Beijos por facadas
(Conto de uma Serenata em Espanha)
I
– A GUITARRA
Corria
lenta e sossegada a noite. Há nestas vozes indefiníveis das horas mortas a
suspensão de um segredo, que se não articula; o silêncio remoto parece escutar
as músicas de dentro, que se espraiam na alma, como os sons eólios que a brisa
entorna da escarpa.
O
céu estava profundo e puro, recamado de estrelas, brilhando silenciosas,
absortas nas cores espectrais da sua luz, com que confidenciam e exprimem entre
si as sonhadas harmonias das esferas. Cada traço radiante que se projeta nos
ares lá vai perder-se num fascículo mais intenso, pensamento de amor, energia
inextinguível que voa a despertar e embalar um devaneio ditoso, que não finda.
Os
ventos sopravam macios, remurmurejando na folhagem verde; a veia cristalina e
sinuosa do Mançanares derramava seus aljofres, onde se refletiam as graças e a
alegria das miríades de astros que bordavam a cúpula do empíreo.
Soaram
vagarosamente, como as palavras de uma sentença irrevogável, onze horas na
torre da Catedral. A vibração argentina do sino, ondulando na calada da noite,
fazia escoar-se pelo corpo um estremecimento gélido, como o pingo de água que
se infiltra das estalactites e cai, de vez em quando, no pavimento petrificado
de uma gruta escura e sem fim.
E
a noite prosseguia lenta e sossegada. Pouco a pouco, uma viração travessa,
vinda dos vales longínquos, dispersou nos céus uma nuvem espessa, que se tinha
levantado das bandas do mar. Assomou um leve resplendor, um clarão incerto na
cima dos montes; depois, os arvoredos deixaram jorrar por entre as ramas
entrançadas um alvor suave. Era a lua que se alevantava serena do topo das
serranias, hóstia branca erguida na reconcentração intima dos mundos. À luz
diáfana e branda, que devaneios começados e interrompidos no vago das
aspirações que não têm realidade! que confissões veementes, que palavras
sentidas, que protestos fogosos, apaixonados, gerados pelo influxo da saudade e
da melancolia!
À
luz tranquila do astro dos namorados, meditava distraída no seu balcão, virgem,
enleada nos caprichosos desejos que lhe tumultuavam no coração infantil. Quinze
anos! a eflorescência da vida no seu viço exuberante; as alegrias perenes, sem
motivo, um transporte a cada sensação que se ignora e que o acaso revela!
Quinze anos! e o peito a palpitar apressado a cada pressentimento de ventura.
Estava
no seu balcão a donzela tímida; as tranças soltas, espalhadas pelos ombros, eram
os jorros de uma catadupa que se despenha; respirava ansiada, como quem acabara
de brincar e sente na fadiga, que a prostra, a tentação de se precipitar
novamente na vertigem da coreia que passa ligeira como um volteio de fadas em
areal deserto.
A
lua iluminava-lhe o rosto com a majestade com que se reflete numa janela
gótica. Parecia adormecida, criança, embalada pela toada das harpas dos
serafins, que a vinham abrigar do rocio da noite debaixo da sombra das suas
asas brancas. O vento levava-lhe as roupagens longas, que flutuavam como uma
nuvem rescendente que a envolvesse.
Ela
não estava adormecida, sonhava. Que mistérios intraduzíveis de amor não lhe
viria descobrir esta hora! A natureza, mais velha e experiente, vinha ensinar
sua irmãzinha, mostrar-lhe os filtros que um sorriso esconde, a fascinação de
uns olhos úmidos de volúpia. Sentiria ela as primeiras notas do amor, pulsando
levemente dentro do peito?
O
sítio, a hora, a mudez confidente da noite tépida e sombria, tornavam propícias
as palavras tímidas, balbuciadas tremendo, com um langor comunicativo.
A
este tempo a lua brilhava esplêndida de encantos pela amplidão celeste. A
donzela cada vez aparecia mais radiante de graça; o luar tornava-a mais bela,
como numa transfiguração repentina.
Será
uma realidade a existência deste tipo divino? Será uma criação apenas, uma
visão quimérica da mente do poeta? Um sonho que a arte sabe encarnar e
insuflar-lhe o sentimento de Rosina, quando espera ansiosa detrás do cortinado
alvejante Alma viva, a identificação de um ser noutro ser? Não. Como uma filha,
a mais linda das filhas de Eva, irmã das que foram amadas pelos anjos que se
esqueceram do céu, ela também sente e ama. É Marcela, Marcela, o sol da velhice
do grande poeta da Espanha Lope da Vega.
Cansado
de triunfos, de glórias e pesares, o cantor de Doroteia ama-a, como um viandante do deserto que ama a brisa fresca
da colina que lhe vem alentar os pulmões exaustos. Coração imenso de um pai,
que enlouquece de alegria ao ver perpetuar-se-lhe no mundo a inteligência, os
sentimentos que o animaram e lhe trouxeram sofrimentos e glórias, naquela que o
abraça como uma vergôntea airosa à sombra do roble secular.
Marcela
é o seu pensamento predileto das horas pacíficas da existência, a que há de
herdar-lhe o manto profético com que o pai penetrava nos mundos da poesia.
Poeta, enleva-se diante da sua obra, a ideal Galateia, onde vive uma alma
afinada pelas mesmas harmonias; ama-a, com que ternura! É mas galante que padre.
Marcela
estava distraída ao luar no balcão; era na rua dos Francos; estava deserta e escura pela sombra. Começou então a
sentir-se um som incompleto, como o gemido de um queixume que expira; depois,
mão ignota a dedilhar veemente, com força, nas cordas de uma guitarra. As auras
levavam as melodias, ais de um peito que gemia de amor em segredo, e que ia
ditando ao instrumento sonoroso as palavras, que não podia proferir. O silêncio
da noite destacava as notas delirantes, como o azul a um carbúnculo que
cintila.
A
inocente criança despertou do sonhar aéreo em que permanecera absorvida;
compreendeu a linguagem suprema do sentimento, era a primeira confissão de amor
que escutava na vida. Receio correr o cortinado. Era a inocência na sua
timidez. A curiosidade, o orgulho de criança a impelia; começava a sentir-se
bela, formosa. Debruçou-se desprevenida ao balcão, mirou, perscrutou nas
sombras. A guitarra fascinadora emudecera.
Depois,
ela viu dois vultos aproximarem-se, traçarem as capas, desembainhando as
espadas reluzentes. A mudez tornava assombroso o recontro. Os ferros
cruzaram-se faiscando; eram os rivais, que se encontravam ali, levados pelo
mesmo amor e pelo mesmo ódio, a grande contrariedade deste sonho da vida. Não
se ouvia um gemido; os botes eram a fundo. Uma espada tiniu no chão partida; o outro
galanteador, generoso, deixou a sua de mão e sacou um punhal do cinto. Era um
duelo a todo o transe, questão de vida ou de morte. Marcela nada discriminou
nas sombras; sentia apenas o fragor de uma luta porfiada. O outro rival alçou o
punhal também; arrojaram-se aos braços um do outro, espumando de raiva,
cozeram-se de facadas desapiedadamente, até que, escoados em sangue, caíram
desfalecidos.
O
vento da noite refrescava; a lua mostrou-se no seu esplendor e deixou ver o
campo do torneio. Marcela recolheu-se aterrada para o seu aposento; orou a noite
toda perante o retábulo de Santa Maria da Atocha, prometendo fechar para sempre
o seu coração ao amor do mundo.
II - LA BLANCA PALOMICA
Depois
dos inesperados transes e provações, a que às vezes a alma resiste para novos
desastres, Lope de Vega fugiu às tempestades da vida, envolvendo-se no burel de
uma ordem penitente, unindo a contrição e a poesia no misticismo radiante das
efusões líricas com que desabafava nas horas contemplativas. Quando o espírito solitário descia à terra e
se deixava tocar pela dor, tinha então o encanto da sua prole, dos filhos que
estremecia. Como se não lembrava ele, com pesar e saudade indelével, do seu
pequenino Carlos, cor de lírio e de rosa, quando vinha acariciar-lhe a alma com
umas palavras de ternura infantil, quando o via pular de contente ao vir o dia,
como uma antílope nos prados, quando os seus vagidos eram um gorjeio
entrecortado que lhe pareciam um vaticínio encantador! Pobre criança, ainda
coberto do orvalho matinal, de te expandires à bafagem perfumada da nova
aurora, quando, lírio fanado pela geada, desapareceste na terra para seres
transplantado no céu.
O
poeta buscava consolação na poesia; era ela que o cercava de uma auréola de
felicidade. Distraia-se cuidando da sua pequena horta. Era a imaginação que o
revestia, aquele exíguo canteiro, ornado apenas de duas árvores, dez florinhas,
uma laranjeira e uma roseira, onde casualmente cantavam os rouxinóis, e onde
dois cântaros de água formavam a fonte, que gemia e adormecia seus pesares.
Contenta-se de pouco a natureza; ele não trocava este canto da terra nem pelo
monte Hibla, nem pelo vale fertilíssimo de Tempe, nem pelos jardins suspensos
de Semíramis, como ele próprio confessa; porque a fantasia criadora reveste-o
de todas as graças de um paraíso sonhado, mostra-lhe colunas brancas de mármore
com inscrições gloriosas, fontes que jorram e se despenham em borbotões de pérolas
e aljofres, lagos profundos e límpidos sulcados por canoas que desfraldam as
velas como cisne voluptuoso que desliza, rodeados de sombras amenas e
encantadoras de árvores soberbas simulando os gigantes da terra, a vinha
entrançada aos plátanos, dourada pelo sol de agosto, bustos entre a ramagem
espessa, sátiros que se adormecem ao som da ninfa fugitiva, ninfas travessas
errando na relva macia, que tapeta o recinto... É um sonho de poeta na sua
soledade. Que tem que seja uma ficção esta magnifica paisagem? Ele sente as
emoções que lhe traz o retiro que forma, e para onde se refugia.
Seu
filho levado pelos valorosos cavalheirescos, pelo impulso dos quatorze anos,
deixou-o para seguir a expedição contra os holandeses e os turcos. Uma
catástrofe desastrosa veio roubar-lhe mais esta esperança; a mão em que partira
tinha soçobrado.
Restava-lhe
só junto de si Marcela, para amenizar as horas lentas e enfastiadas da velhice.
O pai oferecia-lhe seus livros, dedicava-lhos, pedindo que os corrigisse; ela
reunia às graças do corpo, a harmonia da plástica com um sentimento delicado,
uma penetração viva e lucida. O poeta recebera todas as consolações do céu
naquela filha; era a sua criação mais perfeita, a admiração dos poetas do seu
tempo, era todo o seu orgulho.
Marcela
começou a aparecer triste; tinha na face a palidez da planta que esmorece. Nem
uma palavra só de queixume; a mesma abstração sempre! Os lábios pareciam
emudecidos pelo selo do mistério. Cercava-lhe os olhos lânguidos um disco roxo
de maceração, enublava-lhe o rosto a preocupação de uma dor, que não sabia
confessar. Quando Lope a chamou para de junto a si, e a estreitou nos braços
beijando aquela flor da mocidade que o Senhor fizera brotar das suas ruínas,
sentiu uma dilaceração interior, ao ver uma lágrima pura, cândida, ingênua,
resvalar-lhe na face em que a dor empanava o viço infantil:
—
Oh minha filha! Quem poderá adivinhar o segredo da tua angústia, e inverter os
pensamentos aflitivos de mágoa num êxtase perene de felicidade. Marcela,
Marcela! Eu dizia-te um dia, lembras-te ainda? era naquele livro, que o
pressentimento me fez intitular Remédio
na desdita: “Deus te proteja, e te faça ditosa, posto que os teus dotes o
não consintam, principalmente se fores herdeira do meu destino.” A coroa de
glória que me cinge sangra-me na cara com dolorosos espinhos; o que a poesia me
há ditado tenho-o sofrido primeiro. Tu, alma da minha alma, vás pisando a mesma
via dolorosa. Ergue-te dessa prostração do desalento em que te deixas cair!
Conta-me o que assim vem perturbar teus pensamentos tranquilos, roubar-me as
tuas carícias que me fazem rejuvenescer? Eu não sei como ampará-la, interrogá-la,
sem que esta planta mimosa languesça como a sensitiva. Menina, jovem, ignorando
a vida, acordaria ela senhora? Levá-la-ia o amor em sonhos ao seu mundo de
aspirações infindas? Ela inclina-se sobre meu ombro e chora. Como posso eu
consolá-la, dar-lhe as esperanças que não tenho e que de há muito me
desampararam? Marcela! Ergue a tua cabeça; deixa-me ver-te, beijar-te, enxugar
as tuas lágrimas, filha. Diz-me o que te aflige tanto. Pobre criança, ela cada
vez me estreita mais a si.
—
Oh meu pai! eu não sei o que me faz tão cedo aborrecer as galas, as seduções do
mundo, e me mostra a vida como um deserto ínvio, intransitável. A alma sente um
vácuo que ninguém pode encher. É o cristianismo que me faz germinar no espírito
este sentimento vago, uma sede desse gozo sem limites da visão beatífica, uma
aspiração, um desejo ardente de regressar à eterna pátria, de me confundir nos
coros arcangélicos, ao som do triságio perene. A natureza por mais esplêndida e
vicejante, as flores de aromas mais esquisitos, o céu mais admiravelmente
cravejado de estrelas, o azul, o espaço aberto, causam-me o desgosto que havia
de sentir Moisés do alto da montanha vendo ao longe a terra prometida e sem
poder atingi-la. Quanto mais me sinto enleada neste encanto divino da
contemplação interior, torna-se-me mais intenso o desejo de abandonar o
desterro deste vale de lágrimas, quebrar os vínculos da carne, e acordar no
empíreo. Este corpo que me deste é a prisão em que a alma suspira e anseia por
soltar-se; ela é a escrava da Escritura que vaga à míngua de uma gota de água
no deserto: ela tem diante de si um abismo, que precisa transpor sem o fitar.
Eu senti em sonho este himeneu recôndito e incompreensível do amor divino. O
Amado erra pelas brenhas, chamando a esposa perdida. Eu não me posso elevar até
Deus, o Deus abscônditos, pela
inteligência, como os doutores; deixai que a alma vulgar e humilde,
desconhecendo essa vereda intrincada, caminhe conduzida pela intensidade do seu
desejo à eterna fonte suprema do bem. Eu quero professar num mosteiro, seguir a
regra da penitência austera, voltar para a arca santa, como a pomba do dilúvio.
Quero envolver-me no burel, mergulhar-me na escuridão de uma cela, e sonhar
embalada nas músicas do êxtase.
—
Marcela! para que vais tornar assim a minha solidão mais dolorosa? O teu irmão,
perdi-o ainda tão criança! Eras só tu que me restavas no mundo. Sem ti, de que
serve a vida que levo devorada pelas recordações do passado. Eu perdi uma
esposa, que asserenava no meu coração as tempestades do amor. Tinha em ti meu
único refrigério, e desamparas-me quando me vejo mais só! Pobre filha! Terá ela
vergonha do mundo? do seu nascimento ilegítimo? Que provação tão dura e
repentina me estava reservada em castigo de uma mocidade turbulenta! Vai,
filha, corre aos braços do divino Esposo: ele só pode dar-te a grinalda
imarcescível, servir-te com uma legião de anjos. És o último ramo virente que o
destino arranca de um tronco carcomido pelos anos. Vai, vai. — E apertou-a nos
braços a chorar como uma criança.
Tempo
depois, a engraçada filha do maior e mais fecundo poeta de Espanha entrou para
o convento das Carmelitas descalças, em Madrid. Lope de Vega descreve esse
abandono do mundo com expressões sentidíssimas:
“Marcela,
o primeiro pensamento do meu amor paternal, pensava em casar-se, e uma noite
disse-me o nome daquele que desejava para esposo.
E
eu, que sabia quanto é prudente deixar amadurecer um tal pensamento, porque há
decisões que provêm de causas acidentais, deixei as minhas desculpas, esperando
sempre não contrariar seus desejos, se eles se fundassem na verdade da sua
alma. Mas vendo cada dia esse desejo a aumentar-se, determinei-me dar-lhe esse
esposo, que solicitava seu amor. Esse esposo é belo, é rico, é sábio, e de uma
estirpe ilustre, e o seu pai é nada menos do que todo poderoso. Eu juro que por
parte da sua mãe é de sangue real, e que ela é tão boa, que não há atrativos,
nem virtudes que não possua. É uma mãe tão cheia de graça, que pelas suas mãos
Deus a dispensa ao mundo. Ela é juntamente rosa e lírio, cipreste e palmeira.”
A
igreja estava ornada como o tálamo de um noivado. Então, o poeta viu a sua
filha nesse dia com uma graça, uma beleza, uma perfeição inexcedível, que a
alegria fazia realçar sobre os dons da natureza, que o contentamento animava de
vivacidade e elegância. O esposo recebia-a nos seus braços carinhosos. O amor
divino transfigura-se sempre na infância. Miríades de luzes, damascos e
brocados enfeitavam o aposento nupcial.
“Marcela,
— continua o poeta — as faces coloridas como duas rosas, e os lábios como
banhados por um sorriso honesto, fitou-me: o último adeus que separava duas
existências.
Sua
alma trasbordava de felicidade com esta vocação; e por um último adeus do seu
corpo, ela voltou costas a tudo que o mundo chama festas e prazeres.
Depois,
oferecendo ao jovem esposo a sua casta grinalda de virgem, ela estreitou-o a
si, cobrindo de beijos seus olhos de esmeralda.
O
céu fechou a porta ao meu coração cheio de amor paternal; arrebatava-me a
melhor parte da minha alma; e eu era o único a lamentar nesta multidão de
espectadores. Tornamos à igreja; a desposada deixara seus hábitos de festa, os
enfeites, para envolver-se no burel grosseiro. Suas tranças foram cortadas,
porque, como as outras virgens que povoavam o coro, ela não devia ter para ser
bela, mais do que a sua beleza.”
Sente-se
nestas palavras do poeta a dor do coração de um pai, a quem todo o sentimento e
unção religiosa não podem consolar. Verga diante dessa agonia, resigna-se.
Passado o ano do noviciado ainda o coração virginal de Marcela palpitava com o
amor divino. Pronunciou os votos, e professou.
“Ela
dormia sobre a palha fria e dura, e andava descalça; o corpo andava oculto numa
vestimenta humilde; só os olhos eram a expressão da sua alma. Oh bem-aventurado
desengano das coisas da terra! — exclama o poeta na solidão do seu amor. — Esta
virgem tão bela, tão casta, tão pura, consagrou a Deus os seus dezessete anos!”
Estes
desgostos da vida foram-no levando à sepultura; Lope de Vega sucumbiu no auge
da admiração. O seu funeral foi imponentíssimo, como o de Miguel Ângelo.
Marcela, a inteligente filha do poeta, pediu para o cortejo passar pelo
convento das Trinitárias descalças. No momento em que o préstito parou diante
do mosteiro, viu-se aparecer por entre as grades avaras um rosto macerado por
uma dor lenta. Era Marcela chorando a morte do pai, talvez pungida pelo
abandono em que o tinha deixado. Instantes depois, sumiu-se na escuridão da
cela, e ninguém soube o que a levara na candura dos dezessete anos a abandonar
o seu pai na desconfortada velhice.
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