Morreu a fada Azilka!
Nas folhas brancas de um lírio,
quando pela manhã muito cedo regava as flores do meu jardim, deparou-se-me para
o enterro o seguinte convite:
“Morreu fada Azilka! Convidam-se
todas as flores, todos os gênios do ar, todas as aves, enfim, todos os parentes
e amigos da finada, para assistirem ao saimento que será às dez horas da noite,
quando o crescente fúlgido da lua difundir doloroso e suave clarão nas áleas
areadas do jardim.”
Estranho espetáculo, pensei
comigo, deve ser o enterro de uma fada.
Nessa noite, à hora marcada
para o enterro, dei-me pressa de entrar em casa. Procurei uma janela que desse
para o jardim, e por uma fisga da vidraça, convenientemente encoberta por uma
cortina azul, obliquei o meu olhar curioso.
O enterro já desfilava na álea
principal do jardim: para o outro lado do préstito moviam-se em fila os pirilampos
com as competentes lanterninhas de duas luzes; escaravelhos e grilos, de cor
escura, como vestidos de luto, caminhavam na frente, tocando estes uma marcha fúnebre,
tristíssima e monótona composição de um grilo-maestro, já falecido; ao centro
do préstito, quatro besouros, negros como carvão, carregavam o féretro — uma
pequenina pétala de rosa, onde se via, mãos em cruz sobre o alvíssimo colo, a
fada Azilka; e, finalmente, logo atrás do caixão fúnebre, desfilava um acompanhamento
enorme de rosas, de violetas, de clematites, de anêmonas, de lírios, de dálias,
de cravos, de margaridas, de cecéns e outras flores, vindo em seguida as aves,
uma variegada quantidade de aves, e depois os insetos, e depois... Estranho espetáculo!
Maravilhado, comovido, encantado
de tal arte eu fiquei, que o enterro da fada Azilka se transformou inteiramente
diante de meus olhos; já eu não via o enterro de uma fada... Ah! eu te via, ó
minha amada, naquele caixãozinho de pétala de rosa; tuas mãos, pálidas como os círios
dos templos, ali estavam; os teus olhos, a boca, o seio, os cabelos, tudo que
te pertenceu outrora.
Com os olhos amarados de lágrimas,
quando a saudade funda me bateu no peito como um sino em remota ermida, quando
senti diante de mim aparecer o teu vulto branco, ó minha querida morta — saí de
junto da janela e caí de bruços sobre o leito, abafando soluços no travesseiro.
Assim nem pude ver o lugar em que
enterraram a fada Azilka.
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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