5/04/2019

Reflexões sobre Konstantinos Kaváfis (Ensaio)



Reflexões sobre Konstantinos Kaváfis
“Reflexões sobre poesia e ética”
(Editora Ática - 1998)
Numa dessas livrarias especializadas em vender encalhes de editoras, atraiu-me o livrote Reflexões sobre poesia e ética (Editora Ática, 1998), de menos de cem páginas, atribuído ao poeta egípcio de língua grega Konstantinos Kaváfis (não compre).
Em tradução e introdução de José Paulo Paes, cuja apresentação toma logo a metade do volume, sabe-se que as notas “interessam, antes do mais, pela singularidade de serem praticamente os únicos textos em prosa” do poeta (não compre).
São cerca de trinta e poucas notas que Kaváfis escreveu, muitas das quais poderiam ser receitas de bolo ou de quitute da culinária egípcia – se não o fossem não faria diferença alguma. José Paulo Paes se esforça em executar bem o seu trabalho, porque sua introdução é legível e traz dados interessantes sobre o poeta (não compre).
No entanto, em todo o texto de Kaváfis a mais importante nota é a de número 1: “Nunca vivi no campo. Tampouco lá passei, como outras pessoas, breves temporadas. Entretanto escrevi um poema no qual celebro o campo e digo que a ele se devem os meus versos. Esse poema de pouco valor não é a coisa mais insincera que já se escreveu: é pura mentira”. Depois dessa afirmação o texto é só interrogação: “Não mente sempre a arte?” E se completa algumas notas depois: “Existem mesmo a Verdade e a Mentira? Ou existem apenas o Novo e o Velho – sendo a mentira simplesmente a velhice da verdade?” (não compre).
As notas de Kaváfis vão seguindo nesse diapasão, são mais um mea culpa para serem lidas e relidas intimamente, mais um mea culpa por ter nascido de família abastada, do que notas para serem publicadas – e nesse caso publicá-las foi como uma traição. Algumas vezes isso fica bem claro como na nota número 10: “Um jovem poeta veio visitar-me. Era muito pobre, vivia do seu trabalho literário e me parecia pesaroso de ver a boa casa em que eu morava, o meu criado que lhe trazia um chá bem servido, os meus trajes cortados por um bom alfaiate. Disse: Que coisa terrível é ter de lutar para ganhar a vida, andar à cata de assinantes para a tua revista, de compradores para o teu livro”. 
Kaváfis completa este pensamento de modo tão óbvio, ou seja, tenta mostrar (a si mesmo) que a vida abastada e a função de funcionário público bem remunerado eram um empecilho – e não uma vantagem para a sua literatura! Como todos sabem, ser rico é uma chatice (não compre)...
Konstantinos Kaváfis sofreu não só com a imprecisão dessa relação com a arte, mas penou também com a ambiguidade do fato do que era ser grego, nascido no Egito, ter vivido quase a vida toda em Alexandria (uma cidade pequena, segundo ele), ter sonhando com a vida que “homens como eu – tão diferentes – precisam antes de uma grande cidade. Londres, por exemplo”.
Tendo como língua mãe provável o inglês do Egito, a língua pátria o grego dos pais, a língua de adoção o árabe egípcio, lastimava não ter sido educado na França e por não escrever em francês, coisa que naquela época Freud já explicava. Não, não compre, ou melhor, se quiser comprar que compre, não tenho nada com isso, mas acho eu que botei dinheiro fora, isso acho sim.

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