A mulher curiosa
Havia numa terra uma mulher
muito curiosa; não se passava coisa na rua de que não desse fé. A qualquer hora
da noite estava sempre por detrás da gelosia a espreitar e a escutar o que ia.
Uma noite estava ela já deitada, quando ouviu passos pela rua; a curiosidade fê-la
saltar fora da cama, e mesmo em camisa foi pôr-se ao postigo. Era uma procissão
que passava, e de que ela nunca ouvira falar. A procissão era muito comprida, e
o que mais a fazia pasmar é que ninguém fazia barulho, nem se ouviam as
passadas daquele tropel de gente. A mulher estava pasmada; eis senão quando
passa um homem que ela conhecia. Era o seu compadre, que havia já tempo que
morrera. Para certificar-se da sua curiosidade usou de uma artimanha:
— Oh meu compadre! disse ela
quando o vulto passou rente ao postigo; você empresta-me a sua tocha para acender
a candeia que se me apagou?
O vulto deu-lhe a tocha e foi
andando; acabada a procissão, a mulher foi para a cama, e não podia dormir;
quando alvoreceu, e se levantou, é que notou que o quarto estava alumiado com
uma luz acesa. Vai para certificar-se, era o braço de um defunto. A mulher
ficou trespassada de medo, e foi confessar o caso a um padre.
— É castigo da curiosidade;
agora é esperar que a procissão torne a passar daqui a oito dias, para entregar
ao seu compadre o braço do defunto.
Chegado o dia, a mulher
curiosa pôs-se ao postigo, e das duas para as três horas da madrugada passou a
procissão dos defuntos do mesmo feitio, sem fazer barulho.
Quando ela viu aproximar-se o
vulto do compadre, estendeu o braço e entregou-lho. A procissão desapareceu ao
cabo da rua, e quando amanheceu foram dar com a mulher morta debruçada ao
postigo. Todos os que a conheciam disseram pela mesma boca: — Foi castigo, foi
castigo.
(Algarve)
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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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