O filósofo e
o cantador
Yara Frateschi - Hobbes: a instituição do Estado
- In: Filósofos na sala de aula - Org. Vinicius de Figueiredo
(Berlendis editores, 2007)
- In: Filósofos na sala de aula - Org. Vinicius de Figueiredo
(Berlendis editores, 2007)
Patativa do Assaré - Cante lá que eu canto cá
(Editora Vozes, 2012)
(Editora Vozes, 2012)
O ponto de
partida da filosofia de Thomas Hobbes se baseia no fato de que nada
pode ser pior do que a guerra. Com efeito, para ele a guerra impede
o trabalho, o cultivo da terra, o comércio, o desenvolvimento técnico, o
conhecimento e as manifestações artísticas. A guerra destrói os laços de
sociabilidade, torna os homens desconfiados, cada um temendo todos os outros,
sempre na expectativa de que alguém vá roubar os seus bens, saquear a sua
propriedade, tirar a sua vida. Em tais circunstâncias todo homem é inimigo de
todo homem.
A partir
dessa contestação, Hobbes deduz que a guerra jamais poderá ser benéfica
para os homens. A sua filosofia tem a intenção de mostrar de que modo os
homens devem se organizar politicamente a fim de estabelecer a paz. Antes de
tudo é necessário investigar as razões que levam os homens ao conflito, afirma
Hobbes.
Como conhecer
o que causa uma guerra? O que faz os homens se comportarem de modo cruelmente
belicosos uns em relação aos outros? Primeiro essa pergunta deve ser respondida
para que se possa construir a paz. Para Hobbes, a guerra é o resultado
da soma de dois fatores: a natureza humana e a fraqueza do Estado. Por
tendência natural nós buscamos realizar o próprio bem e agimos motivados pelos
nossos próprios interesses. Toda ação voluntária é feita visando à obtenção de
algum beneficio para quem age.
Em uma
situação em que não há um poder comum capaz de estabelecer limites para a ação
e garantir a preservação da vida e dos bens de cada um, a solução dos conflitos
tende a se dar, não de modo pacífico, mas belicoso, já que todos os
homens naturalmente fazem tudo o que está ao seu alcance para preservar e
satisfazer os seus desejos, mesmo que isso custe o benefício, a vida ou os
desejos dos outros.
Por aqui se
vê que, para Hobbes, a única maneira de evitar a guerra será estabelecer um
poder bastante forte para impor limites às ações e evitar que as desavenças
sejam resolvidas pela violência. Muitos contemporâneos e sucessores de Hobbes o
criticaram duramente por dizer que os homens agem em nome do seu próprio
benefício e tendem naturalmente à guerra e não à associação.
O CANTADOR
Muitas
centenas de anos depois, em algum lugar do sertão cearense, Antonio Gonçalves
da Silva, poeta popular, nascido na Serra do Santana, interpretou as desgraças
da guerra de outro modo, mas com a mesma consistência social. Como o filósofo
Hobbes, o poeta Antonio Gonçalves sabe que a guerra rouba o bem estar coletivo,
transforma os sonhos em pó, os projetos de vida, atingindo sem distinção os
jovens e os idosos.
Só desgraças traz a guerra
Defendemos, pois, a paz.
Deve a paz sempre reinar
Em todo e qualquer sentido
Pois a guerra nos tem sido
A causadora do azar;
Rouba nosso bem estar
E o nosso sonho desfaz
Chora o ancião e o rapaz
Na hora que o canhão berra
Só desgraças traz a guerra
Defendemos, pois, a paz.
As mesmas desgraças que Hobbes registra ao impedir o cultivo da terra, prejudicar e paralisar o comércio, afetar seriamente – apesar dos “progressos" que, dizem, a guerra traz - afetar o desenvolvimento técnico, por fim, alterar as manifestações artísticas, uma vez que a temática se volta inexorável para o tema.
A paz é um bem comum
Que nos enche de prazer
Deve sempre florescer
No peito de cada um
Da guerra o triste zum-zum
É obra de Satanás
O vil inimigo audaz
Tudo destrói tudo aterra
Só desgraças traz a guerra
Defendemos, pois, a paz.
Por ser poeta, por ter uma previsão do mundo diferente dos demais, Antonio Gonçalves também há de lutar com moinhos de vento para ressaltar os malefícios que a guerra traz a uma simples amizade entre vizinhos, visto que a guerra destrói os laços de sociabilidade, torna os homens desconfiados, cada um temendo todos os outros, sempre na expectativa de que alguém vá roubar os seus bens, saquear a sua propriedade, tirar a sua vida.
A paz é a salvação
A vida e a felicidade
A guerra é a barbaridade
O luto a dor a aflição
A miséria e a traição
Como seu instinto mordaz;
Portanto a todos apraz
Implantar a paz na terra
Só desgraças traz a guerra
Defendemos, pois, a paz.
Em tais circunstâncias todo homem é inimigo de todo home – diz Hobbes. Hermann Hesse também, Anatole France, Thomas Mann também e inúmeros outros escritores e pensadores. Mas como convencer os políticos, militares e empresários que a guerra só traz desgraças? Voltemos ao sertão, à ilha deserta, aos oásis do Saara ou ao Sítio do Jenipapo, porque só nesses lugares teremos paz...
Fui certa noite cantar
No Sítio do Jenipapo
E ouvi lá um bate papo
Que me fez admirar;
Dizia à luz do luar
O velho Juca Tomaz:
Desde o vale até a serra
Só desgraças traz a guerra
Defendemos, pois, a paz.
1973.
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