A tapera da lua
No tempo em que as
amazonas andavam ainda pelas margens do seu grande rio, havia uma tribo de
índios cuja aldeia ficava junto de uma lagoa tranquila, nas fraldas da serra
chamada então Taperê e hoje do Acunã. Uma guerra infeliz reduziu a tribo a dois
sobreviventes, irmão e irmã dos mais belos de sua raça, que ficaram sozinhos no
alto da montanha.
Então disse ao
irmão a irmã:
— Ó meu querido
irmão! Como és homem e forte, ficarás aqui no alto do Taperê enquanto eu desço
à nossa aldeia, às margens da lagoa. Armei tua rede nos castanheiros e deixei
ao lado as minhas lindas flechas. As flores das parasitas que crescem nos ramos
suavizarão o teu sono com o seu aroma. Adeus!
— Adeus até
quando?
— Até quando te
acordarem os mais belos pássaros, cantando à luz da manhã.
E a índia desceu
com o passo incerto, os olhos tristes de veada ferida, mostrando na estranha palidez
um aperto no coração.
Ao entardecer, seu
corpo leve de adolescente balouçava na rede selvagem, ataviada de penas multicores,
que os raios do sol poente irisavam. Enoitou-se a aldeia e já o oitibó tinha
saído do seu esconderijo, quando a moça, tremula, ofegante, arrastada por uma
força estranha, procurou o caminho da serra, em demanda da rede armada nos
castanheiros.
Ela sentiu amor! Foi no momento
Em que sozinha, em meio à natureza
Ouviu a selva segredar ao vento,
A estrela à cascata, à correnteza!
Ninguém conhecerá
o segredo desse meu tormento! suspirava ela. Amá-lo-ei na treva; serei de dia
sua irmã!
Quando à rede chegou, a branda aragem
Do sassafrás batia pelas frestas;
Escuridão no céu, pálida arfagem,
Saltos nos matos das cutias lestas...
E toca a rede... a rede se estremece...
— Quem és? Sussurra um beijo e a voz
falece...
Três vezes a índia
apaixonada subiu a montanha e três vezes voltou à deserta aldeia escondendo na
solidão e no negrume da noite o segredo do seu criminoso amor.
Mas na última vez
o moço gentio, querendo desvendar o mistério, usou de um estratagema: tingiu o
rosto com as tintas do urucum e do jenipapo, que vicejavam ali, para marcar a
face da cauta visitante, ao primeiro beijo.
E quando ao nascer
do sol, já na sua aldeia, à margem da lagoa, a moça enamorada foi mirar-se no
espelho das águas — horror! — viu no próprio rosto as manchas negras do seu
crime.
Então, salta sobre
o arco, toma das setas de combate e desprende a primeira para o céu. Outra a
seguiu e mais outra e outra e — ó milagre dos gênios que habitam as montanhas
azuis! — uma longa e aérea cadeia se formou como uma escada de flores
convidando-a a subir aos paramos.
Ela subiu e
transformou-se em Lua. Desde então, triste e solitária, errando pelo espaço, mira-se
nas águas da lagoa, na corrente dos rios e nas vagas do mar, a ver se ainda tem
as manchas do rosto.
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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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