No álbum de
Amélia (Reflexão)
Para deixar alguma coisa escrita neste álbum, mas alguma
coisa digna dele com suas páginas nevadas, e dignas de quem o possui, quisera
que, as graças, apesar da rude era de realismo e prosa charra em que
vivemos, trouxessem-me, por tinteiro, a nacarada concha de uma rosa onde se
tivesse aninhado uma gota perfumada de orvalho matutino, e, por pena, a que
arrancassem das alvas remijes de um cisne.
Assim talvez escoasse-me da pena, em pérolas diluídas, umas
palavras menos toscas.
Na impossibilidade em que estou de ver realizado esse meu
desejo, vou muito chãmente, com as muito mundanas penas de Peri e a
vulgaríssima tinta blue-black, dizer-te umas frases sem arrebiques,
porém tão sinceras e verdadeiras quanto me é possível fabricá-las.
Dizem que o homem é a força, a inteligência, a razão; que a
mulher é a graça, a beleza, o sentimento.
Para onde pende a balança? Para o nosso lado? Não, mil vezes
não! A força no homem é grosseria, é rudeza; a verdadeira força, a que torce
todas as vontades, é a graça feminil ; a verdadeira força, a que sugere os
grandes cometimentos, a que retempera as coragens desfalecidas, a que sustem a
perseverança do trabalho, está no sentimento, esse perfume vivificante que
constantemente, inesgotavelmente, se desprende do coração feminino.
Se o mundo se aperfeiçoa em seu evoluir, os aperfeiçoamentos
que ele realiza falam bem alto em prol da inferioridade masculina.
A princípio, nos duros tempos da selvageria humana, a mulher
suportava, em seus ombros frágeis, a parte
mais pesada e difícil dos encargos da vida; com o correr dos tempos, ela teve
energia suficiente para impor-se ao homem, forçando-o a tratá-la corno igual, arrancando, dos mais sinceros e melhor dotados, dedicações, defesas
e mesmo um culto.
Lembremo-nos de Stuart Mill, o grande filósofo inglês, que
confessava publicamente dever, à sua mulher, a parte melhor de seus trabalhos.
Lembremo-nos de Auguste Comte com sua idolatria por Clotilde Vaux, com sua religião da humanidade, que é
uma deificação da mulher.
Demais a mulher tem consigo um dom que vale por todos os
esforços do homem; melhor que os aniquila todos, — a beleza. Em comparação com
ela, diz Renan, o talento, o gênio, a própria virtude nada valem, de sorte que
a mulher verdadeiramente bela tem o direito de desdenhar de tudo, porque reúne,
não em uma produção exterior, mas em si mesma, como em um vaso de mirra, tudo
que o gênio custosamente esboça em traços vacilantes, por meio de uma reflexão
fatigante.
Nós trabalhamos mourejamos, deixamos, pelos agros caminhos
da existência, rastilhos de sangue, farrapos de nós mesmos, em procura de um
ideal que nos foge; a mulher ri-se de nossa incapacidade e sem esforço, sem
luta, tem no coração preso o seu ideal.
O homem leva noites mal dormidas e dias sem repouso para
descobrir uma ideia, um pensamento que modifique a concepção do mundo, mas luta
em balde quase sempre.
A mulher, sem preocupar-se com tal, encontra as grandes
ideias, porque é bem verdade virem elas do coração, e consegue modificações nas
opiniões que repousam sobre os sentimentos.
Ocioso seria mais discorrer.
A balança pende para o lado da mulher.
Convenhamos em nossa inferioridade.
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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