O “Conto do Petróleo”
O “Globo”, do Rio,
publicou uma reportagem sobre a excursão feita pelos acionistas da Cia.
Petróleos do Brasil às margens do Araquá, onde essa empresa está perfurando um
poço de petróleo. Ao lado da notícia o vespertino carioca inseria comentários
recordando a opinião sobre as nossas companhias de petróleo, dada àquela folha
pela maior autoridade oficial do Brasil — o sr. Eusébio de Oliveira, diretor do
Serviço Geológico Federal. “Conforme frisamos então, diz o “Globo”, esse
técnico não teve dúvidas em classificar as iniciativas desse gênero entre nós
como idênticas aos célebres “contos do petróleo” muito comuns na América do
Norte, onde se improvisam e se desfazem grandes companhias para devorar não
menores capitais de acionistas incautos”.
Realmente, o sr. Eusébio
tem razão. O que andamos a organizar, nós, os petroleiros do Brasil, não passa
do velho “conto do petróleo”, conhecido no mundo inteiro tanto quanto por aqui
o “conto do vigário”.
Nos Estados Unidos o
“conto do petróleo”, consistente em atrair dinheiro de acionistas bobos para
perfurar o chão, começou a ser praticado muito cedo, logo depois da descoberta
do petróleo na Pensilvânia — e a consequência foi que com o dinheiro assim
tomado ao público os piratas abriram até hoje nada menos de um milhão de poços,
dos quais jorrou, até a presente data, a brincadeira de 15 biliões de barris,
no valor de 22 biliões e meio de dólares. Ao câmbio azul do Banco do Brasil
isso corresponde a 292 milhões de contos de réis.
Graças à esperteza
desses “contistas”, o “otário” americano, que “caiu” com o dinheiro para as
perfurações, beneficiou-se com uma soma equivalente a várias vezes a riqueza nacional
do Brasil — apesar de ser apenas uma parte do que essa matéria-prima rendeu
depois de desdobrada, pela refinação, na série de produtos sob cuja forma entra
no comércio.
Para melhor realçar o
fantástico desenvolvimento que tomou o “conto do petróleo” nos Estados Unidos,
aqui pomos os algarismos referentes aos anos de 1929, 1930 e 1931. Unicamente
nesse triênio o “célebre conto” fez resultar uma produção de 2.761.323.000
barris, no valor, ao pé dos poços, de 54 milhões de contos de réis — ao câmbio
azul...
Em vista do excepcional
sucesso do “conto do petróleo” entre os ianques, outros países da América
principiaram a sentir coceiras, e a pedir pelo amor de Deus, que os
espertalhões fossem operar em seus territórios. E os resultados da pirataria
insigne não foram menores.
No México, só nesse
triênio, o “conto do petróleo” deu como resultado a extração de 118 milhões de
barris. O “otário” mexicano hoje esfrega as mãos e olha com muita ternura para
os “contistas” que o enriqueceram.
Na Venezuela os “contistas”
conseguiram perfurar poços em número suficiente para, nesse triênio, jorrarem
394 milhões de barris. O “otário” venezuelano também esfrega as mãos e lambe as
unhas, sorridente.
A Colômbia quis logo
entrar no bolo. Abriu a bolsa aos “contistas” e obteve em igual período uma
produção de 60 milhões de barris. Ótimo! exclamou o “otário” colombiano,
piscando o olho.
Depois veio o Peru. Quis
da mesma forma ser “tungado” pelos “contistas do petróleo” — e conseguiu, no
triênio em causa, arrancar ao seu subsolo 37 milhões de barris do precioso
líquido. Magnífico! grugulejou o Peru, de papo cheio.
Lá em cima, a pequena
ilha de Trinidad, invejozinha, deixou que os “contistas” viessem operar em seu
exíguo território — e obteve, nesses três anos, a ninharia de 4.600.000 barris.
Serviu, serviu...
O Canadá, aflito, chegou
a importar da terra de Tio Sam hábeis “contistas” — e graças a eles pôde, nesse
período, extrair do solo 4.300.000 barris. O rei Jorge, lá em Londres,
congratula-se consigo mesmo.
A Bolívia deixou de puritanismo
e entrou no jogo. Está hoje, graças ao “conto”, com os seus “otários”
rejubilantes.
A Argentina foi nas
águas dos demais. Importou “contistas” e deixou que operassem livremente os
“contistas creolos”; tomou muito capital de acionistas incautos e já perfurou
1.600 poços, dos quais, só no período acima, obteve 28.300.000 barris, quase o
bastante para o consumo nacional. Está também, essa nossa vizinha,
satisfeitíssima com ser “otária” de tal “conto”. Abençoa-o.
Como se vê, na quase
totalidade absoluta dos países das três Américas o “conto do petróleo” deu os
melhores resultados, sendo que num deles, os Estados Unidos, contribuiu com
altíssima quota para fazê-lo mais rico e poderoso país do mundo.
Enquanto todos esses
países deixavam que os espertalhões aplicassem livremente o fecundíssimo “conto
do petróleo”, consistente em tirar dinheiro de acionistas incautos a fim de
perfurar a terra, aqui neste Brasil de imenso território, por si só quase
metade da América do Sul, ficamos todos nós — quarenta milhões de bobos —
assistindo, de boca aberta, à cômica aplicação do “conto do Eusébio”.
Em que consiste? Em
aplicar anualmente uma verba de 2 ou 3 mil contos “na demonstração de que não
há petróleo no Brasil” e na barragem sistemática dos “contistas do petróleo”.
Com esse dinheiro extorquido ao povo sob forma de impostos dolosos, Eusébio
diverte-se abrindo buracos de tatu nas zonas mais indicadas e dizendo: “Não há
petróleo; vocês estão vendo que não há petróleo”. E se acaso um desses
buraquinhos de tatu atreve-se a dar indícios indiscretos de petróleo próximo,
baforando gás, Eusébio, furioso com a irreverência, tapa-lhe a boca com
cimento...
Nem fura, nem deixa
furar — é sua política geológica.
A desgraça do Brasil e
sua derrocada financeira decorrem em grande parte disso — de Eusébio, o
Todo-Poderoso, não deixar que se aplique aqui o “conto” que está a enriquecer
“todos” os países da América. Mal um grupo de “contistas” se reúne para apanhar
dinheiro do público a fim de perfurar (meio único que se conhece de tirar
petróleo), o Cérbero de cócoras no pico do Serviço Geológico dá o grito dos
gansos do Capitólio e em entrevistas aos jornais previne os possíveis “otários”
contra a “marosca”. “No Brasil não há petróleo, diz ele. Eu, que sou
onisciente, sei disso. Deus, o Supremo Arquiteto das Anticlinais e Sinclinais,
informou-me em nota confidencial”. E o “conto” falha.
Quando o dr. Romero veio
ao Brasil, contratado por uma companhia que se formou especialmente para fazer
uso do seu aparelho indicador de óleo e gás, o Júpiter Tonante do
Hidrocarbureto trovejou do alto da sua pilha de tamancos: “Mistificação! Ignoro
tudo a respeito desse tal aparelho — mas é uma guitarra. Adivinho-o. Eu, eu,
eu, eu, o Grande, o Infalível Eusébio, o juro de mãos postas sobre uma camada
do Devoneano”.
Mas apesar do
escabujamento délfico da Vestal Hidrocarbúrica, firmíssima no seu dogma de NÃO
HA PETRÓLEO NO BRASIL, acionistas incautos apareceram, e quatro companhias
aplicadoras do “conto” estão hoje a perfurar o solo com resultados já bastante
promissores.
Mas Eusébio tem razão. O
que essas companhias fazem no Brasil não passa de tirar dinheiro de acionistas
incautos para perfurar a terra. Logo, “conto do petróleo” perfeitamente
caracterizado, do legítimo, do que foi tão intensamente praticado na América do
Norte. Sua maldade, porém, esconde o resto, e ele “esquece” de acentuar que
justamente por ter sido já comuníssimo esse gênero de “conto” é que Tio Sam
conseguiu abrir um milhão de poços e tirar de dentro deles o big stock com
que mantém a sua hegemonia do mundo. Se tivesse havido em Washington uma Vestal
Anticlínica ao tipo da nossa, com suficiente prestígio oficial para impedir a
intensa aplicação do “conto do petróleo”, os Estados Unidos da América estariam
hoje no mesmo pé dos Estados Unidos do Brasil — na miséria, com o serviço da
dívida externa suspenso pela quarta vez, sem isca de crédito e forçado a
sangrar-se fundo no bolso para a aquisição no exterior dum combustível básico
que toda a América retira do seu subsolo.
Há treze anos que este
senhor Eusébio mantém o Brasil no regime puritano do “dar para trás no conto do
petróleo”, impedindo assim, com a sua imensa autoridade de
Iluminando-que-sabe-o-que-está-escondido-lá-no-fundo-da-terra, a fecundíssima
aplicação do “conto do petróleo”. Graças à sua heroica resistência contra os
piratas petrolíferos, o pobre e surrado Brasil teve, só nesse período, de
despender 4 ou 5 milhões de contos para a compra do que já devia estar
produzindo e exportando.
Por que, santo Deus?
Qual o segredo da fúria euzebiana contra todos os que se atrevem a perfurar —
isto é, “a fazer aqui o que no mundo inteiro se faz para descobrir petróleo?”
Muito simples. Eusébio
dirige a seu bel prazer, e sem controle, uma gorda verba para “investigações de
petróleo”, com a qual vai abrindo os seus buracos de tatu e orientando a
campanha contra os “contistas”. Se vier petróleo, raciocina ele, não vem para
mim — e a verba some-se do orçamento. Ora, entre o Brasil ficar com petróleo e
eu sem verba, todo seria se vacilasse. A verba é uma realidade; o petróleo é
uma hipótese. Viva quem quiser de hipóteses; eu vivo de realidades.
É este o “conto do
Eusébio”.
---
In: Na Antevéspera
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...