao meu patrício. — E tu, ó inocente minorista — continuou o endiabrado, voltando-se para mim — arruma-me já esse compêndio!...  
Aqui ninguém mais estuda!... Há de se aqui fazer um barulho capaz de acordar todos os padres-mestres, e o próprio bispo! Vamos a isso, rapazes!...
Era tão franca, tão comunicativa a alegria daquele doido, que, depois de trocarmos um olhar, fechamos os livros e erguemo-nos.
Meia hora depois, a expensas de todos, estava uma ceia na mesa, corria o vinho nos copos, e fazia-se um barulho infernal.
Erguemo-nos da mesa quando o vinho acabou.
— Que se há de agora fazer?... Vamos para a rua?...
— Está a chover... — observei eu, receoso do que poderiam fazer aquelas cabeças doidas, exaltadas pelo vinho.
— Se nós jogássemos?... — disse o Almeida.
— Não... isso não! — atalhei eu, que já nesse tempo professava o mesmo horror pelo jogo.
— Cala-te!... — bradou o mesmo rapaz que nos intimara para largarmos os livros. — Cala-te!... Tu aqui não mandas nada, porque estás em tua casa!... Não queres que joguemos?... Pois por isso mesmo é que se há de jogar!... Venham as cartas e apareçam os cobres!...
— Eu não jogo — rosnei eu com mau modo.
— Nem eu — disse o meu patrício.
— Pois jogam os outros... Venham as cartas! Venham as cartas!... — insistiu o meu condiscípulo.
Saiu o Almeida da sala e voltou, pouco depois, com dois baralhos — de cartas. Sentaram-se todos e começaram a jogar o monte.
Descontente e inquieto, fui buscar uma luz e sentei-me a outra mesa a ler.
O meu patrício, de pé, via jogar os outros.
Haveria meia hora que o jogo começara, quando ouvi dizer a um dos jogadores:
— Que diabo estás tu aí a fazer — de pé, feito estafermo?!... Vê-se-te mesmo nos olhos que estás a morrer por jogar!... Anda, toleirão!... Senta-te!... senta-te e joga... Anda, que ali o padre-mestre dá licença... — concluiu o tentador, apontando para mim.
— O menino tem medo de se perder, porque é pecado jogar... — disse ironicamente o Almeida; e, vendo que o meu patrício não respondia, continuou: — Assim, rapaz!... Um moço bem-comportado não joga... Jogar!?... Credo!... Não que o dinheiro é sangue!
— Bem sabes que não é por causa do dinheiro... Não jogo porque... não entra nos meus princípios... não quero! —...respondeu o provocado, com forçada serenidade.
— Oh! oh!... pois não!... Os seus princípios!... Os princípios ali do senhor?!... Quem não conhece os princípios daquele respeitável cidadão?!... Trinta e cinco em Janeiro com um pataco em Fevereiro — total quatro menos cinco, poupados em dois meses... Eis os princípios deste austero varão!...
— Sai daí... dá cá as cartas — ouvi eu dizer ao meu patrício, com voz abafada pela cólera.
Ergui-me para o deter; era tarde!
Havia-se sentado — e batia as cartas com uma espécie de frenesi.
Aproximei-me da mesa e acompanhei com coração oprimido as peripécias do jogo.
— O meu pobre amigo sentara-se na esperança de perder; queria provar aos companheiros que não era o receio da perda que o continha.
A sorte, porém, como que teimava em o favorecer, e o brioso rapaz empalidecia e suava, porque lhe repugnava aquele dinheiro ganho contra vontade e por um modo que ele reprovava.
Vendo-o sentar-se à mesa, o Almeida começara, primeiro por bravata, depois por íntimo rancor, a apontar mais forte, e, à medida que perdia, o rosto tornava-se-lhe cada vez mais lívido, e os seus olhos injetados — de sangue cravavam-se no rosto do adversário com uma expressão satânica e sinistra.
Era, como já disse, o meu patrício quem fazia banca.
Estava na mesa uma quina e uma dama.
— O Almeida apontou à quina; o outro começou a tirar as cartas, até que apareceu uma dama.
De repente, fazendo com a mão voar as cartas, bradou o Almeida:
— És um ladrão!... Empalmaste uma quina! E, correndo para o meio da sala, apanhou as cartas e, aproximando-se da luz, começou a procurar,  até que, aparecendo a quina de espadas, arremessou-a para a mesa, repetindo:
— És um ladrão!... Empalmaste esta quina!...
Era tão manifesta a repetição da fábula do "lobo e do cordeiro", que soltamos todos um brado de indignação!
De repente o meu patrício, que ficara como idiota, exclamou: — Miserável! — e, agarrando no castiçal, ia a arremessar-lho à cabeça, quando o outro, dando um salto e lançando-lhe as robustas mãos, o deitou por terra, pondo-lhe o pé na face.
Voltando a nós da surpresa, agarramos o Almeida e pusemo-lo fora da porta, apesar da sua enérgica resistência.
Quando voltamos para junto do ofendido, o rosto deste causava dó e medo a um tempo.
Pálido como um cadáver, insensível aos meus rogos e carinhos, o desgraçado nãodizia palavra e não desviava os olhos da quina — de espadas, que ficara sobre a mesa.
De repente, o olhar desvairado reassumiu uma expressão de inteligência, brilhando com inexcedível fulgor, duas rugas profundas vieram cavar-se-lhe entre os sobrolhos, os lábios entreabriram-se-lhe num sorriso indescritível e, caminhando para a mesa, pegou na carta, meteu-a no bolso, aspirou o ar com força, e, voltando-se para nós, disse-nos serenamente:
— Vocês acreditam que eu empalmasse a carta?...
— Ora! — exclamamos todos, ofendidos pela pergunta.
— Basta!... Então não há que pasmar!... O jogo tem destas coisas!... Adeus, rapazes!... Ide-vos deitar!... Adeus!
Depois de breve hesitação, saíram todos.
Apenas ficamos sós, corri para o abraçar e ia para abrir a boca, com tenção de lhe mitigar o sofrimento, que eu sabia ser cruel numa alma daquela têmpera, quando ele, detendo-me com um gesto, disse:
— Se és meu amigo, não me digas uma palavra sobre o que se passou aqui!
"Calei-me."
E o velho, ao chegar a este ponto, calou-se, como que receoso de continuar...
***
Possuía o abade a fundo a arte, ou antes o segredo, de prender às suas palavras a atenção dos ouvintes, de forma que, suspensas dos lábios dele, as nossas almas esperavam curiosas e trêmulas o desfecho da narrativa.
Em nenhum, porém, pareciam produzir mais profunda impressão as palavras do velho do que em Augusto.
Desde que o tio apresentara os mancebos sentados à mesa do jogo, a atenção de Augusto tinha por assim dizer redobrado, e, quando o velho descreveu a ação do caluniador arremessando a carta sobre a mesa, o jovem ergueu-se agitado e o seu rosto, pálido e contraído por indescritível expressão, revelava um misto de terror, angústia e ódio.
A mão direita dirigiu-se-lhe maquinalmente ao coração, como que a comprimi-lo, ao passo que a esquerda se erguia a vendar os olhos.
Quando Augusto, finalmente, se deixou de novo cair sobre o banco, havia eu de jurar que via filtrar as lágrimas por entre os dedos da mão, que se erguera talvez para as ocultar.
Após minutos de lúgubre silêncio, passou o abade os dedos por entre os raros cabelos e continuou em voz sombria e mal segura:
— O meu companheiro dormia numa alcova e eu fora, na sala. Apesar de separados por uma porta envidraçada, ouvia-lhe o ruído dos movimentos agitados.
"Que noite horrível aquela!... O pobre rapaz estorcia-se em paroxismos de raiva, e eu pedia a Deus que acalmasse os sofrimentos daquele desventurado.
Quando no dia seguinte o encarei, recuei aterrado!
Parecia ter envelhecido dez anos! Pálido, com os olhos encovados brilhando com um fogo sinistro, os lábios brancos, a fronte enrugada... era a imagem viva do demônio da vingança!
Não tive mão em mim, e, cingindo-o com os braços, bradei-lhe louco de terror:
— Jura-me por... por tua mãe, que não queres fazer uma desgraça!
Estremeceu, desprendeu-se de mim e sorrindo — que sorriso! — respondeu:
— Estás doido!... Que queres tu que eu faça?... Tens talvez medo que lhe bata?!... bem viste ontem que é ele o mais forte...
Havia tão dolorosa expressão de ironia na voz dele ao proferir as últimas palavras, que senti apertar-se-me ainda mais o coração, e balbuciei suplicante:
— Eu conheço-te... Tu não ficas assim!... Tu tens uma ideia diabólica a perseguir-te!... Faz-me o que te peço!... jura...
— Decididamente estás doido!... Quem te ouvir há de imaginar-me uma fera!... — replicou ele, soltando uma gargalhada.
Era um rir de Demônio o dele!... ao ouvi-lo senti um frio de gelo, e prometi a mim próprio não o perder de vista.
Depois de almoçarmos em silêncio, o meu patrício ergueu=se, pôs o chapéu, pegou nos livros e disse-me serenamente:
— Adeus!... Vou para a Escola.
— Espera que vou contigo...
— Pois anda daí...
Fui com ele, e só o larguei depois de o ver entrar para a aula.
Como era feriado para mim, fui passear para a Cordoaria, à espera que saísse.
Apenas o avistei descendo as escadas da Escola, fui ter com ele, e viemos juntos para casa.
Ao jantar foi ele quem provocou a conversa, zombando dos meus receios.
Era tão forçada a sua alegria, que lho fiz notar.
— Se te parece! — respondeu singelamente. — Tens razão!... É forçada a minha alegria, e é o teu estúpido receio que me causou o triste trabalho de me mostrar alegre. Que diabo tens tu?... Chamaram-me ladrão e pisaram-me aos pés... Custa... não é verdade?... Mesmo a um cobarde?... Custa, sim... Sabe Deus o que sofro!... Mas que queres tu que eu faça agora?... Nestes casos, quando um homem não mata imediatamente, ato contínuo, ali, como um cão, quem assim o insultou... traga o insulto e... e fica com o triste desafogo de ranger os dentes, como eu sem querer estou agora fazendo!... É um espinho que me fica para sempre cravado aqui, no coração; mas... adeus! não há volta a dar-lhe!
— Ó filho!... Por amor de Deus, vê se podes esquecer!... Lembra-te que todos te fizeram justiça!...
— Adeus, meu amigo!... — retorquiu ele com impaciência. — Isso é muito bom para ti, que queres ser padre... É um espinho... é uma ferida que nunca mais se fecha!
— Mas tu, então, prometes-me... juras-me que não tens uma ideia reservada?!... — perguntei eu com ansiedade.
— Homem!... Pelo amor de Deus, não sejas asno!... Que lhe hei de eu fazer agora, não me dirás? — respondeu ele com enfado.
Veio-me aos lábios a palavra vingança; mas retive-a, receoso de fazer brotar naquele espírito enfermo uma ideia, que talvez lá não tivesse ainda nascido.
Além disso, parecia-me tão verossímil aquela exposição, em que ele, ofendido, não ocultava o despeito de deixar impune o ofensor, que, apesar do conhecimento que tinha daquele caráter pundonoroso, sosseguei e apelei para o tempo, esse grande consolador das grandes mágoas, que infelizmente veio a ser para o meu pobre... amigo o implacável e incessante vingador de um grande crime!
Como o coração se esforça sempre por advogar o que deseja, entrei de convencer-me que a pendência ficaria por ali, e só iria além se qualquer circunstância imprevista, ou provocação acintosa, viesse exacerbar o ânimo dos dois inimigos, e esse perigo esperava eu poder evitá-lo, graças a tal ou qual influência que exercia sobre o Almeida.
Tanto me animaram os argumentos que a esperança me sugeria, que fiquei quase tranquilo, quando o meu patrício pegou no chapéu e saiu pretextando necessidade de falar com um condiscípulo.
Exausto pela insônia da noite anterior, deitei-me e adormeci.
Seriam sete horas da tarde, quando acordei e acendi a vela.
Ergui-me e tentei estudar. O bater das oito horas no relógio da Sé veio recordar-me que o meu amigo se ia demorando de mais para o seu costume.
Desde que esta ideia me luziu no cérebro, assaltaram-me de novo os cruéis terrores de uma catástrofe.
Que horríveis horas aquelas!
Com a fronte colada contra os vidros da janela, em vão tentava enxergar nas trevas, que envolviam a rua, quem ali me tinha em transes mortais!
Combatido por mil sentimentos diversos, umas vezes lembrava-me de sair em procura do ausente; mas retinha-me a ideia de me — desencontrar dele; outras vezes afigurava-se-me ouvir o ruído de temerosa luta, e, dissipada a ilusão, amaldiçoava aquela cruel perversão dos sentidos.
E assim ouvi bater nove, dez, onze horas! Seriam onze e meia ouvi o estampido de um tiro...
Juro-lhes que o senti em cheio no peito!...
— É ilusão!... é o meu louco terror!... — dizia eu trêmulo e angustiado.
E assim permaneci, dementado por pavoroso pensamento, sem poder tomar uma resolução qualquer.
Meia hora depois, o som de passos precipitados  vinha arrancar-me daquele letargo, abria-se a porta com violência e entravam na sala os mesmos rapazes que tinham sido testemunhas da cena da véspera.
— Onde está ele?... — bradei eu.
Miraram-se os três, que vinham pálidos e aterrados.
Por fim um deles, fazendo um esforço, disse em voz trêmula, depois de ir ver à porta que ninguém o podia ouvir:
— Mataram há pouco o Almeida!...
Durante o tempo que mediara entre a minha pergunta e esta notícia, havia-me eu preparado para o pior, e perguntei então, tentando parecer sossegado:
— Mataram?!... E como?... Alguma desordem?...
Era um santo rapaz o que se incumbira de falar.
Caminhando para mim de braços abertos, cingiu-me contra o peito, e, com o rosto banhado em pranto, fitou nos meus os seus olhos rasgados e leais e balbuciou:
— Não tenhas medo de nós!... Aqui não há traidores!...
E vendo que eu ia ainda tentar iludi-los, continuou:
— Sabes o que ali o Alberto viu na ferida quando lhe rasgamos a camisa, e que eu pude tirar e esconder sem ninguém dar por isso?!... esta quina de espadas!... — concluiu ele, tirando do bolso a carta chamuscada e tinta de sangue.
Ao vê-la, caí sem acordo no chão."
***
O abade, cuja voz se tinha pouco e pouco tornado mais trêmula e abafada, escondeu o rosto nas mãos ao proferir as últimas palavras.
Ouvia-se nesse instante apenas o crepitar de uma ou outra lasca saltando como um pirilampo, ao desprender-se do tronco carbonizado da vetusta oliveira, que, como uma brasa enorme, jazia no lar, tingindo de cor sangrenta o rosto dos ouvintes.
Destes, principiando por mim, não havia ali um que não sentisse, naquele momento, esse misto de curiosidade e terror, que se apossa de nós na infância, quando velha criada nos envenena o coração e o espírito com a narrativa de cenas sanguinolentas, as primeiras que vêm toldar-nos a paz dos inocentes sonhos, em meio dos quais nossas mães costumam vir colher-nos num beijo o sorriso que nos brinca — nos lábios.
Ao cabo de alguns minutos, ergueu o velho a cabeça e prosseguiu, voltando-se para o sobrinho:
— Já acreditas que as cartas possam matar?...
E o velho calou-se, como que desejoso de terminar assim a narrativa.
Augusto nada respondeu; eu, porém, é que não pude refrear a curiosidade, e não tive mão em mim que lhe não perguntasse, como as crianças:
— E depois?...
Passados poucos segundos, disse o abade com visível repugnância:
— Já vejo que é preciso contar-lhes tudo!... Se a recordação de tão dolorosas cenas já — de si me tortura, imaginem quanto me custará descrevê-las!...
"Como lhes disse, caí desmaiado ao ver a carta fatal...
Quando voltei a mim e me vi acompanhado pelos mesmos rapazes que me haviam trazido aquela horrível notícia, cheguei a imaginar que despertava de um destes sonhos horrorosos, que, ainda depois de dissipados, nos deixam sob a impressão do terror.
Não era sonho, não!... Volvendo os olhos, vi sobre uma cadeira a sinistra origem de um crime, a mísera quina de espadas que na véspera tentara roubar a honra a um homem, e acabava naquele dia de roubar a vida a um outro.
O meu espírito abrangeu então, de repente, todo o horror da situação, e a minha alma, assustada pelos perigos que esperavam o amigo estremecido, entrou de se reanimar para os combater.
— Onde está ele?... — foi a minha primeira pergunta.
— Fugiu!...
— Fugiu... mas para onde?... Para onde fugiu?!... — exclamei, desesperado pelo receio de que o infeliz se tivesse lembrado de fugir para a nossa aldeia, o que seria a morte de... da santa da mãe, que com tanto amor o criara para melhor destino.
Mal acabara de fazer a pergunta, ouvi rumor na escada, e a porta abriu-se impelida pelo peso do corpo de um homem, que veio cair de bruços no meio do aposento, onde ficou como morto.
Logo que a surpresa mo permitiu, corri para ele, e, ajudado pelos outros rapazes, ergui-o e deitei-o sobre a minha cama.
Era... o meu amigo, a vítima de um pundonor inexcedível!
E meia hora permaneceu desmaiado!...
Receando a impressão que a presença de outras testemunhas devia produzir naquele espírito sobre-excitado, estendi as mãos aos meus condiscípulos, fitando-os suplicante.
Compreenderam-me eles o olhar, porque, depois de ter consultado o rosto dos outros companheiros, disse-me com voz grave e comovida o que primeiro me comunicara a horrível desgraça:
— Descansa!... Se a justiça o não descobrir, nenhum de nós dirá o nome do assassino!... Juro-to por mim e julgo poder jurá-lo por estes também... Se, porém, me enganar— acrescentou ele com inexcedível energia-também te juro, que, se houver um traidor, haverá mais um assassino!... Mato-o!
Não era uma vã ameaça aquela; quem a proferiu era um destes homens que não prometem debalde.
Saíram, finalmente.
Ninguém imagina — prosseguiu o abade — o que eu sofri diante daquele corpo inerte!
Enquanto lhe tirava a gravata e lhe desapertava o coleirinho, examinei-o atentamente por entre as lágrimas que me saltavam dos olhos.
Lívido como um cadáver, com os olhos semiabertos, o cabelo colado à fronte por um suor viscoso, os dentes cerrados, roxos os lábios tintos aos cantos por uma espuma sangrenta, o casaco enlameado, as calças gotas nos joelhos, resultado da queda durante a vertiginosa carreira — dir-se-ia, um homem fulminado na rua por uma apoplexia.
O único sinal de vida era uma ou outra crispação nervosa das faces, que vinha a espaços alterar a rigidez daquele rosto.
O que eu sofri!... o que eu pensei naquela meia hora!
Ao cabo — de torturar o espírito, sem encontrar remédio aos males que antevia, a minha alma acabou por desejar ardentemente, e como melhor solução, que o desgraçado não tornasse a sair daquele leito senão para o cemitério!
Como havia ele de ter a coragem de tornar a beijar a mão da mãe ou a estreitar a minha?! Aquela alma era demasiado nobre para poder escapar ao remorso... Que viver ia ser o seu?!...
E, ao pesar tudo isto, secreta voz bradava dentro — de mim: "Levai-o, meu Deus!... levai-o!"
De repente feriu-me o ouvido o ruído da sua respiração opressa e difícil.
Acerquei-me dele... Voltou a cabeça, e fitou em mim os olhos horrivelmente dilatados.
Levando em seguida a mão à fronte, afastou os cabelos, lançou os olhos em volta, como quem procura orientar-se e, firmando-se por fim nas mãos, ergueu-se e sentou-se na beira da cama, coçando a cabeça como que buscando recordar-se.
Apalpou o pescoço e, notando, naturalmente, que tinha o coleirinho desapertado, mirou-se então atentamente.
Examinou o casaco enlameado, levou as mãos aos joelhos para verificar que tinha rasgado a calça, e balbuciou por fim, fitando-me espantado:
— Eu caí?!...
Aterrara-me por tal forma aquela espécie — de ressurreição, que lhe segui todos aqueles movimentos com o coração apertado, e não pude responder-lhe à pergunta.
não recebendo resposta, ergueu-se e entrou a examinar os objetos que o cercavam.
Os seus olhos, porém, fixaram-se de repente, como que fascinados, sobre um objeto que eu não podia distinguir, até que, tapando o rosto com uma das mãos, apontou com a outra para uma cadeira e caiu de novo, bradando:
— A quina de espadas!
E era ela, era!... Lá estava tinta de sangue, simbolizando o remorso do culpado e a vingança da vítima.
O meu primeiro cuidado, depois de deitar o infeliz de novo sobre a cama, foi queimar aquele terrível acusador à luz do candeeiro.
Sabe Deus a repugnância com que lhe toquei!... O cartão ardia lentamente, torcendo-se e enrolando-se sobre si, e a chama azulada estendia-se, mordendo a custo a parte intacta, e vinha lamber-me os dedos trêmulos.
Parecia reagir contra a ideia que me levara a aniquilá-la, e, como último protesto, o rolo de cinza que aderia ainda ao bocado intacto que me restava entre os dedos, voou e foi pousar sobre o peito do criminoso!..."
— Mistérios da Providência!... — balbuciou o abade, descansando a fronte entre as mãos.
Pouco depois, continuava ele:
— Que hei de eu acrescentar?!... Por espaço de um mês esteve o desgraçado entre a vida e a morte, presa de horrível delírio.
"Imaginem o que eu sofreria vendo-o naquele estado, sem me atrever a chamar facultativo, com medo de que o enfermo, no meio do delírio, se traísse!
Foi Deus quem o curou!
Neste meio-tempo, em vão se esforçaram as autoridades por descobrir o culpado, e, quando este melhorou, já quase ninguém falava no crime.
Apenas o vi em circunstâncias de o poder transportar, conduzi-o à nossa terra, onde a santa mãe, que Deus lhe — dera, morria pouco depois, abençoando o filho, que o seu instinto materno lhe dizia infeliz, mas que jamais o suspeitou criminoso.
Só muito depois é que eu soube dele as peripécias daquele horrível desfecho.
Quando saíra, ia abalado pelas razões que ele próprio me dera para não procurar a desforra.
Infelizmente, a fatalidade quis que encontrasse o ofensor, que, ao passar por ele, soltara uma gargalhada de escárnio.
Doido de raiva, o desgraçado retrocedeu e, aproveitando o sono, a que eu não pudera resistir, abriu cautelosamente o armário, onde tinha uma antiga pistola de cavalaria, carregou-a, e, inspirado pelo demônio da vingança, utilizou como bucha a carta que na véspera guardara no bolso.
Sabia ele que o Almeida costumava passar as noites numa casa de jogo no Largo da Sé, e foi emboscar-se numa das portadas da igreja.
Horas esquecidas ali se conservou à espera, até que, vendo-o sair, lhe disparou tão à queima-roupa o tiro, que eu ouvira, que a bala e a bucha tinham entrado juntas no peito da vítima, que caiu sem um grito.
Fugindo, depois do crime, em direção oposta à nossa casa, não podia ele dizer as ruas que percorrera, até vir cair sem acordo quase a meus pés; apenas se lembrava de ter visto o rio e ter-lhe arremessado ao seio a pistola, que não largara da mão.
Nem sequer se lembrava de ter caído na rua! "
Calou-se o abade; mas eu, desejoso de ouvir o resto, perguntei:
— Ainda vive o desgraçado?!
— Morreu!... Morreu depois de uma vida de angústias e amarguras!... Causava dó vê-lo nos últimos tempos da sua vida!... Morreu ralado pelo remorso!... Era um cancro que o devorava!... Era a sua uma destas dores, que transformam o homem em autômato, que aniquilam os sentidos, que tornam quem as sofre insensível a tudo quanto não seja a causa que as alimenta!... E sabem — concluiu o abade — quais foram as últimas palavras do mísero?... Foram estas "Escondam-me aquela quina de espadas!..."
Depois de cinco minutos de profundo silêncio, ergueu-se o abade, dizendo com melancólico sorriso:
— O meu hóspede não deve levar boa ideia da hospedagem!... Desculpem estas histórias de velhos, vizinhos!... E são horas! Vamo-nos deitar, que o meu hóspede deve estar cansado.
Pouco depois, via-me só no quarto que me fora destinado.

CAPÍTULO 3
— Vou passar uma noite de rosas!-pensei eu, dando volta à chave.
E, na verdade, era de esperar que assim acontecesse, graças ao cansaço da jornada e à boa qualidade da cama.
Enganei-me!... Mal havia aconchegado a roupa, de forma a proteger a orelha exposta ao ar, comecei a ouvir o som de passos lentos e cadenciados.
— Não me faltava mais nada!... Estou por baixo do quarto do abade... O velho ficou impressionado pela história que nos contou e, como não pode dormir, passeia... Conheço aquele desabafo... Pode durar uma hora e pode durar toda a noite... Depende dos nervos do velho... O pior é eu não poder dormir!...
No meio destes meus raciocínios, ouvi estalar um fósforo e dissiparam-se as trevas em que jazia.
Voltei a cabeça e vi que a luz vinha da bandeira de uma porta lateral. Pouco depois, senti o cheiro do fumo de cigarro, e concluí que, se o velho passeava por não poder dormir, o sobrinho fumava pela mesma razão.
Ora, como eu sei o que é o cigarro como distração, perdi logo as esperanças de dormir.
— Não tem que ver!... — pensava eu. — Ficas aí a acender os cigarros uns nos outros até ser dia... Se tens fartura deles, não acabas enquanto não sentires a língua esfolada e a cabeça perdida... Decididamente, não durmo!
E, como sucede sempre que nos assalta o receio de uma noite de insônia, entrei de dar voltas na cama, e de fazer castelos no ar.
De repente, no pavimento superior, cessou o ruído dos passos e ouvi arrastar uma cadeira.
Pouco depois, a um som um pouco mais forte, dizia eu: "Lá tirou o velho uma bota..."e, como o ruído se repetisse, acrescentei: "Lá tirou a outra... O velho deita-se... Deus queira agora que o rapaz apague a luz!
Cerca de um quarto de hora depois, pareceu-me que ouvia passos no corredor; uma porta rangeu ao abrir-se e, como eu estava deitado de costas e com os olhos fitos na bandeira da porta, de onde vinha a luz, conheci, desenhada no teto do quarto vizinho, a sombra do abade.
— Temos sermão de lágrimas!... — disse mentalmente. — Vem explicar ao rapaz a moral da história que lhe contou.
Curioso como um ponto de interrogação, impus silêncio ao bom senso que me ameaçava com uma pneumonia, e fui pé ante pé colar o ouvido à porta.
Depois de um expressivo: "psiu!" que provavelmente se referia a mim, que os podia ouvir, disse o abade em voz baixa e trêmula:
— Ouviste bem a história que contei, Augusto?... Não te lembras de ter ouvido, há já muito tempo, as palavras: "Escondam-me aquela quina de espadas?!
Em vez de palavras, ouvi soluços abafados. O jovem respondia chorando!...
— Era teu pai, Augusto!... Era!... Perdoa-me a dor que te causo, filho!... Por muito que sofras, é nada a par do que eu tenho sofrido, vendo-te presa de um vício que causou a desgraça de teu pai! E teu pai apenas jogou uma vez! Ó meu Deus! — exclamou o velho elevando a voz, sem se lembrar de mim, e como que falando só para si. — Será isto uma expiação?!... Querereis punir o pai no filho?!... Querereis castigar-me a mim por não ter tido a coragem de arrancar o infeliz daquela mesa na noite fatal?!
E a estas palavras seguiu-se um silêncio, cortado apenas pelos gemidos do mancebo.
— É preciso que te conte o resto, filho!... — continuou o abade. — É preciso que te exponha todas as consequências daquele crime!
"Depois da morte de nossa mãe — um ano depois, pouco mais — alcancei esta abadia.
Por mais que fiz, não pude resolver teu pai a acompanhar-me.
Carícias, rogos, considerações materiais e necessidades do coração — nada pôde movê-lo. Queria morrer ali — dizia ele — ali, de onde nunca devera ter saído!
Como ele tinha abandonado os estudos em meio, e a nossa casa mal nos dava recursos para vivermos, aterrava-me o futuro!
Tremia por ele, por teu pai, a quem a infelicidade quebrara, por assim dizer, os braços, e perguntava a mim próprio que vida ia ser a daquele homem, incapaz de lutar e desapegado de todos os interesses da vida! Que havia de ser dele, faltando-lhe eu?!
Estive para renunciar a abadia, e só me deteve a esperança de me ser fácil arranjar uma troca que me aproximasse dali.
Depois de muito pensar, julguei ter encontrado um meio de lhe tornar menos sensível a minha falta.
Havia nas vizinhanças um honrado velho, antigo militar, que, com a modesta pensão da sua reforma, se sustenta a si e a uma filha.
É o homem que me convém! — pensei ao lembrar-me dele.
Fui procurá-lo e expus-lhe a minha aflição.
— Meu irmão — disse lhe eu — sofre, como vossa senhoria sabe, de uma melancolia incurável.
"Desgostos que o atribularam na sua carreira de estudante, e as consequências do ataque cerebral de que esteve a morrer, puseram-no naquele mísero estado...
Indiferente a tudo... ignorante das mais pequenas exigências da vida... incapaz quase de se governar, e sem forças para lutar... não sei o que há de ser dele em lhe faltando eu!
A nossa separação não será longa, espero... Ainda assim, atormenta-me a ideia de o deixar entregue a si próprio, nesse muito ou pouco tempo que ela durar...
Lembrei-me do senhor!... De tempos a tempos... uma vez por semana... quando puder... dê uma chegada lá a casa... Veja se aquele desgraçado precisa de alguma coisa... Se conseguir captar-lhe a confiança... aconselhe-o... Verá que lhe obedece... O que ele quer é que o não obriguem a pensar!"
Tudo isto lho disse eu, chorando, e, quando concluí, corriam também as lágrimas quatro a quatro ao longo das faces do velho.
— Vá descansado, vizinho!... Vá descansado! — balbuciou o honrado homem, abraçando-me. — Há de fazer-se o que se puder fazer!... Os homens nasceram para se ajudarem uns aos outros... Vá descansado.
Agradeci-lhe do fundo da alma aquela bondade e retirei-me mais sossegado. Dias depois parti para aqui.
Não posso dizer-te o que sofri ao deixar aquele desgraçado!... Ele pouco parecia sofrer... Absorto na dor que o minava, para nenhuma outra parecia haver lugar naquele coração!
Às repetidas cartas que lhe escrevia, vinha de tempos a tempos uma resposta dele, revelar-me a nenhuma ação do tempo sobre as feridas da sua alma.
Cerca de seis meses depois da minha partida recebi uma carta, em que pela primeira vez me falava com mostras de gratidão do nosso vizinho, que, pela sua parte, me escrevia a miúdo, lamentando-se pela inutilidade dos seus esforços.
Pareceu-me; aquilo um bom sinal!
Começaram as cartas de teu pai a amiudar-se, e julguei ver luzir um tênue raio de sol por entre as trevas, que ainda lhe enegreciam o estilo.
Exultei!
Foram chegando outras cada vez mais animadoras... Nesta participava-me que se resolvera a ir passar uma noite a casa do vizinho, onde se aborrecera menos do que receara; naquela fazia justiça ao bom senso do velho; noutra falava-me nas boas qualidades que descobria na filha do nosso velho amigo...
Finalmente... era um homem que ressuscitava, e eu de longe animava-o a distrair-se e chamava-lhe pouco e pouco o espírito para as alegrias — do mundo.
De repente o seu estilo mudou! Ora deixava voara imaginação por alturas impossíveis; ora parecia despenhar-se no antigo abismo, que o remorso lhe cavara na alma!
Nessas ocasiões enchia folhas e folhas de papel!... via-se que o dominava a febre de escrever!...
Em algumas cartas encadeavam-se mil preâmbulos, que faziam esperar uma confidência; mas, de repente, a chama ocultava-se debaixo de cinzas, e meia dúzia de banalidades vinham brutalmente terminar a carta!
E eu lia e relia, na esperança de descobrir o verdadeiro estado daquele espírito, quando uma carta dele veio iluminar o meu.
Era um grito de desespero!
"Amo-a!... — dizia ele. — Amo-a e não me atrevo a dizer-lho, porque seria horrível ligar um anjo a um assassino!"
E mais adiante acrescentava: "Diz-me o coração que só ela seria capaz de me curar!... só as preces dela podem fazer calar os gritos do remorso!"
Teu pai amava a filha do nosso vizinho... Era mais uma desgraça com que eu não contava!
Três dias depois batia eu à porta da casa onde nascera, e caía nos braços de meu irmão.
Não imaginas que triste noite passamos juntos!... Nessa, era com certeza ele quem mais sofria!
— E ela... ama-te?... — perguntei-lhe eu depois de lhe ouvir as confidências. — Julgo que sim.
— E vocês já... já falaram de amor?... — Nunca!...
— Ó filho!... então por nossa mãe... por ti!... foge!... Vem comigo!
— Não posso!... — bradou o desgraçado torcendo as mãos.
— Pelo teu crime!... pela memória do...
— Cala-te! — exclamou ele, detendo-me nos lábios a palavra assassinado. — Cala-te, ou... dou cabo de mim! "
O abade calou-se, e os gemidos do jovem redobraram.
— No dia seguinte — prosseguiu o velho — fui procurar teu... teu avô.
"Depois de lhe exigir o juramento de jamais revelar o que ia dizer-lhe, contei-lhe tudo!
A cena da provocação, o crime e remorsos de teu pai, e finalmente o seu louco amor pela filha dele — tudo lhe contei, com as faces afogueadas de pejo e banhadas de pranto.
Ao contrário do que eu esperava, teu avô, militar e, por conseguinte, pundonoroso, depois de me ouvir atentamente, disse-me com gravidade:
— Seu irmão, Senhor Abade, fez o que eu faria... Se entre nós se usasse o duelo, seria ele o resultado natural de semelhante afronta... Como se não usa... o meio é aquele... Se alguém ainda hoje — prosseguiu energicamente o velho — me vier chamar ladrão, prego-lhe um tiro!... Tão certo como dois e dois serem quatro!... Não vejo na ação de seu irmão um crime... Acho-o lógico e naturalíssimo... E, se minha filha gostar dele, não serei eu quem lhe negue o meu consentimento.
Retirei-me atordoado!... Aquele modo de ver diferia tanto do meu; aquele culto da vingança contrastava tanto com as minhas doutrinas de perdão, que o meu espírito perdia-se entre aqueles dois caminhos desiguais!
Chegando a casa contei fielmente a meu irmão o que se passara entre mim e o velho.
A paixão sugeriu-lhe um sem-número de argumentos, que me venciam sem me convencerem, até que, dominado pela amizade que lhe tributava, cedi com a condição de que faria uma confissão franca e leal do seu crime à escolhida do seu coração.
— Se ela te aceitar depois disso — concluí eu — não te porei mais objeção alguma!
— Sê bom até ao fim!... — disse-me ele. — Diz-lho tu, que eu não tenho coragem para o fazer!
Tive ainda de ceder!
Fui procurar a jovem e disse-lhe tudo!
A pobrezinha, pálida e trêmula, ouviu-me até ao fim com as lágrimas a bailarem-lhe nos olhos... Terminei, dizendo:
— Aqui tem a causa da melancolia de meu irmão... Pense... e peça a Deus que a ilumine!... Estude-se, e veja se tem a força de alma precisa para partilhar o futuro de um homem que o há de ver sempre escurecido pelas sombras do passado!... Lembre-se que tem a pedir ao seu coração a eloquência necessária para fazer emudecer na consciência dele a acusação de um crime!... Olhe que não há lágrimas que possam lavar uma gota de sangue, quando esse sangue nos acusa!... Eu, como sacerdote, creio na eficácia do arrependimento; mas este, minha filha, se pode dar-nos a felicidade no outro mundo, não no-la pode dar neste!... Pense e... reze!... Pense bem! Bem basta que só ele seja infeliz!
Deixando fugir as lágrimas, que até então represara, respondeu-me a santa, que foi depois tua mãe:
— Já pensei, Senhor Abade... Pensei que esse desgraçado precisa de quem chore com ele, de quem lhe cure as feridas!... Não me disse que era bom, nobre e generoso?... Não me disse que é criminoso pôr excesso de brio?... Consinta que o meu amor lhe mitigue as torturas causadas pela falta cometida num momento em que o seu bom anjo o abandonou!... Seu irmão... para mim... não é um criminoso... é um desgraçado!... E... eu amo-o!... — terminou ela, apaixonadamente e debulhada em pranto.
A consciência, que me aplaudia por ter cumprido o meu dever, disse-me que tua mãe acabava de cumprir o dela.
Tive tentações de lhe cair aos pés!
Fitei-a, deixando correr livremente as lágrimas, e balbuciei:
— Deus a abençoe, minha querida irmã!... É uma santa!
Um mês depois estavam casados."
Após breve silêncio, continuou o venerando padre:
— Voltei para aqui.
"Nos primeiros tempos correu tudo bem. Teu pai e tua mãe escreviam-me alternadamente, e nada encontrava nas cartas deles que me sobressaltasse.
Morreu teu avô, e a tristeza, naturalmente produzida por essa causa, decerto influiu no ânimo de teu pai, pois recebi uma carta de tua mãe, em que me anunciava que ele se debatia de noite em sonhos horríveis, de que despertava como que idiota.
Repetiram-se essas noites medonhas em que tua pobre mãe sofria atrozmente, e, nesse tempo, nasceste tu.
As alegrias de pai varreram, por algum tempo, daquela alma as visões que a agitavam; pouco tardou, porém, que elas voltassem.
Informado por tua mãe, regressei ao Minho e, auxiliado pelo médico, que asseverou ser a mudança de ares absolutamente necessária para tua mãe, consegui que teu pai viesse passar algum tempo aqui, de onde nunca mais saiu.
Foi então que eu pude avaliar até onde pode chegar a angélica bondade de uma mulher!
Tua mãe pedira aos anjos o sorriso, e aprendera dos mártires o segredo de guardar no peito as lágrimas, que pouco e pouco lhe iam dissolvendo o coração!
Que noites, meu Deus!... Que noites!...
O bruxulear da lamparina, um bocado de cal que caísse do teto, uma golfada de vento que abanasse as janelas, um cão uivando na vizinhança... era o bastante para dementar o desgraçado!
E a pobre mártir erguia-se, acendia a vela, provava-lhe à evidência a verdadeira causa do ruído ou sombra, e, voltando para junto dele, passava-lhe a mão pela fronte e dizia-lhe como a uma criança: "Dorme!..."e o infeliz sorria e adormecia, para daí por um instante despertar a braços com novos terrores!
Era uma santa!
Presumira a triste de mais do vigor da sua alma, ou antes, não havia quem resistisse àquela luta de todos os instantes...
A vida foi-se-lhe finando entre aquelas agonias de quatro anos, até que me ficou nos braços... As suas últimas palavras foram para ti e para ele!...
— Meu querido filho!... Quem há de olhar pelo pai!...
Os seus olhos, porém, encontraram os meus, e a expressão angustiada cedeu o lugar ao angélico sorriso com que aquela alma se foi apresentar a Deus.
Aquele sorriso queria dizer: "Achei um pai para meu filho... um enfermeiro para meu marido."
Ainda hoje — continuou o abade, depois de breve silêncio — ainda hoje me custa a conceber como teu pai resistiu àquela perda, e viveu ainda quatro anos, se se pode chamar aquilo viver!
Lembras-te dele, Augusto?... Daquele rosto cadavérico, daquele olhar sombrio?... Pobre irmão!
Tu viste-lhe a agonia, filho! Eras uma criança, mas não a esqueceste!
Não a esqueceste, não, que eu notei a impressão que te causou o ouvir-me repetir as últimas palavras de teu pai: "Escondam-me aquela quina de espadas!"
***
Se os dois choravam, eu posso asseverar que me corriam as lágrimas, ouvindo aquela triste narrativa, que me prendia ali, indiferente ao frio de uma noite de Fevereiro e ao cansaço da jornada.
Ergueu-se de novo a voz do velho; mas, desta vez, solene e austera como a — de um juiz:
— Compreendes o que eu devo ter sofrido, sabendo que jogas por vício, tu, filho de um homem criminoso, por se ter sentado uma única vez a uma mesa de jogo?!...
"Tu vais jurar-me pelo homem que morreu às mãos de teu pai!... por tua mãe, que sucumbiu ao peso da cruz que voluntariamente tomou!... por teu pai, que morreu ralado, idiota pelo remorso de um crime originado pelo jogo!... por mim, que te adotei e que Deus fez resistir a tantos golpes, para te fazer parar a tempo!... por ti, finalmente, se és homem, se és filho, se és cristão!... vais jurar-me que não tornas a pegar numas cartas!..."
Completamente esquecido de mim, o jovem soltou um brado de angústia e exclamou:
— Meu Deus! meu Deus!... Tão miserável me crê, que ainda me pede que jure, depois do que ouvi!
— Perdoa, filho. Perdoa!... — ouvi então dizer ao abade.
Pouco depois retirava-se este do quarto e recolhia eu à cama, literalmente transido de frio.
No dia seguinte, quando me apresentei ao almoço, perguntou-me o abade, estudando-me ansiosamente o rosto:
— Então... deixaram-no dormir?!...
— Se lhe parece!... — respondi jovialmente. — Nem os sete dormentes dormiam melhor!
Nesse mesmo dia, despedi-me do abade. O sobrinho tinha saído.

CAPÍTULO 4
Anos depois, por um formoso — dia de Setembro, cavalgava eu direito a Vila Flor, e levava por arrieiro um rapaz que tinha cara de esperto. — Tu de onde és, ó rapaz?... — Sou de... — (a terra do abade). — Diz-me uma coisa... O abade ainda é o Sr. F...?
— Saiba vossa senhoria que sim.
— E o sobrinho dele?... O Sr. Augusto?...
Também o conheces?...
— Ora, se conheço!... Como as minhas mãos!...
Aquilo é que saiu um rapaz às direitas! — Então ele que faz por lá?... — É administrador...
— Administrador — do concelho?... — perguntei eu com certo espanto.
— Saberá vossa senhoria que sim.
— E então... que tal?...
— Ainda lá não houve outro como ele!... serviçal até ali!... Seja rico, seja pobre — é amigo de todos... De todos, não... Há alguém a quem ele não perdoa...
— Então a quem é?!...
— É aos jogadores!... Em ele lhes podendo fazer a cama, estão prontos!... Dantes todo o mundo jogava... Hoje é raro!...
Ouvindo isto, convenci-me de que o filho não morre como o pai, pedindo que lhe escondam
A QUINA DE ESPADAS.

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