O soldado que foi para o céu
Ia
uma vez um soldado para casa com a baixa; quando ia a passar por uma ponte
encontrou um pobre de pedir, que não tinha dinheiro para pagar a passagem e
estava ali parado. Ora o soldado nunca tinha feito bem a ninguém; mas naquele
instante teve pena do velhinho e carregou com ele às costas e passou a ponte. O
soldado não pagou nada, porque os soldados não pagam, e o velho também não
pagou nada porque ia às costas do soldado. Logo que chegou ao outro lado, pôs o
velho no chão, e ia despedir-se dele, quando o pobre lhe disse:
—
Camarada, peça alguma coisa, que o que eu quero é agradecer-lhe.
—
Ora o que lhe hei de eu pedir?
—
Peça tudo o que quiser.
O
soldado pediu: Que todas as vezes que disser: “Salta aqui à minha mochilinha!”
nenhuma coisa deixe de obedecer à minha ordem. E que onde quer que me eu
assente ninguém me possa mandar levantar.
O
velho disse-lhe que estava concedido. Foi-se o soldado muito contente para casa
e nunca mais trabalhou, e viveu bem, sem lhe faltar nada. Se queria pão, carne,
vinho, dinheiro, dizia: “Salta aqui à minha mochilinha”, e tinha logo tudo o
que lhe era preciso. Veio o tempo e o soldado estava para morrer; os diabos vieram
logo para lhe levarem a alma, mas o soldado viu-os e gritou: “Saltem aqui já à minha
mochilinha!” Os diabos não tiveram remédio senão obedecer; ele assim que os
apanhou dentro da mochila mandou-a a casa do ferreiro para que lhe malhasse em
cima até os deixar em estilhas. Por fim o soldado morreu, e como tinha passado
sempre na má vida, foi parar ao inferno. Os diabos assim que o lá viram
começaram a gritar:
Fecha portas
e postigos,
Senão seremos
aqui todos batidos.
E
aferrolharam as portas, e o soldado não pôde entrar para lá; foi então bater às
portas do céu. Sam Pedro assim que o viu, disse-lhe:
—
Vens enganado! Não entras cá. Não te lembras da má vida que levaste?
Responde-lhe
o soldado:
—
Oh, senhor São Pedro! no inferno não me quiseram. Eu agora para onde hei de ir?
—
Arranja-te lá como puderes.
O
soldado viu meia porta do céu aberta, e pega no barrete e atira-o lá para
dentro, e disse:
—
Oh senhor São Pedro, deixe-me ir apanhar o meu barrete.
São
Pedro deixou; mas o soldado assim que se viu dentro do portal, sentou-se logo
na cadeira dele. São Pedro quis mandá-lo sair mas não pôde e foi dali à pressa
queixar-se a nosso senhor, que lhe disse:
—
Deixa-o entrar Pedro, não tens outro remédio, porque assim lhe estava prometido.
E
o soldado sempre ficou no céu.
---
In: “Contos Tradicionais do Povo Português”.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...