Era uma vez uns casados que
não tinham filhos, e viviam por isso muito descontentes. A mulher foi-se
confessar ao Padre Santo Antônio, e contou-lhe o seu desgosto. O santo deu-lhe três
maçãs, para que as comesse em jejum. A mulher chegou a casa, pôs as três maçãs
sobre uma cômoda, e foi arranjar o almoço. O marido vindo de fora encontrou as três
maçãs e comeu-as.
Ao almoço a mulher contou o sucedido
na confissão, e o marido ficou todo assustado. A mulher foi outra vez falar com
o santo, que lhe disse:
— Pois os trabalhos por que tinhas
de passar, o teu marido que os passe.
Chegado o tempo o homem
começou a gritar, chamou-se pessoa entendida, e abriram-no para o aliviar. O
homem desesperado mandou deitar a criança no monte. Uma águia desceu do ar e
levou a criança no bico e lá a criou com o leite que ia tirar às vacas que
andavam pastando, e agasalhava-a com a roupa que pilhava pelos estendedouros.
Fez-lhe uma casinha de palha, e ali se criou a pobre criança, que se tornou uma
menina formosa.
Um dia passou por aquelas
montanhas um príncipe que andava à caça; viu aquela menina tão linda, e
perguntou-lhe se ela queria ir com ele. Respondeu que sim. Quando a meteu na
carruagem, acudiu a águia para lha tirar, mas não podendo ainda lhe vazou um
olho. A menina ficou com aquele grande defeito, mas o príncipe não deixou de a
amar. Levou-a consigo, e escondeu-a no seu quarto no palácio. A rainha
desconfiada de ver o filho sempre fechado no seu quarto, quis saber o que
seria, e combinou uma grande caçada, que durava dias. Foram todos e por lá
andaram, e a rainha pôde entrar no quarto do filho por uma porta que só ela
sabia. Assim que entrou viu a menina:
— Ah! és tu, torta zarolha,
que tanto encantas o meu filho? Anda de aí ver estes palácios e o jardim.
A menina foi com a rainha;
assim que chegaram ao jardim, levou-a para o pé de um poço muito fundo, e
deitou-a lá dentro. Quando veio o filho da caça, foi logo ter com ele:
— Aquela torta zarolha que
tinhas fechada no teu quarto, assim que se lhe abriu a porta, botou a correr
por aí fora, e ninguém foi capaz de a apanhar.
De noite passaram três fadas
pelo pé do poço e sentiram uns gemidos:
— Que será? que não será?
— São vozes de mulher.
Chegaram à borda do poço para
escutarem melhor, e disse uma das fadas:
— Eu te fado que saias desse
poço cá para fora, e que sejas da maior perfeição do mundo.
— Pois eu te fado que tenhas
uma tesourinha de prata, para cortares a língua a quem te perguntar as coisas
duas vezes.
— E eu te fado que tenhas um palácio
defronte do palácio da rainha, que seja velho por fora, mas por dentro chapeado
de ouro e prata.
Ao outro dia, ficaram todos
espantados no paço por verem um grande palácio antigo defronte, sem se
lembrarem como e quando é que o ali edificaram. A rainha ainda ficou mais
pasmada com aquilo, e mandou o seu velho camareiro saber o que era, e quem
morava ali.
O camareiro entrou no velho palácio
mas ficou assombrado com o que viu por dentro; apareceu-lhe uma menina muito
ricamente vestida, a quem fez as perguntas de mandado da rainha. Ela respondeu:
Diga a sua majestade
Que minha mãe me desejou,
Que foi meu pai que me teve
E nas silvas me deitou;
Uma águia me criou,
Na caça o príncipe me achou,
A rainha ao poço me deitou,
Mas três fadas me fadaram,
Para aqui me trouxeram
E eu d’aqui me não vou.
O camareiro não ficou logo com
o recado na cabeça, e pediu à menina para o repetir; e ela disse então:
— Desanda tesourinha.
Caiu-lhe a língua num
instante; o camareiro voltou para o palácio, e só podia dizer: ló-ló-ró,
ló-ló-ró. A rainha mandou lá outro fidalgo, mas também lhe sucedeu o mesmo. Por
fim foi lá o príncipe, e quando ouviu aqueles versos que a menina dizia, veio dar
parte à rainha, que se quis certificar com os seus olhos, e depois deu licença
para o filho casar com ela.
(Algarve)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...