A saia de esquilhas
Um homem rico tinha três
filhas, e costumava ir passar o verão com elas para o campo; ao voltar para a corte
ficou a filha mais velha, que era muito esperta, encarregada de arranjar a
bagagem. Depois de ter tudo arrumado e pronto para partir, foi ter com a
caseira da quinta, que andava no arranjo da sua casa. Em cima de uma caixa
estava uma roca com estopa, e a menina pegou nela para se entreter:
— Menina, não pegue nessa
roca; pode meter alguma pua pelas unhas, e olhe que faz grandes dores.
A velha continuou a governar a
sua casa, quando sentiu um grito; veio ver o que era. Era a menina que tinha caído
desmaiada, sem sentidos. Deu-lhe a cheirar alecrim, alfazema, mas ela não
voltava a si. Apoquentada com aquela desgraça, escondeu a menina, e logo que
anoiteceu foi deitá-la na tapada real; pôs-lhe uma almofada para recostar a
cabeça e cobriu-a com uma manta, fingindo que estava ali a dormir. Passado
outro dia foi lá ver se a menina teria dado acordo de si. Nada. Calou-se muito
calada e voltou para sua casa.
O príncipe costumava sempre
andar à caça, e num dia recolheu-se àquela tapada, porque lhe anoiteceu
depressa; mas foi grande o seu espanto quando descobriu ali uma menina muito
formosa, a dormir, sozinha. Esteve primeiro a olhar para ela muito tempo; já se
sentia apaixonado, e quis acordá-la; ela estava corada e risonha, mas não se
movia. O príncipe quis acordá-la, porque bem conhecia que não estava morta,
queria-lhe falar. Foi tudo impossível. Ali ficou junto dela, e todas as vezes
que podia, fingia que ia para a caça, mas não fazia senão vir sentar-se para o
pé da menina que ele já amava com loucura. Só o criado que o acompanhava é que
sabia do segredo. O príncipe vinha á corte de fugida só quando era preciso, e
tornava para a tapada, onde guardava a menina adormecida, que ainda assim veio
a ter três filhos.
As crianças foram crescendo, e
cada vez se tornavam mais encantadoras; mas o príncipe tinha uma grande pena da
mãe estar naquele estado. Um dia andando um dos pequeninos a brincar em cima da
cama, começou a pegar nas unhas da mãe, e por acaso, sem saber como, fez-lhe
saltar da unha a pua que causara aquela doença. O príncipe, que estava ali,
ficou maravilhado por vê-la mexer-se logo e começar a falar e a beijar os
filhos, como se tivesse voltado à vida. O príncipe contou-lhe tudo como se
tinha passado até ali, e disse-lhe que os seus três filhos se chamavam Cravo,
Rosa e Jasmim. A rainha já andava desconfiada daquelas ausências do filho, e
tratava de ver se descobria alguma coisa.
Uma ocasião o príncipe teve de
ir a uma grande feira, e perguntou à sua namorada se queria que lhe trouxesse
de lá alguma coisa; depois de muitas instâncias sempre disse:
— Pois traze-me de lá uma saia
de esquilhas.
Não havia lá isso, mas o príncipe
mandou-a fazer de propósito; era uma saia cheia de guizos, que tirilintavam.
A menina ficou muito contente com a lembrança. Mas a rainha que maquinava a sua
vingança, e que pelo pajem que acompanhava o filho já sabia tudo, fez com que o
príncipe se demorasse muitos dias na corte. O filho com medo do gênio ruim da
rainha não dizia nada, mas andava cheio de saudades; foi de uma vez que ela lhe
ouviu um suspiro:
— Ai de mim,
Cravo, Rosa e Jasmim.
Isto lhe confirmou a verdade;
a rainha chamou o pajem e disse-lhe:
— Vai já, quando não mando-te
matar, e traze-me aqui o menino Cravo. Diz lá à minha nora que é ordem do príncipe,
que me contou tudo.
O pajem trouxe o menino; mas a
velha rainha entregou-o á criada dizendo:
— Ensopa-me esse menino para o
jantar.
Quando o filho estava
jantando, e com fastio, porque andava muito triste, a mãe disse-lhe:
— Come, come, que teu é.
Passados dias a rainha deu
ordem ao pajem para ir buscar a menina Rosa. Seguiram-se as mesmas coisas.
Depois deu ordem para lhe trazer o menino Jasmim. O príncipe já andava doente,
e a velha rainha, dizia-lhe sempre à mesa:
— Come, come, que teu é.
Por fim não contente ainda desta
vingança, mandou dizer à nora, que viesse à corte, porque a queria casar com o
seu filho. A menina que já andava morta de saudades, por se ver sem os seus
filhos, vestiu-se à pressa com a sua saia de esquilhas, e partiu para a corte.
A rainha estava à espera dela e assim que a viu, deixou-a entrar para um
corredor, e lançou-lhe as unhas furiosa para a afogar. A menina lutou para ver
se lhe escapava, e quanto mais lutava, mais barulho fazia a saia de esquilhas.
O príncipe, que estava de
cama, assim que ouviu aquele som lembrou-se de sua mulher e levantou-se para ir
ver o que era. Viu a rainha querendo estrangular a nora. Chamou gente; e foi
então que se soube das ordens que a rainha tinha dado para matarem os netos. O príncipe
ainda ficou mais aflito e começou a gritar:
— Ai de mim,
Cravo, Rosa e Jasmim!
Foi então que a criada da coxinha
disse que não tinha cumprido as ordens da rainha, e que tinha escondido os
meninos. A rainha foi condenada, e o pajem sentenciado à morte, e a cozinheira
em paga foi feita dama da nova rainha.
(Algarve.)
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