Havia um
homem, extremamente invejoso, que não tinha conseguido ainda arranjar fortuna,
apesar dos esforços que fazia, do trabalho diário e das economias.
Este homem,
desde que ficou só no mundo, sem o amparo de seus pais, que tinham morrido,
entregou-se ao trabalho; mas como nunca foi honesto e empreendia tudo com má fé
e malícia, não pode prosperar, de modo que todos, que deviam auxiliá-lo,
evitavam-no e negavam-lhe apoio.
Seu principal
defeito era a inveja.
Invejava a
felicidade de todos, e a todos desejava mal. Se o seu amigo prosperava,
cercava-o de pequenas intrigas, maculava-lhe a reputação até vê-lo empobrecer.
Um dia,
cansado dos sofrimentos e humilhações por que tinha passado até então,
revoltado contra a sorte que lhe era tão adversa, mudou de terra para recomeçar
a vida. Empregou-se na casa de um rico moleiro.
Sua ocupação
era pastorear as ovelhas, tomar conta do seleiro à noite, evitando a voracidade
dos ratos que tudo destruíam. Trabalho suave esse, que lhe rendia algum
dinheiro e um tratamento relativamente bom, porque o seu patrão era generoso.
Assim viveu ele por muitos dias, feliz, alimentando-se bem e fazendo as
economias a que estava habituado.
A inveja,
porém, começou a dominai-o de novo, a envenenar-lhe a alma, obrigando-o a
revoltar-se contra a crescente prosperidade do seu amo. À noite, fechado em seu
quarto, estorcia-se no leito, espumava de raiva, fantasiava altercações com o
moleiro, dirigia-lhe impropérios e a inveja ia-o tornando mau cada vez mais.
Daí em diante,
já se não importava com o trato das ovelhas, deixando que se desgarrassem do
rebanho ou que morressem de peste por falta de cuidados. Agitava a água da
azenha, tornando-a suja. Abria a porta do seleiro para dar estrada aos ratos.
Tudo isso ele
fazia no intuito de empobrecer o moleiro, fazendo-lhe esses males, causando-lhe
prejuízos diários. Mas o proprietário, que já tinha percebido os maus
sentimentos do seu empregado, e observado a sua inveja, chamou-o à sua presença
e falou-lhe duramente:
— Tu és um mau
homem; a princípio conseguiste iludir-me com tua falsa solicitude, com teu
fingido amor ao trabalho; agora te conheço melhor, porque de uns tempos a esta
parte tenho observado a baixeza de tua alma e a inveja de que está penetrada.
De hoje em diante ficas dispensado do serviço da minha casa. Vai com Deus.
E despediu-o,
depois de lhe haver pago o que lhe devia, dado alguma roupa e conselhos úteis
de moral.
O nosso homem
saiu, de cabeça baixa, coberto de vergonha e humilhação.
E jurou
vingar-se.
A noite tinha
caído de todo. Não havia uma estrela no céu. Tudo era propicio para a
realização dos seus desígnios criminosos.
Armou-se de um
punhal e encaminhou-se para a casa do moleiro.
Tudo, porém,
estava fechado, e ele receava acordar os cães, que eram bravos.
Então, mudando
de estratégia, resolveu vingar-se de outro modo: quebrar a roda do moinho.
E partiu, pé ante pé, de cócoras, para confundir-se com o mato e aproximou-se do moinho para
quebrar-lhe a roda. Como era dotado de muita força, agarrou num dos raios,
suspendeu-se, e, com o auxilio dos pés, pensou quebrar um por um todos os
raios; estava nesta posição quando um grosso jato d'água se desprende de cima,
apanha a roda, fá-la virar impetuosamente, e mata o desgraçado sem lhe dar
tempo de gritar por socorro.
No outro dia,
quando o moleiro soube do ocorrido, ergueu as mãos ao céu e rogou a Deus
repouso para a alma daquele infeliz.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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