A mulher gulosa
Um homem tinha casado com uma
mulher muito lambareira, mas que fingia que nunca tinha vontade de comer; ele
desconfiado espreitava-a, e veio a conhecer que ela não fazia senão comer
petiscos. Um dia ele saiu de casa, dizendo-lhe que não vinha senão à noite, e escondeu-se
no forno. A mulher como se achou só, cantou e foi arranjar um almoço de
gulodices, que eram formigos de pão esfarelado com mel e ovos. Quando chegou a
hora do jantar guisou uma grande pratada de migas, e comeu e lambeu-lhe o
beiço. Ao fim da tarde, ainda não era bem lusco-fusco, tornou a acender o lume
e ensopou dois franguinhos para a ceia. O marido viu-lhe comer tudo aquilo, e
esteve sempre calado, até que quando lhe pareceu saiu do seu esconderijo, e
fingiu que entrava em casa como quem vinha de muito longe. Ora o dia esteve
sempre de chuva, e o homem vinha enxuto como as palhas; a mulher lá ficou
admirada, e disse:
— Oh homem, com este dia de
água como vens tão enxuto! Onde é que estiveste?
Ele respondeu:
Chovia miudinho
Como os formigos que almoçaste;
Se chovesse graudinho
Como as migas que jantaste,
Eu viria ensopadinho
Como os frangos que ceaste.
A mulher conheceu que já não
enganava o marido, que se serviu deste pé de cantiga para lhe repinicar o
pandeiro.
(Porto)
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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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