O cedro
foi venerado desde os mais remotos tempos, e foi ele também que forneceu a
madeira de que fabricaram a cruz onde Cristo morreu.
Salomão
cantou os cedros do Líbano, os símbolos da imortalidade, e todos os povos
antigos tinham pelo cedro particular veneração.
Uma árvore,
considerada sempre pelo homem como árvore protetora por excelência, não podia
deixar de ser também divinizada pelas lendas. Entre as muitas que correm por
todo o Oriente duas há verdadeiramente deliciosas, uma chinesa e outra egípcia.
Hanpang
secretário do rei Kang, amava doidamente sua esposa a formosa Ho. A sua pura felicidade
foi porém perturbada um dia pelo rei Kang que, enamorando-se perdidamente de
Ho, fez prender Hanpang esperando que assim a pobre esposa cederia aos seus
infames desejos.
Hanpang
vendo-se preso, impossibilitado de defender a esposa, desesperado, suicidou-se,
e Ho, ao saber da morte do marido, atirou-se duma alta torre onde o rei a
encerrara, morrendo logo da queda. Ao removerem o corpo da desventurada Ho
foi-lhe encontrada uma carta dirigida ao rei em que pedia que lhe mandasse
sepultar o corpo junto do marido.
O rei,
porém, furioso por ter sido ludibriado, ordenou que os corpos fossem enterrados
longe um do outro, mas, caso estranho, de noite brotaram dois cedros um de cada
sepultura, e em poucos dias cresceram tanto, que, apesar de muito afastados um
do outro, entrelaçaram fortemente os ramos e as raízes, conseguindo assim os
dois esposos, eternizar transformado o seu amor.
A lenda
egípcia diferente na forma, no fundo é quase a mesma.
Batou,
um herói egípcio, tem a vida ligada ao viver do cedro. O seu coração está no
centro da árvore junto à qual vive. Cortando a árvore o herói morrerá. Porém
dado esse caso, ainda pode vir a ressuscitar se antes de sete anos seu irmão
Anpon, lhe procurar o coração e, logo que o encontrar, o mergulhar num certo e
especial líquido sagrado.
Os
deuses que particularmente estimavam Batou, não querendo que ele vivesse
constantemente só, junto do cedro que lhe guarda o coração, dão-lhe por esposa
uma mulher que especialmente criaram para tal fim, e que é a mais formosa que até
então existira.
Batou,
perdido de amor pela mulher, cuja beleza é funesta, revela-lhe o segredo da sua
existência fatalmente ligada à do cedro.
Um rio
que passava através do bosque apaixona-se pela mulher de Batou, e este, para
aplacar as águas, vê-se obrigado a cortar à esposa uma trança de cabelo e dá-la
ao rio. O rio orgulhoso com o belo penhor recebido leva-o ao sabor da corrente,
embalando-o com melodias estranhas e embriagando-se com o delicioso aroma que o
cabelo emitia.
A
lavadeira do rei daquele país, que estava lavando roupa nas águas do rio, vê a
formosa trança, apanha-a e vai-a entregar ao rei, que vendo cabelos tão belos e
aspirando-lhe o perfume embriagador, fica logo apaixonado pela mulher, a quem
pertenciam, e manda soldados ao bosque do cedro, com o fim de se apoderarem da
cobiçado presa, mas Batou mata-os a todos. O rei não desanima, levanta um novo
e numerosíssimo exército e com ele consegue vencer Batou e obter a mulher.
Porém
esta não podia casar com o rei enquanto Batou fosse vivo; preferindo porém ser
rainha a mulher de um herói revela ao rei o segredo da vida de Batou.
O cedro
então é cortado e Batou morre.
Anpou
que ia visitar o irmão, encontrando-o morto, parte à busca do coração para o
fazer ressuscitar, e só ao fim de quatro anos é que consegue descobrir no
interior de um cedro o coração do
irmão.
Depõe-o
logo num vaso cheio de líquido sagrado e passado um dia o coração começa a
palpitar e Batou revive. Anpou faz-lhe beber o líquido e o coração e Batou
adquirindo todo o seu passado vigor transforma-se num touro que todo o Egito
venera.
A rainha
ao saber que Batou vive transformado em touro, obtém do rei que este o mande
matar, porém quando o animal era imolado as suas primeiras gotas de sangue logo
que tocaram no solo deram nascimento a dois cedros, nova transformação de
Batou.
O rei a
pedido da mulher, faz cortar as árvores, trabalho a que ela assiste jubilosa.
Porém um
pequenino fragmento de madeira salta e entra-lhe pela boca, sem que lhe seja
possível expeli-lo. Passados dias vê a rainha que está grávida e no fim do
tempo próprio, dá à luz um formoso rapaz, nova encarnação de Batou.
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Eduardo Sequeira
- (Lenda dos Vegetais, 1892)
Pesquisa e
adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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