A coruja fiadora
No Reino das Aves apareceu, em
certa ocasião, um pássaro, de que não se sabe o verdadeiro nome. Era tão
depenado e feio que logo se tornou conhecido pela triste alcunha de "Pinto-nu".
Toda a mais passarada se ria dele
a bom rir, e ninguém da sua desgraça tinha dó.
Se, ganhando coragem, alguma vez
intentava meter-se entre os colegas, ser da sua sociedade, conversar, enfim,
amigavelmente, corriam-no à bicada e faziam tanta troça dele que o pobre ia
esconder-se, debulhado em pranto, no primeiro buraco ou moita com que deparava.
A Coruja — que é uma boa criatura
apesar do seu feio aspecto — tanto se condoeu quando ouviu as lamentações do
Pinto-nu, que resolveu protegê-lo.
Pega em si, chamou o Pinto-nu,
garantiu-lhe a sua proteção e foi com ele até onde se reunia a passarada mais
das suas relações. Apresentou o protegido como desventurado sem culpa nenhuma.
E pediu para ele a piedade e atenção dos seus colegas. E tanto bradou, tão bem
soube falar ao coração das aves, que por fim elas, todas à uma, lhe disseram:
— Tens falado como um livro
aberto, ó Coruja. Nem outra coisa era de esperar da tua inteligência e
sabedoria! Mas nós estamos já tão cansadas e fartas de socorrer miseráveis, que
ainda por cima escarnecem de nós e nos ficam a dever! Nada, por isto, daremos a
este necessitado sem que nos dê boa fiança de um empréstimo. Se tu ficas por
ele, cada uma de nós lhe dará uma pena, que nos pagará para o ano novo. E
ficará vestido que nem um Príncipe. Agora se tu não quiseres ser sua fiadora,
que se arranje como puder, porque nós não estamos para ouvir mais lamúrias!
— Pois seja (tornou a Coruja!)
Ficarei por fiadora do Pinto-nu. E estou certa que ele me não deixará ficar mal
colocada com os meus amigos. Não é verdade isto, Pinto-nu?!...
— Ó senhora Coruja, pode confiar
absolutamente em mim! Serei um seu escravo, e o meu reconhecimento será eterno!
Assim choramingou, enternecido, o
Pinto-nu, batendo ao mesmo tempo o bico, cheio de frio e de vergonha.
Aceitaram as aves servir o
Pinto-nu, com a fiança da Coruja. E cada uma por sua vez deu uma pena ao
desprezado, que, num momento, se encontrou vestido e belo entre os mais belos e
bem vestidos passarolos. Mas o que fora Pinto-nu, mal se apanhou vestido e
emplumado, bateu as asas e por aqui me sirvo!... Ninguém mais lhe pôs a vista
em cima, nem ele mais deu sinal de si! A pobre Coruja, que se tinha
comprometido com as outras aves como sua fiadora, ficou por tal forma
envergonhada que nunca mais quis sair ao campo durante o dia, pois na verdade
não tinha maneira de pagar uma dívida tão grande, por muito ano que vivesse.
E dizem que é este o motivo
porque ela, daí por diante, ficou sendo uma ave noturna.
Vejam que ingrato foi o
Pinto-nu!... E quantos assim há, por esse mundo de Cristo!... Quantos
Pintos-nus pedincham e prometem, valendo-se de qualquer desgraça, fingida ou
verdadeira, e pagam, depois de servidos, com negra e baixa ingratidão e muita
maldade!
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Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
Fonte:
Ana De Castro Osório: “Contos, fábulas, facécias e exemplos da tradição popular portuguesa” (editado a partir da edição da Bibliôtronica Portuguesa)
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