O Boi Cardil
Um rei tinha um criado, em quem depositava a maior
confiança, porque era o homem que nunca em sua vida tinha dito uma mentira.
Recebeu o rei um presente de boi muito formoso, a que chamavam o boi Cardil; o
rei tinha-o em tanta estimação que o mandou para uma das suas tapadas
acompanhado do criado fiel para tratar dele. Teve uma ocasião uma conversa com
um fidalgo, e falou da grande confiança que tinha na fidelidade do seu criado.
O fidalgo riu-se:
– Por que te ris? – perguntou o rei.
– É porque ele é como os outros todos, que enganam os
amos.
– Este não!
– Pois eu aposto a minha cabeça como ele é capaz de
mentir até ao rei.
Ficou apostado. Foi o fidalgo para casa, mas não sabia
como fazer cair o criado na esparrela e andava muito triste. Uma filha nova e
muito formosa, quando soube a causa da aflição do pai, disse:
– Descanse, meu pai, que eu hei de fazer com que ele
há de mentir por força ao rei.
O pai deu licença. Ela vestiu-se de veludo carmesim,
mangas e saia curta, toda decotada, e cabelos pelos ombros e foi passear para a
tapada; até que se encontrou com o rapaz que guardava o boi Cardil. Ela começou
logo:
– Há muito tempo que trago uma paixão, e nunca te pude
dizer nada.
O rapaz ficou atrapalhado e não queria acreditar
naquilo, mas ela tais coisas disse e jeitinhos deu que ele ficou pelo beiço.
Quando o rapaz já estava rendido, ela exigiu-lhe que, em paga do seu amor,
matasse o boi Cardil. Ele assim fez e deu-se por bem pago todo o santíssimo
dia.
A filha do fidalgo foi-se embora, e contou ao pai como
o rapaz tinha matado o boi Cardil; o fidalgo foi contá-lo ao rei, fiado em que
o rapaz havia de explicar a morte do boi com alguma mentira. O rei ficou
furioso quando soube que o criado lhe tinha matado o boi Cardil, em que punha
tanta estimação. Mandou chamar o criado.
Veio o criado, e o rei fingiu que nada sabia;
perguntou-lhe:
– Então como vai o boi?
O criado julgou ver ali o fim da sua vida e disse:
Senhor! pernas alvas
E corpo gentil,
Matar me fizeram
Nosso boi Cardil.
E corpo gentil,
Matar me fizeram
Nosso boi Cardil.
O rei mandou que se explicasse melhor; o moço contou
tudo. O rei ficou satisfeito por ganhar a aposta, e disse para o fidalgo:
– Não te mando cortar a cabeça como tinhas apostado,
porque te basta a desonra de tua filha. E a ele não o castigo porque a sua
fidelidade é maior do que o meu desgosto.
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