O coelho branco
Havia um rei que tinha uma
filha já crescida, que gostava muito de se lavar no balcão, e pedia à aia que
levasse a bacia e outros preparos e uma bandeja para pôr os anéis. Vinha um
coelhinho branco, furtava-lhe os anéis e fugia; a princesa gostava de ver aquilo,
não dizia nada, ia ao cofre e metia outros nos dedos. Continuou o coelhinho a
furtar, até que a princesa ficou sem nenhum anel. Antes tinha tão grande
abundância, que ela ficou muito triste e melancólica; o rei teve muita pena com
isto, e até mandou por um edital para virem todas as pessoas antigas para
contarem contos e histórias para alegrarem a princesa. Vieram muitas pessoas,
mas a princesa estava no mesmo; até que vieram duas velhas sem saberem o que
haviam de contar. Pelo caminho encontraram um burro sem pés nem mãos, carregado
de lenha; as velhas foram em seguimento do burro, viram-no chegar a umas casas,
descarregar a lenha, e acarretá-la para dentro. Elas então subiram e no patim
em cima viram umas púcaras a ferver; uma das velhas meteu o dedo e provou, e
neste tempo ouviu uma voz a dizer-lhe:
— Não proves, que não é para
ti.
E a velha olhou pelo buraco da
chave e viu um coelho, que tirou a pele, e tornou-se em um príncipe, e disse:
— Quem me dera ver a dona dos anéis
que tenho aqui.
As velhas partiram para o palácio,
e lá contaram o que tinham visto à princesa. Isto, já se sabe, alegrou logo a princesa,
e disse ao rei que queria ver aquilo. Foram todos, velhas, princesa e rei.
Viram o burro fazer o mesmo, e foram à dita casa. A princesa meteu o dedo e
provou; neste ponto ouviu dizer:
— Prova, que é para ti.
Ela foi vigiar (espreitar), e
as portas abriram-se, e o coelho disse:
— Quem me dera ver a dona dos anéis
que tenho aqui!
A princesa respondeu:
— A dona sou eu.
O coelho tornou-se príncipe,
porque aquelas palavras lhe quebraram o encantamento, e casaram, foram muito
felizes, e as duas velhas ficaram damas de honra do paço.
(Ilha de S. Miguel — Açores)
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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