Os três irmãos
Um homem tinha três filhos, um
seu e dois que a mulher lhe metera em casa. O pai puxava para o seu filho, e a
mulher puxava para os outros dois, e cada um prometera que havia de deixar os
bens àquele a quem mais amava. É certo que morreram sem testamento, e os três irmãos
não sabendo para quem ficariam os bens da casa, resolveram ir à cidade
consultar um letrado. Quando iam pelo caminho, encontraram um homem muito azafamado,
que lhes perguntou:
— Oh patrõezinhos, viram
passar por aqui a minha burra?
Os três irmãos disseram que
não tinham visto, e puseram-se a rir entre si, dizendo:
— Ele não era burra, era uma
mula, e por sinal que tinha o rabo torto; e ainda para mais era cega de um
olho.
O homem pescou o que eles
diziam, e como era possante, gritou:
— Ah, grandes birbantes, que
me hão de dar já para aqui conta da minha mula. Era essa mesma que vocês dizem
que não viram.
Travaram-se de razões e lá
foram todos para a cidade à presença do juiz. O homem fez a sua queixa, e o
juiz certo de que os homens sabiam onde estava a mula disse que o declarassem:
— Saberá, senhor juiz, que não
vimos mula nenhuma; este homem perguntou-nos se tínhamos visto passar por ali
uma burra, e dissemos que não, porque o que tinha passado era uma mula.
Disse o juiz:
— Então como sabeis isso, se a
não vistes?
— É porque no chão estavam
umas pegadas, em que os pés se botavam adiante das mãos, e assim é que andam as
mulas, e isso era sinal de ter por ali passado uma.
— E como sabeis que tinha o
rabo torto, se é que a não vistes?
— Saberá o senhor juiz que era
por um campo de cevada, que ainda estava orvalhado, e para a banda para onde a
mula tinha o rabo torto já o orvalho estava sacudido.
— Está bem; mas como sabeis
que a mula era cega de um olho?
— É porque pelo trilho que ela
levava estava a cevada comida só de um lado; sinal de que ela via só por um
olho.
O juiz mandou os três irmãos
embora, e condenou nas custas o dono da mula.
Nisto os três irmãos
requereram ao juiz sobre o caso que os trazia à cidade para a partilha da
herança. O juiz vendo que eram tão espertos e que não se entendiam, disse-lhes:
— Vinde amanhã a minha casa,
que vos quero dar uma lebre guisada para o almoço, e então darei a sentença.
Os três irmãos foram ao outro
dia muito contentes; o juiz mandou-os sentar à mesa, e veio a lebre guisada; eles
comeram e lamberam o beiço.
— Então que tal é a lebre?
Diz-lhe dali um dos irmãos:
— Ela não é lebre, é cão.
— Então como sabeis isso?
— É porque botei um osso ao
cão cá da casa, e ele não o quis roer, porque é certo que os cães não se comem
uns aos outros.
O juiz confessou que era
verdade, e disse:
— Pois dou por sentença que há
de ficar com a herança o que for capaz de ir à sepultura do pai cravar-lhe uma
faca nos peitos.
Disseram os dois mais novos:
— Vou eu, vou eu!
O mais velho, espantado,
exclamou:
— Já não quero os bens; eu sou
lá capaz disso?
Então o juiz disse que aquele
é que era o verdadeiro filho, e escreveu a sentença a favor dele.
(Airão)
---
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...