Poesia Maranhense: A Atenas Renascida
Autoria: Salomão
Rovedo
Em
geral na maioria das vezes tenho reproduzido meus escritos antigos – da era
pré-internet – deixando-os como saiu na publicação original. Neste caso, porém,
me dediquei a fazer a revisão devido às implicações de ordem cronológica.
Revisei datas, confirmei nomes e – seguindo ensinamento de Gabriel García
Márquez – excluí a maioria das palavras terminadas em “mente”. O fantasma de
Gabo me persegue: todas as vezes que chego nessa encruzilhada ouço a voz
sepulcral me alertando sobre a expressão “mente”, até que – por fim – se tornou
um ótimo exercício para este escrevinhador. Tenho muito cuidado com as traições
que arrastam consigo “um”, “uma”, “meu”, “minha”, “os”, “as” – possessivos na
extrema acepção do termo, que insistem invadir a cabeça dos escritores: por
isso o receio de deixar pra trás qualquer escorregadela – esse negócio de citar
nomes, datas, excertos de obras é trabalhoso e merece cuidados. De qualquer
modo, sou grato a Gabriel García Márquez pelo conselho e por deixar à
disposição o seu fantasma: que me persiga para sempre, amém.
O
exemplar do D. O. Leitura que este artigo foi publicado já se encontra
amarelado e podre. Urgia digitalizá-lo antes que se esfarelasse – fui à luta,
pois... Publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (IMESP), sob a
regência de Wladimir Araújo (Editoria) e Ionaldo Cavalcanti (Arte), o D. O.
Leitura provocou reviravolta nas edições culturais, tendo como foco a liberdade
de expressão, aberta a todos os pensamentos. Ora, direis, não deveria ser
sempre assim? Deveria, mas não é. Nas vinte páginas do exemplar citado – D. O.
Leitura, São Paulo 5(49) jun. 1986 – a variedade de publicados abrange grande
parte dos temas culturais:
“Carlos Gomes: 150 anos”, de Juvenal Fernandes. Neste artigo Juvenal Fernandes
não só resume a vida e a obra de Antônio Carlos Gomes (Obra completa e quadro
cronológico), como dá a conhecer José Pedro de Sant’Anna Gomes, irmão mais
velho, virtuose em violino, viola e clarineta, ele mesmo compositor de duas
óperas. Sant'Anna Gomes deixou herdeiros musicais nas figuras dos filhos
Alfredo Gomes, violoncelista com bolsa e prêmios em Bruxelas e Alice Gomes
Grosso, pianista. Alice deu sequência à família de Maneco Gomes – o patriarca:
é mãe de Iberê Gomes Grosso (cello), Alda Grosso Borgeth (violino) e Ilara
Gomes Grosso (piano). E por aí vai...
“Cana-de-açúcar x Café”, de Ernani Silva Bruno, trata da disputa entre as duas
importantes agriculturas em terras paulistas, cavoucando suas raízes a partir
do Século XVIII.
“O dialeto crioulo e a literatura em
Cabo Verde”, de João Alves das Neves,
artigo em que especula sobre o avanço da fala cabo-verdiana, cuja amplitude
literária e gramatical deixa margem a interrogações se já não é uma língua. Em
quadro o autor enfeixa pequena antologia da poesia de Cabo Verde escritas em
dialeto crioulo.
Audálio
Dantas escreve “Gil Passarelli, caçador
de imagens”, em que ressalta, ilustrado pelas próprias imagens do
fotógrafo, a qualidade da fotorreportagem na imprensa.
Anita
Leocádia Prestes, em “A coluna Prestes,
uma nova visão”, a filha de Luiz Carlos Prestes busca respostas para a
pergunta: – Então, por que a Coluna?
“O Alienista: tese, antítese e síntese”, de Eduardo Maffei, escritor e médico, tenta escapar do
labirinto “entre o trágico da loucura e a comédia da normalidade",
analisando a obra-prima de Machado de Assis. “Talvez o Dr. Simão Bacamarte
ainda esteja recolhido aos seus livros na Casa Verde de Itaguaí, à sua
procura”.
“A lepra e a cobra”, de Lycurgo de Castro, trilha o caminho da lepra
antes de tornar-se hanseníase, em época que eram atribuídas à doença as causas
mais extravagantes, ocasionando tratamentos mais extravagantes ainda.
“O budismo japonês em São Paulo”, de Yukyo Ponce, descobre que existe pontos de
atritos entre os budistas brasileiros e a vertente nipônica. Quem diria!
“A literatura de cordel em São Paulo”, no qual Franklin Maxado, ele mesmo cordelista
paulistano, desvenda a produção da poesia popular nordestina em pleno coração
de São Paulo, na Praça da República e bairros onde a presença do nordestino é
prevalente.
Afora
tantos artigos, o D. O. Leitura reserva duas páginas para resenha de livros,
concursos e prêmios literários, coisa rara hoje em dia. É ou não é uma
publicação de peso? Por isso e por essas é que não me canso de elogiar o
trabalho árduo de Wladimir Araújo e Ionaldo Cavalcanti nos idos em que tínhamos
nos esquecido de como fazer cultura com liberdade.
Rio de Janeiro, Cachambi, 22 de julho de
2014.
***
Quem
chega a São Luís depois de demorada ausência de mais de vinte anos se
surpreende com a dinâmica de uma cidade anciã que ressurge em tentáculos
modernos. As velhas ladeiras ainda estão lá, calçadas com as mesmas pedrarias,
cada vez mais escorregadiças, entressachadas de limo e lodo após as sempre
abundantes chuvaradas de abril. Os velhos casarões ainda se mantêm de pé,
orgulhosos do vigor com que foram erguidos.
Apesar
das paredes encobertas ora de cartazes publicitários, ora de propaganda
eleitoral, conservam os mesmos azulejos seculares que fizeram a cidade famosa.
Os telhados de outrora servem de jardineira natural onde o lodo acumulado é
adubo para as sementes plantadas pelas andorinhas, bem-te-vis, pipiras e
rolinhas que por ali transitam e se aninham.
Pois,
desde as telhas coloniais – que da borda das coberturas muitas vezes ofuscam
com sua beleza a azulejaria – até o pé das paredes úmidas, vasadas, com a
rebocadura ferida a mostrar pedaços de cantarias estereotomizadas, tudo, tudo ainda
recende a passado, um passado que a São Luís moderna, que cresce distante, mas
às vezes se infiltra, não consegue sufocar. Alvíssaras!
Da
necessidade de recolher migalhas do passado recente (pois lá se vão apenas
algumas poucas décadas de ausência), do satisfazer-se com o hálito do chão
umedecido pelas constantes chuvas, do saciar-se com os sabores singulares das
frutas tropicais – e haja sapota, pequi, pitomba, juçara, murici, cupuaçu,
buriti – de matar a fome e a sede de temperos bem são-luisenses, desde o
cachorro-quente de carne moída picante, até iguarias finas como o
arroz-de-cuxá, sururu ao leite-de-coco, torta de caranguejo, camaroadas e o
mais, tudo bem acompanhado do molho de pimenta-de-cheiro e de uma abrideira de
tiquira na moringa – só poderia se consumar com a cata de idênticas informações
poéticas, capaz de fartar a ânsia
devoradora de um lítero maníaco fervoroso e juramentado.
Eia,
pois, sigamos excitados pelos
camarões secos da Praia Grande e pela
refrescante infusão de pega-pinto em busca dos redutos onde se escondem os
contemporâneos daqueles escrevedores que conseguiram em priscas eras o
memorável feito de se fazer batizar a terra maranhão de Atenas Brasileira.
Pior
foi depois, quando o cognome elogioso terminou, com o tempo, por se transformar
em pesado fardo, uma fantasiosa alegoria para muitos, pior, em seguida virou
terrível apodo – Apenas Brasileira – fazendo com que aqueles que ousaram
trilhar os espaços literários tivessem que carregá-lo estoicamente ou então o
abominá-lo para todo o sempre.
Os
verdadeiros amantes das letras, porém, aqueles indefectíveis visitadores das
livrarias e dedilógrafos notívagos, poucos ligam para os xingadores que
transfiguraram o Atenas Brasileira em Apenas Brasileira, mantendo o ritmo
construtivo da sua participação na história literária do país, mesmo ilhados
por sua própria gente.
Com
efeito, é extremoso e difícil se fazer arte com tantos eflúvios negativos, mas
em nenhum momento a literatura maranhense apresentou sinais de fraqueza ou
esmaecimento. Isolamento sim, e, por ser ilha, necessitada de volta e meia
liberar tufos de elementos dos quais é formada; e estes, por sua vez,
atracando-se em terras alheias ali vingam, florescem, frutificam.
Do
mesmo modo que a liberdade no Brasil passa obrigatória pelo maranhense Manuel
Bequimão, a História da Literatura há de passar por Antônio Pereira
(1641-1702), autor de um primoroso “Vocabulário da língua brasílica”; pelo
padre Gabriel Malagrida (1689-1761), estrangulado e sacrificado pelas infernais
labaredas da Inquisição lusitana.
Mas
só a partir do Século XVIII a literatura maranhense cresceu de tal forma que
passou a se igualar com escolas europeias tradicionais. Nomes da terra se
destacaram no cenário das letras e das ciências. Historiadores, poetas,
romancistas, oriundos de cursos e estudos nas universidades estrangeiras
elevavam o nome das letras maranhenses.
Odorico Mendes
(1799-1864), João Francisco
Lisboa (1812-1863), grande recuperador da História do Maranhão, Cândido
Mendes de Almeida (1818-1881), patriarca de um clã de pensadores cuja
influência chega aos dias de hoje, Gonçalves Dias (1823-1864), poeta do
indianismo, Henriques Leal (1828-1885), são nomes perenes.
Joaquim
de Sousândrade (1833-1902), heroico autor de “O Guesa Errante”, pré-história do
Modernismo; Joaquim Serra (1838-1888), multifacetado que necessita uma revisão
e reedições; os irmãos Arthur (1855-1908), Aluísio (1857-1913) e Américo
Azevedo (1863-1900), este último cedo desaparecido, mas como os irmãos,
talentoso literato; Raimundo Correia (1859-1911), Catulo da Paixão Cearense (1863-1946),
o poeta sertanejo que teve a ousadia de cantar serestas nos salões sociais da
época (uma heresia!); Nina Rodrigues (1862-1906), cientista de renome cujas
descobertas levaram o nome do Brasil à respeitável comunidade científica
mundial, precursor de estudos antropológicos sobre o negro brasileiro.
Coelho
Neto (1864-1934) e Graça Aranha (1868-1931), o coroa que teve o desplante de
romper com a senhoraça Academia Brasileira de Letras para apoiar um grupo de
rebeldes que estabeleceram os fundamentos do Modernismo em 1922; Dunshee de
Abranches (1867-1941), outro historiador cujo trabalho até hoje é altamente
considerado; Vespasiano Ramos (1844-1916), Viriato Correia (1884-1967),
Humberto de Campos (1886-1934), Fran Paxeco (1894-1952), lusitano de
nascimento e maranhense
de coração, Astolfo Serra (1900-1979).
Com
tantos nomes célebres no costado, a responsabilidade do escritor maranhense se
multiplica ao desespero. Os contemporâneos, pelo que se vê, sequer tomaram
conhecimento de tal dificuldade, donde se deduz que o talento literário do
maranhense é inato.
Nomes
vários mais recentes continuam contribuindo para manter a Atenas Brasileira em
constante destaque: Oswaldino Marques (1916-2003), Manoel Caetano Bandeira de
Melo (1918-2008), Ribamar Galiza (1915-1987), Josué Montello (1917-2006),
Franklin de Oliveira (1916-2000), Odylo Costa filho (1914-1979), são, entre
outros, grandes nomes da literatura maranhense que repercutiram no país.
Alguns
deles sequer necessitaram sair de sua terra natal para apontar como nomes
literários de expressão. É o caso de João Mohana (1925-1995), sacerdote de
comprovada vocação para as letras, Domingos Vieira Filho (1924-1981),
folclorista, autor do único “A linguagem popular do Maranhão”, vocabulário de
expressões moderno e de Bandeira Tribuzi (1927-1977), pilar da moderna poesia
de seu Estado.
Carlos
Cunha (1933-2007), que mantém na crítica literária o permanente exercício da
escrita; Jomar Moraes (1938), cuja trajetória nas letras lembra o paciente
trabalho musical de um Saint-Saëns, além do trabalho quase braçal de
recapitulação dos valores esquecidos, reconstrução mais que necessária para que
as gerações atuais reciclem seus conhecimentos (ocupou a presidência da
Academia Maranhense de Letras e a Secretaria de Cultura); Ribamar Carvalho
(1923-1972), José Chagas (1924-2014), Nauro Machado (1935) e Joaquim Itapary
(1936), nomes vivos e atuantes da poesia maranhense, contemporâneos do mesmo
grupo que saiu de São Luís para o Sul, mantendo elevado o nível de
representatividade e a força da literatura maranhense.
Lago
Burnett (1929-1995), José Sarney (1930), que, optando da vida política, o fez
sem detrimento da literatura; Ferreira Gullar (1930), o poeta exilado que
jamais se afastou de suas origens (autor do consagrado “Poema sujo”, de 1976);
José Louzeiro (1932), romancista, repórter, fundador do Sindicato dos
Escritores do Rio de Janeiro, toda uma geração, enfim, situada num espaço bem
claro do tempo.
Não
fosse a memória mais pródiga em esquecimentos, a literatura maranhense teria
maior expressividade. O trabalho de recuperação dessa lembrança e do passado
coube mais uma vez a Jomar Moraes e essa continuidade (já que suas novas
ocupações não permitem continuar), deve ser encetada pelos mais jovens, eis que
muitos nomes ainda andam esquecidos, mas têm lugar certo na literatura
brasileira. Frederico José
Correia
(1817-1881), Sabbas da Costa (1829-1874), romancista que merece reavaliação da
sua obra, Maria Firmina dos Reis (1825-1917), que deve ter reestudada sua
posição na literatura feminina, Marques Rodrigues (1826-1873), Euclides Faria
(1846-1911), Celso Magalhães (1849-1879), precursor dos estudos sobre o
folclore brasileiro com o amigo e companheiro Silvio Romero.
Gentil
Homem de Almeida Braga (1835-1876), Franco de Sá (1836-1856), falecido bem
jovem, promessa tão vigorosa quanto Casimiro de Abreu; Dias Carneiro
(1837-1896), Ribeiro do Amaral (1853-1927), Adelino Fontoura (1855-1884), Hugo
Leal (1857-1883), filho do famoso Henriques Leal, romancista talentoso já aos
26 anos; Teófilo Dias (1857-1889), parnasiano de mão cheia, João de Deus
(1867-1902), Tasso Fragoso (1869-1945), uma lista enorme e cansativa, mas
continuemos...
Antônio
Lobo (1870-1916), Xavier de Carvalho (1871-1944), Inácio Raposo (1875-1944),
Raul de Azevedo (1875-1957), que tem uma biografia de Dona Beja ainda inédita,
Astolfo Marques (1876-1918), Maranhão Sobrinho (1879-1915), jornalista que
brilhou na Capital Federa, Luso Torres (1879-1960).
Entre
os escritores do fim do Século XIX cuja importância deva ser ressaltada,
encontramos Costa Gomes (1880-1916), Domingos Barbosa (1880-1946), contista,
romancista e cronista de peso, Laura Rosa (1884-1946), cujo nome é uma legenda
na educação, Correia de Araújo (1885-1951), Teixeira Mendes (1885-1927), outro
educador de renome, Antônio Lopes (1889-1950), José Silvestre Fernandes
(1889-?), Clarindo Santiago (1893-1941), Joaquim Luz (1893-1945), Oliveira Roma
(1894-1944), Raimundo Lopes (1894-1941), os irmãos Otoniel (1896) e Newton
Beleza (1899), Carlos Alberto Nunes (1897) e Assis Garrido (1899-1971).
Novo
século à vista, mas a memória continua farta de olvidos, curta, curtíssima. Aí
vem Ribamar Viana (1904-1984), Mário Meirelles (1915), Bernardo de Almeida
(1896-1979), professor emérito, romancista que enriqueceu a bibliografia de
Manuel Bequimão com um belo romance; Wolney Milhomem (1927), Rodrigues Marques
(1929), Luís Costa Lima (1937) e ademais tantos, tantos nomes, que daria para
fundar mais de uma “Academia dos Esquecidos”.
A
poesia maranhense, então, merece um capítulo a parte, pois que com Bandeira
Tribuzi – poeta da cabeça ao dedão do pé – recuperou a identidade poética
sufocada por expoentes pré-românticos, românticos, simbolistas, parnasianos e
outros “ismos” antes citados, resumindo no seu modo de versificar uma espécie
de Pós-Tudo.
Sem
me deixar subornar pelas unhas de caranguejo gratinadas, acompanhadas do sabor
bávaro da Cerma Pilsen estupidamente gelada, lembro os nomes atualíssimos de
Nauro Machado e de José Chagas (para mencionar só os expoentes que permanecem
em São Luís). En passant, cito ainda Ferreira Gullar, Lago Burnett, Manoel
Caetano Bandeira de Mello, que de fora sustentam com um ritmo alucinante de
publicações a presença constante nas livrarias e colunas literárias.
O
resultado dessa poesia atuante consolidada a partir de Bandeira Tribuzi resulta
no aparecimento de valores novos, mais comprometidos com a arte poética, entre
os quais se destaca Bacelar Viana (1938-1982), poeta de enorme sentimento e
paixão pela terra, demonstrados de vez por todas após a publicação póstuma de
“Clamor de São Luís”.
Outro
nome que se firma em definitivo na poesia de hoje é o de Luiz Augusto Cassas.
Após a saída de “A paixão segundo Alcântara”, a crítica, que já havia se
pronunciado favorável em trabalhos anteriores, aponta-o não como promessa, mas
consagrada realidade, mercê da qualidade de sua poesia, que mereceu amplos
elogios da comunidade literária do Maranhão e algures.
De
Bandeira Tribuzi as Edições Sioge promovem a editoração esperada das obras
completas, ajuntando o que estava disperso. Na novela “Da conveniência de
fazer-se um deputado conveniente”, se revela o lado desconhecido do poeta: o
prosador e arguto comentarista político que faz da província o cenário
microcósmico do coronelismo crônico que subsiste no interior do Brasil.
Este
poeta, que sempre manteve o prosador na obscuridade, aparece mais sólido na
peça “Rosamonde – O touro da morte”, faceta de um mundo que a ele não era
totalmente desconhecido: o teatro. Também um terceiro volume desse lançamento
reúne as poesias que compõem “Tropicália – Consumo & Dor”, cuja unidade
temática dá mais aparência de um longo poema, posto que em todo o volume o
poeta em plena forma aparece inquirindo e questionando a modernidade de tudo,
em confronto com elementos líricos marcados já pela perenidade.
O
choque do homem com o agressivo presente e o incognoscível futuro encontra o
apaziguamento possível na voz do poeta.
A
vasta e volumosa produção de Nauro Machado não interfere, em absoluto, na
qualidade da alta poesia que exerce.
Em
plena maturação, humana e poética, os mecanismos construtivos de seu trabalho
(aquilo que alguns antiquados insistem em chamar “inspiração”), obedecem a
rigorosos critérios e conceitos que norteiam toda a sua obra.
“Antologia
Poética” (1980), “O calcanhar do humano” (1981), “Apicerum da clausura” (1985),
são exemplos magistrais que confirmam, de maneira singela, mas sólida, o labor
poético para o qual Nauro Machado vem concentrando todas as teclas da sua
sensibilidade.
Joaquim
Itapary, poeta e cronista semanal no Estado do Maranhão, membro da Academia
Maranhense de Letras, publicou inúmeros livros, entre os quais, “Do Incerto Ócio”
(poesia); “A falência do ilusório” (ensaio); “Sob o sol” e “Crônicas
tapuiranas” (crônicas) e a novela “Hitler no Maranhão”, de cunho
fantástico-realista, seguindo as pegadas de García Márquez e Vargas Llosa.
Contrição
Eu pecador
contrito me confesso
de joelhos
sobre lisas cantarias
bato no peito
e pecados meço
cometidos em
ti noites e dias.
Cubro a
cabeça e em solenidade
busco o
perdão de ruas e janelas
lavo o
espírito nas fontes da cidade
virgem de cal
azeite e pedras belas.
(in: Do incerto ócio)
Vida
Onde está a densa tristeza
que tanto em
mim demorava,
ígneo punhal
do peito dentro,
qual noite de
negro ônix?
Levou-a da
madrugada a chuva,
tornou-a
orvalho nos rebentos verdes,
pérolas de
prata na bruma da manhã,
colorindo
flores no jardim do dia.
Lavar-me
nesse orvalho devo agora,
banhar meu
rosto nas gotas do relvado,
plantar mil
árvores para proteger-me
do duro sol
da humana iniquidade.
Ao fim do dia
à casa regressar,
íntegro,
integral alegre,
do
despropósito da tristeza certo,
que apesar da
vida a vida vale
e vale mais
que o pesar da vida.
(in: Do incerto ócio)
Do
poeta José Chagas a Sioge promoveu o lançamento de alentado volume contendo a
“Poesia reunida (1955-1979)” desse importante escritor maranhense por adoção.
Um volume imperdível para aqueles que amam a poesia! Na sequência cronológica,
que somente o tempo implacável pode determinar com sua irreversibilidade
trágica, ressurge vigoroso o José Chagas panfletário, cordelista, humorista
fino e satírico em “O discurso da ponte” (1959) e “O caso da ponte de São
Francisco” (1964), agora mais comprometido com o fazer poético-político. O
poeta social. O poeta do palanque. O poeta do discurso.
O rio parte em duas
O rio parte
em duas
a cidade com
seu povo
e a ponte
liga as ruas
e as
conversas de novo.
É o rio posto
entre
pernas pelas
anáguas
como se de
humano ventre
corressem
suas águas
e o rio entre
esbeltas
coxas e saias
perseguindo
deltas
e obscuras
praias.
(A ponte em
função do pecado, in: O discurso da
ponte)
Difícil
o poeta repetir em produções iguais aos volumes em pauta, eis que novos rumos
ditados pelo consequente exercício poético raras vezes darão chance de o autor
(re)pisar suas próprias pegadas.
e até que o
rio
se revele
raso
a água é um
desafio
contra rocha
e acaso.
(O rio visto da ponte, id. ibid.)
Um rio que
banha
de ouro uma
ilha
mas que fere
a entranha
da terra e a
humilha.
(in: O caso da ponte de São Francisco – III)
A
ponte foi caso de política e de polícia. Pegou-se a verba para construí-la e a
única coisa que se fez foi o esqueleto de madeira e algumas fundações das
pilastras. A ponte? Babau!
– Papai para
ver a ponte
de São
Francisco, como é?
– É fácil,
meu filho, aponte
para longe e
tenha fé,
que a ponte
sai do infinito
como em sonho
ou pesadelo.
Mas seu olho estaria
fito
no monstro
sem percebê-lo.
Ela surge de
repente,
mas de
repente se esvai.
Ela é
presente e ausente...
– Eu não
entendo, papai.
– Meu filho,
você é novo
para entender
os mistérios,
as sutilezas
de um povo
com seus
múltiplos critérios.
A ponte surge
de tudo.
Às vezes
surge de nada.
Mas, meu
filho, eu não o iludo
com essa
história atrapalhada.
Surge a ponte
até do centro
de nossa alma
tristonha.
Nós temos a
ponte dentro
da nossa
própria vergonha.
Nós todos a
arquitetamos
com omissão
ou apoio,
porque nunca
separamos,
na vida, o
trigo do joio.
Cada um de
nós fez um pouco
dessa ponte
inexistente,
permitindo a
um mundo louco
dominar a
nossa gente.
O Maranhão
tinha outrora
só gente
honesta e capaz.
Mas hoje
apenas vigora
a lei do que
rouba mais.
Nem mais se
segue o evangelho
que ainda
agora se apregoa:
o “rouba mas
faz” do velho
lá da terra
da garoa.
Fazer
qualquer coisa é crime.
Roubar não é
nenhum mal.
O próprio
tempo redime
toda lunfa
nacional.
Basta apenas
que ele esteja
do lado
forte, no instante
de começar a
peleja
da pulga
contra o elefante.
(Duas gerações conversam em torno da ponte, in: O caso da ponte)
Claríssimo
exemplo de um veio poético / satírico / político, explorado até as últimas
consequências com extrema propriedade. Note-se como José Chagas domina com
maestria insuperável o verso curto e o contínuo namoro com as rimas sem
arestas, redondas.
Mais
maduro, mais voltado às revelações íntimas e intimistas, é esse o José Chagas
de “Cem anos de infância” ou “O poeta e o rio”, último opúsculo publicado.
Rasgando a roupagem dos oito aos oitenta anos, desde a infância imperdida até a
madureza que ora vive, o poeta resolve revelar a alma, mostrar o coração, num
memorialismo infinito que todos um dia teremos de fazer.
O
que parece mistério é o tema, a volta do rio como personagem importante, os
elementos perdidos nos intrincados labirintos da memória, anos e anos a fio,
até que um dia se materialize na alvura do papel.
O Rio é real
sua água é
dura
tão dura que
fez a ponte
sua água
alicerça um navio
supre as
raízes da vida.
(in: O rio visto da ponte)
Nos
48 sonetos que compõem “Cem anos de infância” o rio corre não pelo lento rumo
que o leva ao mar, mas pelo leito que enfeita a entrada da vida – mais precisa
– de uma vida específica, clara, existida. É o rio, a “água de paciência
refletida”, água “cheia de fé, [que] toda manhã sussurra aos ventos, a rogar
por nós”. O poeta se incorpora às águas como parte que dela é, como “irmão das
águas” e nas águas do rio busca desesperada resposta para as inquirições
fantásticas que a infância passada e presente insistem em fazer.
Rio em
lirismo, rio onde flutua
a barca que
conduz a poesia.
...
Quanto
mistério rola sobre a tua
lâmina aberta
ao sonho que te guia.
(in: A água concebida)
“Teu
poeta bebe desta água pura”, para poder cantar de como as formas do rio se
transfiguram em ente misterioso, lendário, que nem o ser humano mesmo, que nem
a gente viva, dessa que passa diariamente ante nós. A vida passa e repassa,
“cem anos passam como um rio passa, / pois que o tempo é também água corrente”
– e o poeta vai navegando nas profundas águas do rio para ter a medida do
tempo-espaço, do curto tempo de vida. O rio não morre, o rio é perene em
contraste com a temporalidade humana, “o poeta morre em São Luís, / triste por
não morrer como queria”.
Inebriado
pela poesia e pelo generoso licor de jenipapo, degustando picantes casquinhas
de siri recheadas, prossigo no amável labor de revisitar os encantados versos
são-luisenses que fluem como as águas que circundam a cidade.
(...)
e sob ela
passam as águas
e o rio fica.
passo-me em águas
e rio fico.
E, de repente,
é como se num
espelho mágico
(mágica
lanterna) com as águas
fossem
transcorrendo as coisas,. As pessoas,
pedaços de
mim e alheios,
coisas
pessoas, eu, eles havidos
mas
estranhamente combinados
em outras
formas de ser (mos)
pessoas,
coisas, eu, eles.
(Meditação da ponte, in: Tropicália – Consumo & Dor)
Apesar
do discurso afim, aparentado tal e qual os demais, não é desta vez a voz de Carlos
Chagas que se faz ouvir e sim a de Bandeira Tribuzi. Falar da poesia de
Bandeira Tribuzi, do que ela representa para a literatura maranhense, é cair no
vasto mundo do lugar-comum.
A
poesia lá em São Luís não seria a mesma sem o importante aporte concedido em
vida e pela vida desse poeta. Ainda hoje se procura reunir seus trabalhos
esparsos e depois dessa juntada é que poderá se fazer uma avaliação mais
ampliada de tudo que representou a existência literária de Bandeira Tribuzi
para o Maranhão e por extensão para a literatura de língua portuguesa.
É
como se o poeta se mantivesse circulando pela redondeza em carne e osso, tal a
influência que inda hoje tem o seu trabalho. Essa vigorosa influência – que é
forte porque a poesia de Bandeira Tribuzi também é forte – acaba por se
consolidar com o tempo e, se perenizando, dificilmente desfará a aura de mito
que já cerca o poeta.
Daí
sua importância para a literatura maranhense, talvez mais importante que os
grandes nomes , por exemplo, de Josué Montello e Odylo Costa filho, que estes
não se cogita mais da naturalidade, nomes nacionais que são. Tribuzi criou
raízes e quanto mais distante estiver em matéria, mais arraigada estará à
influência do seu dizer poético no contexto literário da terra em que nasceu, viveu,
morreu.
E fez-se em
rio e transformou-se em prado
o que
desfeito no prado e no rio
transformou o
pesadelo em sonho alado
e transformou
a matéria em puro cio.
(Soneto, in: Apicerum da clausura, 1985)
O
título do último livro de Nauro Machado (Apicerum da Clausura, 1985) já havia
sido nome de poema saído em O calcanhar do humano (1981). Que mistério cerca o
poema que deu título ao livro?
A vida
espreita sua angústia laica,
seu catecismo
de volúpia e treva...
Que
mistério é esse que cerca o poeta e o obriga a tematizá-lo em noventa alentados
sonhos soneteados?
Quem saberá
na treva a luz da chama,
quem ganhará
da luz essa vitória?
Caminha-se
pelas páginas de todo o volume e não se vislumbra a solução que explicaria o
mistério. Não se desfaz e permanecerá o segredo mesmo após ter o poeta
“vomitado” em todas as direções as discrepâncias que o tema estimulou.
torna-me em
natureza, ó natureza,
capaz de
guardar, na última dureza,
a
flexibilidade da emoção.
(Soneto, in: Apicerum da clausura)
O
poeta percorre a trajetória cometária, apesar de tudo intimista, dentro de si
mesmo, como se estivesse pisando pisadas calcadas nas escorregadias calçadas de
São Luís após um longo dia,. Até que a tarde chegue anunciando a boca da noite.
“Cheira a
morte o crepúsculo de São Luís”.
Arrastando-me
aos tropeções pelas areias sagradas da praia de Olho D’água, depois de enxugar
garrafa e meia da miraculosa tiquira de Turiaçu, tirando gosto com postas de
pescada frita e farinha d’água de Carema, medito sobre a parecença entre os
vários discursos poéticos aqui amostrados. Afinidade que serve também para
demonstrar o estreito parentesco que existe entre aqueles que exercitam a
poesia no Maranhão, a partir de Bandeira Tribuzi.
Óbvia
seria a temeridade ao se falar em escola, talvez sequer se deva falar em grupo,
mas decerto trata-se de um conjunto de voz uníssono e como tal se expande em
áreas de influência entre os contemporâneos estreantes. Bom sinal.
O
legado de Bandeira Tribuzi – sem temer que essa palavra possa causar
emparedamento (mumificação) do grande poeta – foi o pleno culto às estruturas
poéticas cujas fronteiras, tanto entre si quanto com relação à própria arte,
não as preservando de propósito, ao invés, ainda mais as alargou abrindo
perspectivas ilimitadas no fazer poesia.
Se
na prática a poesia é assim: ampla, geral, irrestrita, quando o poeta assume
essa consciência em geral termina por se enredar nas teias que delimitam suas
próprias limitações – seja ela de foro pessoal, seja ditada pelo mundo que o
cerca, seja resultante da fiscalização individual (essa censura que campeia em
todos nós), seja pela cobrança exigente imposta pela crítica literária.
Para
Bandeira Tribuzi, enfim, quaisquer objeções que convivem parasitaria com a
criação, devem ser eliminadas para que, reeducado, possa o poeta exercer plena
sua atividade, livre de barreiras, algemas, pronto para esse “pós-tudo” que o
desafia. Para isso serviu Bandeira Tribuzi na poesia maranhense.
Esse
posicionamento serviu para nivelar a poesia maranhense ao caráter nacional,
também com a praticada por autores de outras regiões, como por exemplo, à de
Ledo Ivo, Moacyr Félix e Affonso Romano de Sant'Anna, para citar somente
alguns.
Uma
linguagem que trespassa límpida, dando um grande salto para a escuridão, foi a
colaboração que a poesia continental deu, contrapondo-se ao cerceamento da
liberdade (de várias liberdades, inclusive literária), ocorrido em várias
nações latino-americanas, mormente no Brasil. Esse grande vácuo que se formou
então foi ocupado pela “geração mimeógrafo” e pelos alternativos. Tornar-se
literato era se tornar marginal.
Em
consequência se formou um verdadeiro cu-de-boi (para usar expressão bem
maranhense) na poesia. Mas, passado o pesadelo, retomadas as premissas
democráticas, entre elas a liberdade de pensar (ainda que precária), também a
poesia tornou aos eixos: quem resistiu à malha fina da história passou no
vestibular poético, quem não passou teve o seu momento de glória efêmera e ora
repousa no famoso “limbo do esquecimento”.
Pois
quando o céu clareou, passada a turbulência, os poetas maranhenses surgiram
incólumes do desastre com uma elevada poesia de fala clara, límpida, cristalina
– uma oração que vara o tempo sem arranhões atropelando todos os ismos
acadêmicos mais elaborados. Esse mesmíssimo exemplo vai passando, assimilado
pelas gerações que chegam, para ir aos poucos tomando conta do espaço deixado
por aqueles que – missão cumprida – viajam novos rumos.
Antes
de falar em Luís Augusto Cassas e seu “A Paixão segundo Alcântara”, umas poucas
linhas exige o livro póstumo de Bacelar Viana (1938-1982), médico que, segundo
aparenta, escrevia poesia de gaveta – mostrada só a alguns privilegiados e/ou
publicada esparsa, como as nuvens de São Luís (dois volumes publicados: “Elogio
da rosa” e “Três evocações” – nada mais).
Porém
o que mais impressiona nesse ajuntamento de versos espontâneos é justo a
primeira parte do pequeno volume que, afinal, acabou por enriquecer a obra
“Poemas de São Luís”. São dez poemas que, pela unidade temática, só eles
poderiam formar um único volume, denso, crítico. A poesia de Bacelar Viana é
simples, direta. Os artifícios que usa como recursos poéticos são capazes de
ser reconhecidos por qualquer leitor de ônibus. O poeta clama pela cidade
tombada, luta contra a violência, as contradições que as mudanças trazem a
reboque. E apela:
São Luís, São
Luís, faze um confiteor, Princesa,
Para um pouco
para pensar.
Não te
enredes na trama
Dos que te
querem mudar.
Mantém tua
alma intocada
Não te deixes
conspurcar.
Tens de
crescer para todos,
Não te deixes
enganar.
(in: Clamor de São Luís)
O
diálogo, mais que um colóquio, é pedido de socorro em prol dos mais desvalidos.
Àqueles que sobrevivem à margem, nos alagados, nos beirais do mangue, aonde é
difícil ou impossível à literatura chegar, Bacelar Viana canta:
Circundam a
velha ilha qual estranho
E pegajento
colar de figas e bentinhos.
(...)
Já viram,
vocês já viram
O Candido
sorriso das crianças,
Alegres,
descontraídas,
Cheias de
vermes, desnutridas.
(...)
São pálidas,
enfermiças, mas não tombam,
Mourejam dia
e noite, indômitas e frias.
São humanos
restos inidentificáveis
Que atendem –
oh! paradoxo! – por nomes, como nós.
(in: A saga das palafitas)
Nesse
diapasão peculiar o poeta segue o ritual da denúncia: “O Evangelho da cidade”;
“O sombrio bazar do meretrício”; “Um rio diferente do Bacanga”. Toda a cidade
feia perpassa pela palavra do poeta. São Luís tem essa magia: ninguém faz
poesia impune, sem escalavrar suas ruas, sua gente, seus modismos de cidade
única. Com Bacelar Viana também assim foi, profética:
Ah! Cidade
querida, teu Poeta
Cantou-te
tanto que o canto é sua mortalha.
(in: Louvação de São Luís)
De
Luís Augusto Cassas, desde o aparecimento de “República dos becos” (1982) a
crítica teve preocupação de ressaltar que se tratava mesmo de revelação
poética, não apenas promessa. Sobre “A
paixão segundo Alcântara”, Antônio Houaiss observa que (o livro) “parece provir de unidades heterodóditas, que
tratam de matérias divinas e humanas como se nada tivesse com a paixão”.
Realmente,
se quanto à unidade se pode levantar alguma objeção e questionar se a mesma foi
conseguida, no restante se mostra edifício de perenidade garantida. Aqui e ali
um poema provoca um interregno, um respiro, para depois voltar ao tema com a
mesma gana.
“O poeta Luís Augusto Cassas faz o necrológio
de Alcântara”. As palavras acuradas de Nonato Masson deixam a constatação
de que “a poesia de Cassas (repercute) como nênia da cidade morta”.
Mas
não só a cidade morre: tudo morre em Alcântara, os sentimentos fenecem, as
pedras seculares desmoronam, a história se desfaz em pó, até o amor morre:
Quando o amor
acaba
desmorona-se
a casa.
Inútil tentar
restaurá-la:
(...)
Inútil o amor
e a casa
Quando um dos
dois desaba.
(in: Área tombada)
Entre
roedores e predadores o poeta se faz presente, se intromete para identificar o
arrasamento material e imaterial, a ruína da alma. Remoendo o passado, roendo o
presente e o futuro.
(...)
Já roemos
nossa esperança
livros
tradições museus
memórias
lembranças retratos
pés-de-cama
caibros ratos
amanha
roeremos
vossos ossos.
(in: Manifesto dos cupins)
A
“nênia da cidade morta” a que alude Nonato Masson na orelha é na verdade um
retrato da destruição, destroços do que se pretende salvar.
Oh Verônica
enxágua o
alvo sudário em tuas lágrimas cristalinas
para que
desapareçam os espinhos
cravos
estampados
a última gota
de sangue
o semblante
ferido
crucificado
desta cidade.
Oh Verônica
rasga o alvo
sudário
que nem as
lagrimas copiosas ou as águas do Atlântico
conseguirão
enxaguar o sangue
a dor
estampada
o semblante
ferido
o calvário
desta cidade.
(in: Poster)
Impedindo,
pois, que a poesia se transforme em coisa, num estereótipo globalizado, ode
pasteurizada, igual a tantas epopeias no mundo, os poetas de São Luís fincam o
pé na terra querida e – daí sim – partem para universalizar seu ritmo.
Exemplo
dessa riqueza é Odylo Costa filho, que, mesmo deixando a terra natal rumo ao
sucesso da cidade grande jamais a esqueceu. São dele estes últimos versos:
Não cantarei
telhados impossíveis,
telhados de
ar erguidos no ar vazio
mas humanas
feituras, elegíveis
contra a
chuva, o sol quente e o vento frio.
(in: Os telhados)
BIBLIOGRAFIA
- Cassas, Luís Augusto: A paixão segundo Alcântara. Roswhitha Kempf Editores, 1985;
- Chagas, José. Poesia reunida Sioge, 1980: Cem anos de infância ou O poeta e o rio Secma/Sioge, 1985;
- Costa (Filho), Odylo: Boca da noite Salamandra, 1979;
- Itapary, Joaquim: Do incerto ócio. Edições AML 1989;
- Machado, Nauro: Antologia poética Quíron, 1980. O calcanhar do humano Func/Sioge, 1981. Apicerum da clausura. Cátedra/INL, 1985;
- Tribuzi, Bandeira: Poesias completas. Cátedra/INL, 1979. - Rosamonde – O touro da morte Sioge, 1985; Tropicália – Consumo & Dor Sioge, 1985.
- Viana, Bacelar: Clamor de São Luís. Sioge, 1984.
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