Arrabal, Cervantes
e outras rasteiras
1 - CERVANTES: ESCRAVO, JUDEU, HOMOSSEXUAL,
PROXENETA E PLAGIÁRIO?
Em
2015 completa-se os 410 anos (1605-2005) da publicação da primeira parte do
romance de Miguel de Cervantes “Dom Quixote de La Mancha”. Centenas de livros
saíram a lume, milhares de artigos, conferências, congressos, etc. Um merecido
foguetório, para tornar real a profética sentença Post tenebras spero lucem,
que Cervantes tomou emprestado ao Livro de Jó para atirar no Dom
Quixote. Depois da morte, o sucesso, a fama!
E
ainda hoje ressoa o foguetório das comemorações, das muitas edições e reedições
de obras escritas por Miguel de Cervantes. Mas também mereceram destaque
aquelas publicações destinadas a especular sobre a vida do audaz manchego.
Muitas leituras focalizam não só as obras de Miguel de Cervantes, mas
também o vasto repertório de obras correlatas, destinadas a esmiuçar o acervo
literário e a vida do genial fidalgo.
Um
dentre os milhares de trabalhos sobre Miguel de Cervantes é “Um escravo chamado
Cervantes”, de autoria do escritor hispano-catalão-marroquino Fernando Arrabal.
Não é obra recente (comprei num sebo), primeiramente foi lançada em 1996 na
França, onde o autor é mais reconhecido por sua obra teatral e adaptações
cinematográficas, para aportar três anos depois cá entre nós em edições e
reimpressões (reimpressão é o modo que o editor brasileiro achou para passar a
perna no autor, evitando a expressão “edição”) – o que é este caso.
Fernando
Arrabal é autor que ficou conhecido pelo talento rebelde, explosivo, que
caracterizou alguns autores nascidos sob a ditadura franquista. Desde o tempo
das primeiras peças e filmes, criou fama como o inventor do Teatro do Pânico –
é isso o que dizem de suas chocantes peças teatrais e roteiros para cinema –
fama que carregou para toda a obra que produziu, sob o signo da reação cultural
ao franquismo.
Ser
um rebelde revolucionário nas letras é ao, mesmo tempo, usufruir de certa
liberdade, mas igualmente servir de telhado de vidro diante da pressão dos
reacionários às suas ideias. Se, por um lado, lança um autor nos mares da fama
de maneira espetacular, por outro, obriga-o a seguir uma estrada nem sempre
gloriosa, porque cheia de balões de ar, vácuos indesejáveis: são os caminhos
das terras de ninguém, de onde muitos saem vestidos num paletó de madeira.
Este
“Um escravo chamado Cervantes” veio a lume baseado num documento, datado de
1569 e descoberto espetacularmente em 1820, segundo o qual se viria saber que
Cervantes, em plena juventude (quando tinha só 21 anos de idade), foi condenado
pelo rei da Espanha, a ter a sua mão direita amputada e ao desterro pátrio de
dez anos. Essa condenação, segundo os cânones da época, equivalia à pena aos
acusados de homossexualismo, nem mais nem menos! No entanto o jovem futuro
escritor conseguiu que a dita condenação não fosse cumprida graças à cobertura
que lhe deu um Cardeal amigo da família, que facilitou sua fuga para a Itália.
É
claro que a partir desta explosiva descoberta – que muitos cervantistas
ilustres se esforçaram por desmerecer e manter escondida – tudo ou quase tudo
que se escreveu sobre Miguel de Cervantes teria que passar por severa e
rigorosa revisão. Fernando Arrabal tomou para si a tarefa de exercer uma
parcela dessa revisão. Se ele foi feliz ou infeliz nesta tarefa, dize-o a fama
que o livro arrebanhou. Seja como for, mexer com Cervantes, sua obra e sua
glória, é algo assim como condenar – o autor e a audácia – ao cadafalso.
Para
classificar Cervantes como um escravo, Arrabal nos remete não só ao motivo
direto do documento, comprovando, sim, que a escravidão se verifica não apenas
sob os grilhões de ferro, mas igualmente sob a ditadura efetiva que a nobreza
exercia sobre os súditos. Aliada dos poderes secundários da Igreja, cuja
opressão se verifica como segundo degrau hierárquico da dominação, essa
escravidão atingiu Cervantes diretamente no cerne do seu labor literário. Como
autor ele não conseguiu romper a barreira dos intelectuais próximos do Poder e
da Inquisição para levar a sua obra ao público. Antes, teve que gastar
prestígio e artimanha para manter-se vivo e atuante.
Num segundo plano Arrabal perde
muito tempo na busca dos antepassados mais longínquos de Cervantes para
posicioná-lo como judeu de descendência cristão-novo. Parece um estigma: para
os negros, todos os demais são negros; para os judeus, todos os demais são
judeus. Alguns serão negros e judeus (Sammy Davis, Jr.). Mas, o que temos, na
tese defendida por Arrabal, é que o cristão-novo jamais deixará de ser judeu,
mesmo que decorridas várias gerações. Mas Arrabal no livro descreve uma exceção
dessa regra de interesse: o Bispo de Burgos – depois também de Castilla – dom
Pablo de Santa Maria, um antigo rabino da cidade.
Dom
Pablo, assustado pela imprevista matança e perseguição dos judeus, de imediato
abraçou o cristianismo, e o fez com tal fé que logo alcançou a mitra de Burgos.
A nova fé católica que o Bispo assumiu seria de tal maneira exacerbada por Dom
Pablo de Santa Maria e de tal modo cruelmente exercida, que tanto o pai quanto
– depois – o seu filho, Dom Alonso de Cartagena (que também viria a ser Bispo),
se transformaram em ferozes implacáveis perseguidores de judeus!
Portanto,
não há como explicar a obsessão que move Arrabal em “Um escravo chamado
Cervantes”, tampouco a necessidade depressiva de demonstrar que a ascendência
de Cervantes fosse ou não fosse judia, posto que, no caso, se trata do menor e
menos importante pedaço da biografia do genial fidalgo de La Mancha.
Como
se sabe, para fugir da pena a que fora condenado pelo Rei da Espanha, Miguel de
Cervantes é mandado para a Itália. Ali chegando arranja abrigo, proteção e
trabalho na casa do Monsenhor Giulio Acquaviva y Aragon, que Cervantes conheceu
durante as pompas fúnebres de dom Carlos, filho de Filipe II morto
prematuramente – assassinado pelo pai, dizem.
Mais
uma vez aparece em cena o Cervantes escravo, desta vez de Acquaviva, também
efeminado, segundo Arrabal. Para fugir da escravidão, da subserviência
opressiva, Cervantes aproveita a convocação feita para compor o famoso exército
de aliados e se inscreve sob o comando de João de Áustria para combater os
otomanos em Lepanto.
Conta
a história que Cervantes se arrisca destemidamente. Ele busca, de todas as
maneiras, não só alcançar o perdão pelas loucuras que fez, mas também conseguir
ascensão na nobreza, algo que ambiciona desde sempre, mas jamais verá
realizado. Numa das refregas o agitado e valente soldado é atingido de forma
violenta por fragmentos de granada. A explosão feriu todo o lado esquerdo do
seu corpo, deixando os membros seriamente avariados.
Decorre daí a suspeita folclórica de
que, se tivesse sido cumprida a primeira parte da condenação em que Cervantes
perderia a mão direita e agora, ferido em batalha, tendo inutilizando todo o
lado esquerdo, jamais o Dom Quixote de La Mancha teria sido escrito, perdendo a
humanidade a criação da maior de suas obras primas. Ó crítica cruel...
Ao
retornar para a Espanha após ter se recuperado das feridas – de posse de vários
documentos atestando a sua bravura e recomendando o aproveitamento em cargos
imperiais – o barco em que Cervantes viaja é sequestrado por piratas árabes:
passageiros e tripulantes são feitos prisioneiros. No cárcere em Argel,
Cervantes vive a planejar fugas espetaculares, na ânsia de chegar à Espanha e
finalmente conseguir a posição social que tanto sonhara, ambição desta vez
lastreada nas façanhas heroicas da batalha de Lepanto. Tudo em vão...
Atestada
por seus comandantes, a sua atuação na batalha teve o testemunho subscrito por
nada menos que o próprio João de Áustria, comandante supremo dos exércitos e
meio-irmão de Filipe II. Cervantes nada consegue nessas tentativas, e seu
suplício só termina quando os parentes obtêm o dinheiro suficiente para pagar o
resgate. São mais de três anos como prisioneiro – e mais uma vez escravo – do
Manda-Chuva do país (Bey ou Sultão de Argel), ocasião em que também se torna
seu amante, para não perder a viagem. Esse Arrabal...
No
entanto Miguel está vivo e reencontra a família, estabelecida com um próspero
comércio de pensão (hospedaria) montado em Madri. Cervantes usa seus
conhecimentos e facilidades sociais para fazer publicidade e expandir o
negócio. Viajantes vindos da Itália, da França, dos Países Baixos ali se
hospedam. A recepção está aos cuidados da sua irmã Andrea Cervantes, que sabe
envolver os hóspedes mais importantes com todas as regalias que a posição
social merece.
Muitos
deles deixam relatos agradecidos e gorjetas valiosas, o que registra a
excelência do bom tratamento que receberam na pensão dos Cervantes. É neste
momento que Arrabal, com um dom que só ele possui, consegue transformar Miguel
de Cervantes em um legítimo proxeneta, capaz de deixar envergonhado o mais
afamado cafetão da Lapa carioca – acusando-o de usar a sexualidade da irmã para
atrair hóspedes. Andrea certamente tinha lá seus atrativos sensuais, seria
amante fogosa, como – por fama – o são as espanholas, mas ninguém havia
imaginado que vendesse tais ardores...
Mas...
seria Cervantes um plagiário? É claro que todos os cervantistas conhecem as
leituras e pesquisas que serviram de base para a feitura do romance. Também a
elaboração da principal personagem do livro O Genial Fidalgo
Dom Quixote de La Mancha já foi objeto de muitos estudos. No próprio romance
Cervantes deixa algumas pistas – não são poucas – como no episódio em que são
condenados e incendiados muitos livros de cavalaria da sua biblioteca. Quantos
e quantos volumes esmiúçam os antecessores e inspiradores do Dom Quixote!
No
entanto, a maior influência coube a Arrabal descobrir, na figura de Feliciano
de Silva, antecessor de Cervantes em vários livros de cavalaria – os vários
Amadis, os romances pastoris, as Celestinas – foi o autor mais admirado não só
por Cervantes, mas também por muitas gerações de leitores, eis que suas obras
eram muito traduzidas e sempre reeditadas. Arrabal capricha em localizar aqui e
ali os sinais mais óbvios de que Miguel de Cervantes não só se serviu da obra
de Feliciano de Silva como modelo, mas adquiriu uma cumplicidade tal, uma
proximidade tão próxima, que só se pode chegar à fatal conclusão – plágio.
E
se é Fernando Arrabal quem tudo isso diz, escreve e assina embaixo, quem sou
para contradizê-lo?
Quanto
ao livro em si, “Um escravo chamado Cervantes” é de leitura muito difícil. Ou
Arrabal transportou para esta pseudobiografia todas as loucuras inatas da
escritura arrevesada que o levou a ser considerado um escritor maldito na
melhor das tradições e escreveu mais uma obra indecifrável e cabalmente
intraduzível – portanto, se traduzida, totalmente ilegível – ou Carlos Nougué é
na verdade o pseudônimo de um desses programas de tradução simultânea que
infestam a Internet com a pretensão de enterrar de vez o tradutor...
Porque
– é sabido – Fernando Arrabal sempre foi um escritor “difícil”, isto é, autor
de textos herméticos e de dupla ressonância. São dramas, romances, roteiros e
outros etcéteras que possuem características próprias. Partindo de uma escola
que se poderia traduzir surrealista, Arrabal descreve seus temas montando o
texto sobre uma estrutura fractal. São textos que soam melhor no teatro ou no
cinema, onde o diretor pode improvisar e recriar à vontade, segundo uma
interpretação singular.
A
maior parte dos resumos biográficos que circulam por aí tem o mesmo tom do
exemplo que cito a seguir:
“Fernando
Arrabal (Melilla, 1932). Dramaturgo, poeta, romancista, ensaísta, cineasta,
entre outras atividades menores. Seu “Teatro do Pânico” descreve um mundo de
vítimas e carrascos que se comprazem alternadamente no domínio e na servidão.
Na obra de Arrabal a alusão política e a inspiração fantástica se mesclam
continuamente”.
“Obras: O cemitério de automóveis
(1966), O arquiteto e o imperador da Assíria (1967), O jardim
das delícias (1969), teatro. Viva a morte! (1971), Irei como um
cavalo louco (1973), cinema. Homenageado pela Academia Francesa pelo
conjunto da obra teatral. Prêmio Nabokov de romance. “Um escravo chamado
Cervantes” recebeu o grande prêmio da Societé de Gens de Lettres
(França)”.
Por
isso mesmo esta tradução jamais será entendida pelo leitor não iniciado em
Fernando Arrabal. Até mesmo o tradutor mais experimentado pode cair nas
armadilhas semânticas, embora se possa pensar que traduzir do espanhol para o
brasileiro seja fácil. Não é. Daí a brincadeira acima que fiz com o Carlos
Nougué, cuja tradução desta biografia cervantina “Um escravo chamado
Cervantes”, de Fernando Arrabal, só vem demonstrar que desta vez quem foi
traído foi o tradutor e não o traduzido.
2 - O GENIAL FILHO DE ALGO DOM COXOTE DA MANCHA
Em
não havendo restrições quanto ao romance de Cervantes, obra prima consagrada ao
longo dos seus 400 anos de idade, o foco literário volta-se para as traduções,
como esta última anunciada na divulgação feita por Gustavo
Bernardo,
saída n’ O Globo Prosa & Verso de 14/01/2006 [O engenhoso fidalgo D.
Quixote da Mancha: Primeiro Livro, de Miguel de Cervantes Saavedra. Tradução de
Carlos Nougué e José Luis Sanchez. Editora Record, 570 páginas].
Existe
uma analogia com outras artimanhas: no futebol, por exemplo, o técnico se
arvorou de maioral. Não é mais o jogador o centro das atenções, nem o craque,
nem o goleador. Como por um milagre se descobriu que o futebol não existiria
sem aquela figura que fica à margem do campo fazendo gestos e mímicas,
inventando uma linguagem marginal, que só ele entende.
Vaidade
das vaidades! Ora, mas no teatro também foi assim. Que seria de Shakespeare, de
Moliére ou Brecht ou Beckett se não fosse a inventividade criativa e genial dos
montadores? Pois, pois, cada nova apresentação é uma releitura não autorizada.
Aonde se desemboca na pura verdade: a maioria das montagens modernas está tão
distante da produção inicial que do autor mesmo sobram apenas o título e o
texto.
Quanto ao
contexto...
Assim é que as novas traduções, de
uns tempos para cá, têm como objetivo principal caracterizar-se como a mais
atual, a especial, a novidade. E para ser especial e vendável, tem de trazer em
si algo de novidade que justifique não só a aquisição física do exemplar, mas
que também traga prazer à leitura. Um objetivo secundário – ainda que seja
anunciado nas primeiras linhas – é o de cooptar a linguagem quinhentista de
Cervantes, trazendo-a para ser digerida e consumida nos dias atuais.
Isso
já foi tentado com outros livros – a Bíblia – por muitas outras editoras, como
na recente tradução feita para a Editora 34, segundo a qual aquele era, sim, o
Quixote definitivo, atualizado e normalizado para o brasileiro dos nossos
tempos. Mas também as traduções têm vida breve, como as mariposas. A
singularidade é que esta edição, mais recente (2005), que provavelmente deu
muito trabalho a seus produtores, outros já julgaram superada, descartável, de
ontem e tome tradução! Vem coisa nova por aí...
Para
isso é mister dar ares de modernidade, de coisa nova, assim como é propagado.
Esta tradução, feita por brasileiro e espanhol, revela sutilezas da obra-prima
Cervantes (sic). É como ressalta
Gustavo Bernardo na divulgação. Baseados em quê os tradutores desvendaram tais
sutilezas? Em busca da solução para três incógnitas, compactadas numa só: como
escreveria Cervantes o Quixote no português de sua época, mas de modo tal que
não perdesse o sabor hispânico de então e fosse compreensível para o leitor de
hoje?
Pois
não é que sem querer Gustavo Bernardo coloca uma questão que bem pode ser
aproveitada em quase todos os vestibulares vindouros? Sim, leiam bem, repitam a
leitura mais uma vez, mais outra vez como se faz no vestibular e então
respondam: como? Sim, como escreveria Cervantes o seu romance Dom Quixote no
português de sua época, mas de modo tal que não perdesse o sabor hispânico de
então e fosse compreensível para o leitor de hoje?
Em
seguida a essa contundente questão – que se nos concebe irrespondível – Gustavo
Bernardo enumera as enormes dificuldades e desafios enfrentados pela dupla de
tradutores, que em essência são os mesmíssimos já enfrentados outrora por
inúmeros outros tradutores de todas as partes do mundo. A viagem da tradução é
uma odisseia sem fim. É, porém, assunto totêmico, próprio para tradutores,
nunca para resenhistas...
Neste
caso em particular, porém, nós, que somos simples admiradores da obra de
Cervantes, temos a obrigação de meter o bedelho. Isto porque os tradutores
Nougué e Sanchez ousaram em matéria que nenhum outro havia se atrevido: mexer
no título da obra. Sim, porque desde longo tempo o título da obra vem merecendo
algumas observações, muitas ressalvas, escassas contestações, até medo, mas
ninguém havia ousado adulterá-lo como agora foi feito. O
título original é: EL INGENIOSO HIDALGO DON QUIJOTE DE LA MANCHA. Antes de
tudo, porém, quero que alguém me explique como, e por ordem de quem (do autor
não foi, certamente), se adulterou o nome de Don Quixote para Don Quijote?
Vejam
bem a imagem grudada aqui abaixo, pois se trata do frontispício da primeira
edição do livro de Cervantes. Alguém está lendo ali Qui-j-ote – Quijote? Necas!
Ali está Qui-x-ote. Sim, Quixote! Aliás, em todo o livro se vê escrita, de
maneira claramente proposital pelo autor, uma mescla das linguagens faladas à
época em toda a península. Português, Galego, Asturiano, Catalão, Valenciano,
com exceção do Vasco.
Teria
Cervantes a pretensão de dar ao livro um cunho europeu, visando o que seria a
sua Europa? A Europa de seu tempo – Espanha, Portugal, Baleares, as terras
fronteiriças da França de linguagem mesclada e entendível? Mas, a partir de
certo momento algum espanhol de estirpe castellana resolveu adulterar
Quixote para Quijote, em honra e glória do Reino de Castilla. Então fixou
QUIJOTE...
Depois,
estamos diante da expressão Ingenioso, que aqui em brasileiro se traduz
por Engenhoso. Este caso, por exemplo, já é merecedor de alguma
discussão. A expressão ingénio, de onde vem o ingenioso, é irmão
do nosso genioso (genial, turrão, teimoso), bem diferente do nosso engenho
e, por extensão, do engenhoso que é sempre utilizado para traduzi-lo. Ingénio
fragmenta-se em in-génio = gênio interior. Para evitar digressões que
poderiam levar ao didatismo desnecessário, o resumo da ópera é o seguinte: ao
rigor do pé da letra, uma das opções para traduzir o ingenioso para o
brasileiro, seria a expressão genial. Então teríamos: O GENIAL FIDALGO
DON QUIJOTE DE LA MANCHA.
O caso da palavra Fidalgo já
foi vastamente esclarecido pelo escritor marroquino Fernando Arrabal no livro
“Um escravo chamado Cervantes”, também da Record e também traduzido por Carlos
Nougué. Fidalgo, segundo Arrabal, significa Filho de Algo [de alguém].
Passamos para a segunda versão, que seria: O GENIAL FILHO DE ALGO DON QUIJOTE
DE LA MANCHA.
Até
o nome do homem foi ameaçado. Vejamos a justificativa para tal, fazendo um
flashback das palavras de Gustavo Bernardo: “Quijote” corresponde à peça da
armadura que cobre a coxa e deveria ser traduzida para “coxote”, mantendo a
terminação “ote” que, em espanhol, tem sentido depreciativo. Pois para mim, um
leigo em espanhol, diria que Cervantes estava era fazendo uma gozação a si
mesmo, ou seja, à sua condição de manco, coxo – portanto coxote... – mas, como
disse, sou asno em espanhol!
Então
fica só a provocação. Aí explicam o temor de mexer em expressões (quixote, quixotesco
e outros derivados) que se tornaram proverbiais em nossa língua Graças a Deus
os tradutores acharam temeridade adulterá-la. Caso contrário toparíamos com: O
GENIAL FILHO DE ALGO DOM COXOTE DE LA MANCHA.
Mas,
êpa! de La Mancha?? Aqui, sem querer, tocamos na principal execração de
dupla de tradutores Nougué & Sanchez. Pois não é que ousaram modificar o
título da obra aportuguesando o Don Quixote de La Mancha para Dom
Quixote da Mancha?? Mas a justificativa para adulterar o de La Mancha
para da Mancha é realmente trágica. Quem diz é Gustavo Bernardo:
“Mas
contra as traduções anteriores, optaram ‘da Mancha’ e não ‘de La Mancha’, se em
português se fala na Espanha Central como ‘a Mancha’.”
Péra
aí! Eu disse que era leigo em espanhol, mas também não é tanto assim. Em
algumas regiões da Espanha e de Portugal – principalmente na Galícia, noroeste
espanhol – as cidades são realmente denominadas assim: A Coruña (La Coruña), A
Estrada (La Estrada), Oporto (Porto) – nossa muito bem conhecida cidade
portuguesa, aquela do vinho de lá mesmo.
Mas
não me consta que La Mancha seja chamada A Mancha, porque La Mancha fica na
região do antigo Reino de Castilla que, como todos sabem, se fala o castelhano,
que é o espanhol culto tradicional. A partir de 1978 Castilla La Vieja se
dividiu em duas comunidades autônomas: Castilla La Mancha e Castilla y León.
Saibam mais:
“La Comunidad Autónoma de Castilla-La Mancha es una
comunidad enclavada en el corazón de la Península Ibérica. Está formada por las
províncias de Albacete, Ciudad Real, Cuenca, Guadalajara y
Toledo, siendo ésta última la capital”. (http://www.uclm.es)
Mas
se querem ousar, então vamos pelo menos obedecer à escrita regional, sem
adulterá-la! Ainda mais com o apoio do Instituto Cervantes? O verdadeiro título
que a dupla sertaneja de tradutores Nougué & Sanchez deveria usar é: O
engenhoso fidalgo Dom Quixote de A Mancha (ou d’A Mancha). Ousem, mas ousem
como cavaleiros, valentes, corajosos, assumidos.
Não
chamem “La Mancha” de “Mancha”, pois é certo que os naturais da terra de
Quixote não vão gostar nadinha de vê-la com tal nódoa, mácula, labéu, desonra,
tacha...
Muito
mais do que foi dito na resenha de Gustavo Bernardo mereceria outras reparações
– por exemplo, a tradução de en cuanto pelo vicioso enquanto, tão
em moda entre nossos literatos – entre outras coisinhas. Mas não
virá a reparação deste escriba amador (que se entremeia aqui enquanto
poeta), mas sim poderia vir de gente gabaritada e do mesmo nível que o autor da
resenha, professor de Teoria da Literatura na UERJ.
O
meu caso pessoal e que motivou estas linhas, é mesmo com o senhor Carlos
Nougué, Prêmio Jabuti de Tradução – seja lá o que for isso – que me fez sofrer
a algum tempo atrás com a leitura de uma tradução catastrófica do livro “Um
escravo chamado Cervantes” (Record 1999), de autoria do já mencionado escritor
marroquino Fernando Arrabal. Até para se traduzir um porralouca como Arrabal é
preciso algum talento.
Tenho
a obrigação de fazer uma ressalva positiva, pois, ainda bem que os tradutores
Nougué & Sanchez refrearam a dosagem de ousadia senão – segundo seus planos
– estaríamos diante das aventuras de tal de Dom Coxote e em consequência
aterrissaríamos em um novo título para a obra de Cervantes: “O GENIAL FILHO DE
ALGO DOM COXOTE DA MANCHA!”
3 - O CAPOEIRISTA FERNANDO ARRABAL
Logo
no “Prólogo ao ocupado leitor” dá para reparar que Fernando Arrabal, ao
escrever “Um escravo chamado Cervantes – Um retrato do criador de Dom Quixote”,
compôs um texto polêmico a seu jeito e perfil. Desta vez a convite dos organizadores
do I Congresso Internacional de Cervantistas, realizado em 1988 na cidade de
Alcalá de Henares, terra de Cervantes. Portanto, seria texto para ser lido no
congresso cervantista, oportunidade que Arrabal – ele mesmo
o Salvador Dali das letras – não deixaria passar em brancas nuvens.
Fernando
Arrabal aproveitou a espetacular oportunidade que lhe ofereceu o “destino
caprichoso, quase prodigioso!” para especular sobre um documento que havia
sido recém-descoberto – a “Ordem de Captura” contra “um Myguel de Cerbantes”
(sic). Ora, escrever um texto para ser lido não é o mesmo que
escrever um texto para ser publicado em livro. A oratória dá uma eloquência ao
texto que a impressão não tem. É como tese de mestrado (sempre acompanhada do
chatíssimo abstract), feita com base em estética pretensa acadêmica, com
linguagem e itens obrigatórios, agradecimentos inclusive.
Assim
é como fica uma palestra quando passa para a impressão, ademais de ter sido
classificada como biografia pela editora – coisa que não é. Arrabal escreveu um
texto especulativo e para isso recorreu à ficção. Para justificar a ousadia que
permeia o texto, Fernando Arrabal se sustenta em obras e autores similares:
“Ruth Reichelberg estuda-lhe as origens em “Dom Quixote
ou O romance dum judeu disfarçado”; Louis Combet examina-lhe a homossexualidade
e o masoquismo em “Cervantes ou As incertezas do desejo”; Rosa Rossi
analisa-lhe a personalidade e as raízes em “Escutar Cervantes”.
Arrabal cita
também outros autores:
Sarah
Leibovici (1921-1991), verdadeira caçadora de judeus e sefarditas: “Mosaiques
de notre memoire: les judéo espagnols du Maroc” (1982), “Noces
judéo-espagnoles. Nuestras bodas en Tetuan” (1983), “Chronique des Juifs
de Tétouan: 1860-1896” (1984), “Christophe Colomb juif”
(1986).
Dominique
Aubier (1922-2014), autora de “Don Quichotte prophète d'Israël”
(1966), primeira obra a evocar a presença de tradições judaicas no Dom
Quixote. No entanto, Aubier não encontrou apoio para sua tese, que foi refutada
por Selon Ruth Fine, da Universidade de Jerusalém, afirmando que textos da
tradição hebraica não estavam acessíveis à época de Cervantes. O professor Fine
acha impossível que Cervantes tenha tido acesso à Cabala e à tradição esotérica
judaica em época de Inquisição. Em análise feita entre o texto de Dom Quixote e
as bíblias (hebraica e católica), Selon Fine chegou à conclusão que Cervantes
usou a vulgata em sua versão tridentina.
Marthe
Robert (1914-1996), autora que pesquisa Cervantes sob a ótica e ética
psicanalítica em “Robisonadas e quixoterias”:
“Para que o romance abandone as
franjas feéricas a que foi por muito tempo confinado, convém claramente que a
Criança Perdida desperte para as exigências mais realistas do Bastardo
edipiano, de tal modo que aprenda a ver o mundo como se apresenta e,
voluntariamente ou não, dirija um olhar interessado às coisas do presente. Ele
é Robinson, ou Dom Quixote, segundo tome um dos dois caminhos possíveis; na
verdade sempre um pouco de ambos, ora mais lúcido, ora mais perplexo, um
Robinson quixotesco ou um Dom Quixote náufrago. Porém, seja como for, o romance
não existe mais sem a fissura que deve agora enfrentar; pelo menos não há mais
história pretensa que não escolha como tema os conflitos do herói consigo mesmo
no aprendizado da vida”.
Victor
Malka (1938), escritor que já publicou centenas de livros de história, de
anedotas e do folclore judaico;
Leandro
Rodríguez (1934), espanhol cervantista, escreveu: “Miguel, Judío de
Cervantes” (1978), “La vía de Don Quijote en Sanabria”
(1981), “Documentos de crianza del sanabrés Don Quijote”
(1983), “Cervantes en Sanabria”, “Ruta de Don Quijote de la
Mancha” (2004), etc.
O
marroquino Fernando Arrabal tampouco tenta dissimular a vaidade (logo quem!):
“E, quando mais exposto me julgava, aplaudiram-me de pé
brilhantes eruditos: de Jean Canavaggio a Martín de Riquer, aos quais tanto li,
com os quais, se me permitem, tanto amei” – diz ele ao fim do
prólogo.
Jean
Canavaggio (1936) é um famoso e premiado cervantista francês, enquanto que
Martín de Riquer (1914-2013) foi um escritor catalão, que lutou ao lado do
tenente nazista Francisco Franco na Guerra Civil espanhola e foi premiado com
cargos públicos. Amigo de Arrabal, pois. Escreveu sobre Dom Quixote, Tirant lo
Blanc, Amadis de Gaula e o trovadorismo espanhol.
Em
não sendo caso para tratar neste artigo, a querela Antonio de Segura versus
Miguel de Cervantes, está muito documentada, especulada e difundida, pode ser
lida em milhares de textos históricos e fictícios pelo mundo afora. Só que
Fernando Arrabal, muito esperto, separa a pena do crime.
O
crime: “haver dado certas feridas a Antonio de Sigura, andante nestas cortes”.
A
pena: “sobre o qual o dito Miguel de Cerbantes, foi condenado a com vergonha
pública ter cortada a mão direita e em desterro de nossos Reinos por o tempo de
dez anos e em outras penas contidas na dita sentença”.
O duelo entre Cervantes e Segura é
fato histórico sobejamente conhecido e se a pena parece desproporcional é
porque Antonio de Segura (Pintor de la corte de Filipe II.) era pessoa
importante. O tema foi romanceado por Luis Garcia Jambrina, escritor
contemporâneo, no romance histórico “La sombra del otro”, que enfoca a
vida de Cervantes, desta vez sob a visão de Antonio Segura. O romance, sem
disfarçar o pêndulo do favoritismo para Miguel de Cervantes, começa cercando-se
de verossimilhança:
“Numa livraria de Toledo, um professor de literatura
encontra, por acaso, uns papeis antigos escritos em caracteres arábicos.
Trata-se da “confissão” de Antonio de Segura, inimigo dissimulado de Miguel de
Cervantes, a quem inveja com toda sua alma e persegue de maneira implacável com
a intenção de destruí-lo. Nela, Segura nos relata, do cárcere, como conheceu
Cervantes na sua juventude e como foi ferido por ele durante um duelo, fato que
mudará para sempre o destino de ambos”.
A
cena faz parte das entrevistas dadas por Luis Garcia Jambrina, mas ninguém
ficou curioso de saber por que Antonio de Segura estava em cana (desde la
cárcel) – fato não biográfico, ao que parece.
“Aqui [na Plaza de Oriente] estava o Alcázar de Madrid,
onde se encontra o Palácio do Oriente; em seu entorno, era crime desembainhar a
espada. Cervantes o fez num duelo contra Antonio de Segura, a quem deixou
gravemente ferido. Por este motivo o escritor de Dom Quixote teve que fugir
para a Itália”.
Arrabal
desvirtua a pena, levando-a para a legislação sobre homossexualidade, que
condena a ser cortada a mão direita daquele que for condenado por sodomia.
Cismei
também com a tradução de Carlos Nougué que, juro de mãos postas, a princípio
julguei ter sido feita através da tradumática, recurso muito usado em
tempos de informática. Diante da crítica à tradução uma aluna do professor
Carlos Nougué veio em sua defesa, mas eu não pude replicar porque o danado do
livro simplesmente sumiu de minha vista. Agora, remexendo papeis velhos, o dito
cujo apareceu e só então posso justificar o motivo do meu aborrecimento quanto
à tradução.
Tenho
a impressão que os tradutores se perdem ao esquecer que estão transferindo um
texto estrangeiro para leitores comuns, não para seus próprios pares. Mas esse
destino parece inevitável em literatura e nas artes em geral: poeta escreve
para poetas, pintores pintam para pintores, músicos compõem para
músicos, tradutores traduzem para tradutores – e todos vão discutir seus feitos
geniais na Confeitaria Colombo...
Carlos
Nougué está na internet www.cursos.carlosnougue.com.br, que propaga o seu
trabalho: “Professor Carlos Augusto Ancêde Nougué. Professor de Filosofia.
Professor de Tradução e de Língua Portuguesa em nível Pós-graduação(UGF),
Lexicógrafo, Prêmio Jabuti de Tradução 1993” . A página também dá notícia sobre o
curso: “Por uma filosofia tomista. Primeiro curso realizado pela CONTEMPLATIO.
Curso on-line de 60 horas ministrado por CARLOS NOUGUÉ. As inscrições vão de 18
de setembro a 10 de outubro de 2013” .
Obs.:
Por quais razões um beneditino, cujo princípio fundamental é “ora et labora” –
reza e trabalha – bandeou para os complexos labirintos do tomismo? O tomismo é
tratado como filosofia, mesmo contrariando os princípios de São Tomás de
Aquino, que tinha por finalidade conciliar teologicamente a filosofia grega ao
cristianismo. Da impossibilidade de alcançar esse objetivo é que sobrevivem,
750 anos depois, tais cursos...
São
Bento abandonou todos os mosteiros que dirigiu. Por ser rigoroso quanto ao
comportamento ético, muitos atentaram contra sua vida. Foi resgatado do deserto
onde vivia como eremita para ter seu conhecimento adotado e reconhecido. As
figuras de São Bento mostram, junto com o Santo, o livro “Regra”, o cálice
quebrado pela serpente e um corvo, lembrando o pão envenenado que recebeu de
monges invejosos.
Outro site
www.questoesgramaticais.com.br, publica:
PARA
BEM ESCREVER NA LÍNGUA PORTUGUESA
CURSO ONLINE DO PROFESSOR CARLOS NOUGUÉ.
CURSO ONLINE DO PROFESSOR CARLOS NOUGUÉ.
Alimenta a
propaganda as citações:
A gramática de uma língua é a arte de [escrever e,
pois de] falar corretamente. – Andrés Bello
A gramática é a arte de levantar as dificuldades de uma
língua; mas é preciso que a alavanca não seja mais pesada que o fardo. – Antoine
Rivarol
Mas
a minha bronca com o professor Carlos Nougué – que traz no lombo a
responsabilidade de ter sido educado no Colégio São Bento, o melhor do país –
não tem caráter filosófico, apenas cismei com algumas frases que li no livro
mal vertidas para o brasileiro, com inversões desnecessárias. Exemplifico:
pg.
25 – Os tetravós de Cervantes convencidos estavam; pg. 26 – Precursor
do nazismo foi;
pg.
31 – o mais quixotesco de todos, da fogueira não pôde escapar; pg. 32 –
em razão de eu ter escrito dissidente dedicatória;
pg.
32 – a castração, longe de intimidar, a rebeldes asas lhes dá; pg. 35 –
E faltar não podia.
E assim segue a carruagem, até o final do volume. Ora, a tradução de um texto em prosa não exige figura retórica, não tem imagem poética, são frases curtas, de expressão direta, sem outras interpretações. O brasileiro não se expressa assim, como o professor acha. O brasileiro lê e diz: foi batizado, estavam convencidos, Foi precursor do nazismo; não pôde escapar da fogueira; dedicatória dissidente; dá asas a rebeldes; E não podia faltar, etc. etc. etc.
Neste
caso faltou à educação do Carlos Nougué uma leitura dos modernistas, desde
Menotti Del Picchia e Manuel Bandeira, a Mário e Oswald de Andrade – ou lá
distante, no brasileirismo índio de Gonçalves Dias e, mais atrás, de José de
Anchieta – fontes nas quais poderia beber sobre o falar e o escrever
brasileiro.
Alguém
poderá dizer: – Mas, e se o Arrabal tivesse escrito dessa maneira? Eu
responderia: – Ainda assim, em não sendo livro que exija interpretação, o
tradutor teria que escrever de modo que o leitor brasileiro entenda. Traduzir é
trazer para a língua local o que foi escrito noutra língua de modo mais fiel,
igual e inteligível.
Tirante
isso calo-me porque vejo que o professor Carlos Nougué já arranjou muita sarna
pra se coçar, quando caiu em polêmica com o velho Olavo de Carvalho. Quem tem
um inimigo como Olavo de Carvalho, não precisa polemizar com um pé-rapado como
eu. Vejam “Resposta a Carlos Nougué” – Olavo de Carvalho, em
http://www.midiasemmascara.org.
E
por que disse ali atrás que Arrabal tinha escrito uma ficção e não uma
biografia de fato? Respondo com outra pergunta: – O que haverá de ter ainda
para escrever sobre Cervantes? Por exemplo: Arrabal cita um sem número de cidades
espanholas que avocam para elas, em vão, o registro do nascimento de Cervantes.
Diz Arrabal sobre isso:
“Luís
López Fernández, mais conhecido por ‘doutor póstumo’, assegura que em
registros de batismos e de herança se encontram documentos com o nome
Cervantes: ‘Homônimos, tão frequentes em sobrenomes patronímicos’”.
Então
me pergunto por que também não seria um desses casos a ordem de prisão que deu
o pontapé inicial para o livro de Arrabal? Logo de início se pescam duas divergências nos
nomes: My[i]guel de Cerb[v]antes e Antonio de Si[e]gura. É cada uma que me
aparece!
Ademais,
Arrabal transita pelos séculos como se estivesse atravessando um sinal de
pedestre. Personagens do Século XVI confraternizam com outros dos Séculos XIX e
XX, fazendo com que se compreenda cada vez mais a intencionalidade (e
vacuidade) com que Arrabal compôs o seu texto – brincando de pique-esconde
com fatos, pessoas, histórias.
Mas,
enfim, estava eu aqui matutando sobre isso quando dou de cara com o texto “La
supuesta homosexualidad de Cervantes”, de Daniel Eisenberg (Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2003) para ficar
com a estranha sensação de estar enxugando gelo. Ai meu Deus! Todo mundo já
mexeu nisso! Mas foi bom, até justo, porque, já tendo o Olavo de Carvalho para
cuidar de Carlos Nougé, agora encontro o Daniel Eisenberg para tratar de
Fernando Arrabal.
O artigo de
Daniel Eisenberg vem a respeito da discussão sobre a ‘suposta’ homossexualidade
de Cervantes – uma heresia para todos os cervantistas do mundo! – tema que
surgiu primeiro em artigo de autor inglês – os espanhóis engoliram a provocação
em silêncio. Daniel Eisenberg constata:
“O
único autor espanhol que se atreveu a tocar no tema plenamente é o repugnante
– nesse aspecto – Arrabal”.
De
fato, é ignóbil alguém supor que o ídolo e gênio da literatura espanhola seja
um maricón. Para reafirmar o massacre a Fernando Arrabal, Daniel
Eisenberg, se apossa das notas de Urbina y Diez para baixa o pau no livro “Um
escravo chamado Cervantes”:
“Los errores y manipulaciones en el libro de Arrabal,
analizado por Urbina y Diez, son espeluznantes. Según él [Arrabal] – y no hay
documentación de ninguna de estas afirmaciones –
a) Cervantes
fue desterrado por pecado nefando,
b) los padres
de Cervantes montaron en Madrid una casa de prostitución,
c) el maestro
López de Hoyos enseñaba a sus párvulos la filosofía hispanomusulmana del siglo
XII,
e) Cervantes
tenía mucho interés en las figuras de Buda y Confucio,
f) Carlos V
escribió un libro de caballerías.
Especialmente
quisiera señalar que Arrabal no clausuró el I Congreso de la Asociación de
Cervantistas, y que no le aplaudieron de pie Martín de Riquer y Jean
Canavaggio, como ha sido confirmado directamente por este último”.
Mas – ¡carajo! – quem não conhece
Arrabal? Quem não sabe a biografia de Arrabal, que desde os primórdios da
carreira escolheu o campo da polêmica, da invenção e da mentira para se
expressar? 90% do que Arrabal fez e escreveu são invenções – só 10% são
mentiras! (obrigado Manuel de Barros). Dessa maneira, estando tudo explicado,
tudo em seu devido lugar, tiro o peso do lombo e vou cuidar de outras coisas
mais amenas.
Rio de Janeiro, Cachambi, 8 de abril de 2015.
***
El
Padre Zarco, en su obra Pintores españoles en San Lorenzo el Real de El
Escorial, refiere a «Antonio de Segura, pintor, natural de San Millán de la
Cogolla, en La Rioxa». Astrana Marín cuenta que el autor del Quijote, hacia el
año 1568, en una reyerta causó varias heridas a un andante en corte llamado
Antonio de Sigura. Cervantes, para huir de la justicia, marchó a Italia.
Declarado rebelde, se le condenó a que le fuese cortada la mano derecha y a
destierro del reino por diez años.
Carlos
V en su codicilo había dejado encargado que se hiciera el retablo de la capilla
mayor del Monasterio de Yuste. Antonio de Segura se compromete a ejecutarlo tal
y como lo desea el rey don Filipe II. El rey loa y confirma y tiene por bueno
el contrato celebrado entre Antonio de Segura y Martín de Gaztelu.
El
retablo ha de ser de madera, de la altura y tamaño señalados por Juan de
Herrera. Ha de representar el juicio final conforme a la pintura de Tiziano que
está en El Escorial. Tendrá cuatro columnas corintias con su pedestal. Sobre
éste habrá una custodia y en el frontispicio un escudo con las armas del
Emperador. Ha de pintar, dorar y estofar el retablo. Además se compromete a
labrarlo en el Monasterio de El Escorial, conducirlo al Monasterio de Yuste y
colocarlo en la capilla mayor.
Todo
lo ejecutó Antonio de Segura a satisfacción del rey, el cual, según Ceán
Bermúdez, le nombró maestro mayor del Alcázar de Madrid, del Pardo y de la Casa
de Campo en las enfermedades y ausencias de Francisco de Mora. Añade el Padre
Zarco que Antonio de Segura murió en Madrid en 1605 y que Filipe III concedió a
la mujer del artista dos reales diarios, pensión que, a la muerte de ésta,
otorgó luego a María de
Segura, su
hija. (In “Riojanos Ilustres”)
---
Desenho:
Jeronymo Ribeiro
Desenho:
Jeronymo Ribeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...