Esta planta foi, como é sabido, introduzida na Europa pelos portugueses
nessa bela época em que audaciosos e fortes ditavam leis ao mundo submisso e
absorto ante as suas façanhas sobre-humanas.
Recebida ao principio com estima, provocou em breve o tabaco, intensa e
crua guerra.
Para uns era a erva santa, o remédio certo e seguro de todas
as doenças, para outros a erva do diabo, a erva maldita, a origem
de todos os males.
A igreja lançou-lhe excomunhão, os monarcas açoitaram-na com os seus
ódios, e leis severíssimas proibiram o uso do tabaco. Pois apesar de tudo ele
foi-se espalhando de tal forma, que por todo o mundo é raro agora o homem que o
não usa cheirando-o, fumando-o ou mascando-o. O tabaco hoje é quase um
alimento, e o produto querido dos principais governos civilizados que dele
extraem as suas melhores e mais seguras receitas.
Médicos e higienistas notáveis têm-se ultimamente esforçado em mostrar
os inconvenientes do uso e abuso do tabaco, o quanto ele concorre para o
enfraquecimento das gerações, mas tudo isso são palavras ao vento; todos
reconhecem o mal mas ninguém tem forças de o cortar pela raiz.
O vício alastra cada vez mais, do homem vai passando para a mulher e desta
para a criança. É uma praga universal.
Espalhado como está, ferindo a imaginação de todos os povos, não podia
deixar de ter o tabaco muitas e variadas lendas; a mais antiga e a mais curiosa
é a dos Tchumaches.
Este povo, que sempre seguira a lei de Deus, foi uma vez tentado por uma
mulher idólatra que, com os seus propósitos libertinos, esteve quase a fazer
naufragar a proverbial castidade dos Tchumaches. Deus ao ver em perigo os
homens que estimava ordenou-lhes, para se lavarem da culpa, que matassem a
sedutora, e a enterrassem em seguida no centro de um escuro bosque.
O marido desta mulher, industriado pelo diabo, que não podia ver com
bons olhos a virtude dos Tchumaches, plantou-lhe sobre a sepultura uma vara que
aquele lhe deu, vara que com o tempo se transformou num belo arbusto de largas
e formosas folhas. Os Tchumaches passando mais tarde por ali viram o idolatra
cortar ao arbusto as folhas secas, encher com elas um cachimbo, pegar-lhe fogo
e sorver depois com avidez o aromático fumo que elas desenvolviam.
Admirados com o fato, imitaram o manejo do idólatra, e sentiram tal
prazer com o fumo do tabaco, que nunca mais cessaram de fumar, perdendo, assim
as boas graças de Deus, e caindo sob o domínio do diabo, pois a planta não era
mais que uma nova encarnação de Satanás o qual assinala a sua passagem por
qualquer lugar com fumo intenso e um cheiro nauseante, embriagador, igual ao do
tabaco.
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Eduardo Sequeira
- (Lenda dos Vegetais, 1892)
Pesquisa e
adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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