A formiga e a neve
Ora um dia apareceu o campo todo
branco de neve; o frio era de arrepiar, e o céu, encoberto pelas nuvens, não
dava esperança de melhor tempo.
Apesar disto, a formiga que não se
poupa a canseiras, saiu da sua casa e foi, campos fora, tratar dos negócios que
a preocupavam.
Andou, andou, escolhendo os
melhores caminhos e tendo todo o cuidado em se desviar dos precipícios, até que
chegou a um ribeirinho. Como não encontrasse ponte e a água estivesse gelada,
deu um pulo para o outro lado, mas caiu e ficou com uma das pernas presa.
A pobre formiga, quase morta de
aflição, levantou a voz, e começou a clamar:
— Ó neve, tu é que és
forte,
Que meu pé prendes!
— Mais forte é o sol,
Que me derrete.
— Ó sol, tu é que és
forte
Que derretes a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é a
nuvem
Que me encobre.
— Ó nuvem, tu é que
és forte,
Que encobres o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o
vento,
Que me espalha.
— Ó vento, tu é que
és forte,
Que espalhas a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é a
parede,
Que me quebra.
— Ó parede, tu é que
és forte,
Que quebras o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o
rato,
Que me fura.
— Ó rato, tu é que és
forte,
Que furas a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o
gato,
Que me come.
— Ó gato, tu é que és
forte,
Que comes o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o cão,
Que me espanta.
— Ó cão, tu é que és
forte,
Que espantas o gato,
Que mata o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o pau,
Que me bate.
— Ó pau, tu é que és
forte,
Que bates no cão,
Que espanta o gato,
Que mata o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o
lume,
Que me queima.
— Ó lume, tu é que és
forte,
Que queimas o pau,
Que bate no cão,
Que espanta o gato,
Que mata o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é a
água,
Que me apaga.
— Ó água, tu é que és
forte,
Que apagas o lume,
Que queima o pau,
Que bate no cão,
Que espanta o gato,
Que come o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é o
homem,
Que me bebe.
— Ó homem, tu é que
és forte,
Que bebes a água,
Que apaga o lume,
Que queima o pau,
Que bate no cão,
Que espanta o gato,
Que come o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
— Mais forte é a
morte,
Que me leva!
— Ó morte, tu é que
és forte,
Que levas o homem,
Que bebe a água,
Que apaga o lume,
Que queima o pau,
Que bate no cão,
Que espanta o gato,
Que come o rato,
Que fura a parede,
Que quebra o vento,
Que espalha a nuvem,
Que encobre o sol,
Que derrete a neve,
Que meu pé prende!
No fim destes queixumes todos, o
céu apiedou-se da pobre formiga, por ser muito trabalhadora e industriosa, e as
nuvens, espalhando-se por um pouco, deixaram que um raio de sol derretesse a
neve, e ela pudesse soltar o pé e continuar o seu caminho, levando para o
formigueiro a lembrança daquela imensa desgraça, em que por pouco não morria.
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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliotrônica Portuguesa)
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