A Iara
(Balada tupi)
Rio abaixo
descia a veloz igara impelida pelo remo. Um moço tapuio, belo como os mais belos
da sua tribo, robusto e valente, cantava à proa, a meia voz, uma canção
melancólica, em que dizia os combates que ferira contra as tribos inimigas, as
mágoas que sofrera longe dos seus, nas perigosas caçadas pelo sertão bravio.
A igara
corria. As águas espumavam em torno.
A tarde ia
descendo. Uma tristeza crepuscular invadia as várzeas. Pássaros selvagens
recolhiam-se em bando, vagarosamente, as asas abertas, cortando o ar em longos
e regulares giros.
O sol há muito
tinha caído. A lua, do alto, espiava, destacando-se na transparência do azul
como uma mancha luminosa.
"Tapuio,
tapuio! volta a tua canoa, corta a correnteza das águas, foge e entra na taba
dos teus pais antes que a noite chegue.
Durante a
noite, sob a claridade pálida da lua, a Iara aparece à flor d'água. Ela tem os
cabelos loiros como as barbas do milho; os dentes brancos como o granizo que
cai com as grandes tempestades; os olhos azuis como o céu nas madrugadas do
estio.
Não te
aproximes dela, tapuio! Em seu palácio encontrarás a morte.
Foge, tapuio,
foge!"
A Iara, à tona
do rio, o corpo envolvido na onda dos cabelos de ouro, a cabeça airosa apoiada
numa das mãos, tem os olhos fixos no céu, embevecida na contemplação dos astros.
Há um grande
silêncio. As folhagens estão mudas; a viração que passa é tão leve, tão branda,
que as roça apenas sem as agitar.
A igara
continua a correr, rio abaixo, impelida pelo remo.
A Iara canta:
"Nunca
olhos humanos fitaram beleza igual à minha. Minha boca é perfumosa como a flor do
vale rociada da neblina matinal.
Todas as
noites, à flor d'água, acordo o silêncio da mata com as sonoridades do meu
canto. E quando o sono me vence e me vai obrigando a fechar as pálpebras, desço
ao meu palácio de ouro, que fulgura no fundo do rio, onde se acumulam os
maiores encantos da terra."
O tapuio
apareceu.
Aproximou-se
cada vez mais, os olhos presos na Iara, fascinados de admiração e espanto, deslumbrados
de encantamento.
Prevendo o
perigo a que se expunha e a morte horrível, tentou, com um movimento rápido do
remo, voltar à proa da igara e fugir. Era tarde. Seus músculos estavam frouxos,
seus braços pendiam amolecidos de cansaço. E a Iara foi-se chegando a ele,
resvalando de onda em onda...
O tapuio resiste.
Ela agarra-o, envolve-lhe o corpo na túnica longa dos cabelos, e leva-o para o
fundo do rio. As águas abriram-se, espumaram, fecharam-se sobre os dois e foram
escorregando pelas várzeas em flor.
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Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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