Stefan Zweig
está de volta
Apesar de nunca ter sido
totalmente relegado ao esquecimento, Stefan Zweig passou muito tempo sem ter
sua obra reeditada de modo consistente. Em razão dessa descontinuidade era
natural ficar fora das livrarias, dos suplementos culturais, das resenhas
literárias. Para não dizer que foi enterrado e esquecido de vez, os seus livros,
no entanto, sobrevivem em quase todos os sebos, principalmente em edições
saídas na década de 40. Agora se pode dizer com certeza: Stefan Zweig está de
volta.
Se quisermos detectar o
elemento detonante desse acontecimento, chegaremos, sem dúvida, à biografia
escrita em 1981 por Alberto Dines. A importância de “Morte no paraíso” para a
bibliografia sobre Stefan Zweig foi tão marcante que obrigou o seu autor a se
manter em permanente atividade, coletando novos dados para uma nova edição. Com
significativas inserções, muito aumentada, atualizada com informações inéditas
sobre o escritor austríaco e editada pela Rocco em 2004, a nova edição de
“Morte no paraíso” se transformou em best-seller. A última informação é que a
tradução para o alemão já foi lançada e corre Europa.
O livro de Alberto Dines
serviu de base para duas realizações no cinema, ambas do diretor paranaense
Silvio Back. Ademais disso tudo, a casa onde Stefan Zweig passou seus últimos
dias – na Rua Gonçalves Dias nº 34, no bairro Duas Pontes em Petrópolis (Rio de
Janeiro), para onde se mudou em 1941 – foi tombada e está sendo transformada no
Espaço Cultural “Casa Stefan Zweig”, projeto que também é capitaneado pelo
incansável Alberto Dines.
Quanto às suas obras, após
algumas reedições promovidas pela Record (uma homenagem do editor Abraão Koogan
a Stefan Zweig), começam a sair as edições de bolso da L&PM Pocket, com as
novelas mais populares, com textos revisados, atualizados e mesmo traduzidos
diretamente do alemão. Nada mais auspicioso: tanto a homenagem do primeiro
editor de Zweig no Brasil, quanto as edições de bolso da L&PM fazem justiça
ao escritor austríaco que passou para a história literária do Brasil como o
primeiro best-seller estrangeiro em nossas terras.
As sucessivas e
descontroladas reedições que a Editora Guanabara lançou nas livrarias durante
as décadas de 1930 e 1940 deixaram espantado até mesmo o escritor, que ajuntou
mais esse significativo detalhe ao seu estranho caso com nossa terra. Até hoje
as várias explicações sobre esse sentimento entre Zweig e o Brasil se ajuntam
aos milhares de textos sobre o escritor. Mas nenhum deles fixa de fato qual a
raiz, a razão determinante, o anelo espiritual, o tipo de paixão, a magia que
se incutiu na mente de Stefan Zweig, que o fez finalmente escolher o Brasil
como sua última residência. Há indícios que a escolha foi pensada, coerente com
seu desejo de harmonia e paz.
Haveria decerto o
sentimento milenar que todo judeu carrega na alma, que é o chamado
incontrolável ao êxodo, a vagar pelo mundo em aventuras, a errar de terra em
terra e todos os demais elementos que alimentam a utopia da terra prometida.
Stefan Zweig acompanhou de corpo presente, no nascedouro, a ideia do Estado
Judeu Independente encetada por Theodor Herzl. Mesmo que em princípio Herzl
predicasse a mudança de mala e cuia para a Palestina, haviam algumas
perspectivas que direcionadas para a África (Uganda, então colônia inglesa, foi
sugerida pelos britânicos). Depois, já em 1939, o próprio Zweig andou, em
viagens que pretendia deixar em segredo, cortejando o Portugal de Salazar –
tentando fazer decolar a ideia de fundar uma colônia judaica em Angola.
É totalmente possível que
nesse mesmo ano de 1939 Stefan Zweig tenha dado uma esticada até o Brasil.
Todos os sonhos precisam de esperança! Já na época o Brasil havia se tornado
para ele a real e verdadeira Ein Land der Zukunft – Uma terra para o amanhã.
Mas quem estava dirigindo esses países era, por um lado, o heteromórfico
Oliveira Salazar, que pendia entre os interesses da Inglaterra, Alemanha e
Portugal, impossível de ser cooptado. Por outro lado, o Brasil era governado
pelo ainda ditador Getúlio Vargas, que se sustentava sem base democrática,
herança de uma revolução por muitos considerada ilegal e que, ademais, recebia
alguns afagos da Alemanha.
Zweig viu a ideia de Herzl
prosperar entre os pobres, os perseguidos, entre aqueles que já não tinham
nenhuma esperança. Mas viu também o amigo – que acolheu seus primeiros
trabalhos literários – enfrentar a oposição dos banqueiros ricos, dos grupos
que se opunham à ideia do semitismo, daqueles que tinham crença na vertente da
assimilação e dos religiosos ortodoxos. Para estes dizia a tradição histórica
que somente o Messias poderia conduzir o povo de Israel à Terra Prometida.
Mas parece que a ideia de
Zweig sobre o Brasil não era somente direcionada nesse sentido. Quando em 1936
aceitou participar da reunião do Pen Club Internacional, em Buenos Aires, uma
das razões foi a curiosidade e a vontade que ele tinha de conhecer o Brasil. De
fato, nessa primeira viagem mais importante em sua biografia não foi o encontro
de Buenos Aires e sim as visitas que ele fez ao Brasil. Mesmo rapidamente pôde
conhecer São Paulo e Rio de Janeiro, algo do Nordeste também – o que desde logo
deixava uma visão elástica da demografia brasileira.
Stefan Zweig – que já
conhecia os EUA – pôde muito bem perceber como o Novo Mundo se apresentava em
possibilidades para os judeus escorraçados da Alemanha e Áustria, desde o
pogrom inicialmente ocorrido no Leste Europeu, com raízes polacas e ucranianas,
até chegar à política radical e agressiva do Nacional-Socialismo. Os EUA foram
invadidos pelos judeus capitalistas que trataram de se concentrar em Nova York
e os que viram na nascente Hollywood um eldorado da arte e da fama. Na
Argentina encontrou uma Pequena Europa, uma réplica total do europeísmo, nova,
mas muito branca e capaz de repetir os azedumes da discriminação.
Quando chegou ao Brasil,
porém, deu-se a iluminação. Um clarão de novidade penetrou-lhe a alma. O povo
acolhedor, o suor, a intimidade imediata que existia, o respeito ao
estrangeiro, aquele sentir-se desde logo uma pessoa local, um nativo. Tudo isso
não só aumentou as esperanças de Zweig quanto ao Brasil, mas também confirmou
os sentimentos, inicialmente teóricos, que tinha sobre essa estranha terra. E
mais: aqui tudo estava cru, muita coisa ainda por fazer, um mundo por criar, o
desconhecido por explorar. Era o paraíso, o Éden urbano, que a ele se anunciava
em pleno processo de criação.
Foi assim, a partir dessa primeira
viagem, encantado com a solução social e racial que no nosso país havia sido
imposta – não por governos e sociólogos, mas pela própria população – que
Stefan Zweig iniciou seu encantamento pelo Brasil. Ao conhecer essa mistura de
sabores, raças, cores e sons, jamais por ele vista em nenhuma parte do mundo,
ao constatar que era verdadeiro aquele sentimento trazido na alma, não se sabe
de onde, tudo isso deixou Stefan Zweig completamente enfeitiçado, fazendo
alinhavar-se de corpo e alma com a terra brasileira.
Pois agora que as editoras
nos prometem uma nova leitura das obras do primeiro best-seller estrangeiro no
Brasil, podemos saudar com alegria:
– Bem vindo à sua terra Stefan Zweig!...
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