Como
se suicidou Camilo Castelo Branco
No
dia em que, em 1890, se verificou o triste acontecimento, o correspondente do
"Comércio do Porto" transmitiu por via telegráfica para o seu jornal
o relato fiel da tragédia. Contou-a do seguinte modo, em estilo desataviado,
sob a epígrafe: "Os últimos instantes de Camilo Castelo Branco"...
"Descrente
de recuperar a vista, Camilo mandara vir o Dr. Eduardo Machado, notável
especialista em oftalmologia, que residia em Aveiro.
—
Então — perguntou Camilo ao receber a visita do médico — estou perdido para
sempre, doutor?
—
Não; o seu enfraquecimento de vista é próprio da fraqueza geral do corpo;
trate-se dele, que sem dúvida os olhos recobrarão o vigor que lhes falta.
—
Então tratar-me-á em Aveiro? Irei para lá se o Doutor me cura.
—
Não; os ares do mar ser-lhe-ão prejudiciais; vá para o Gerês, onde, no puro ar
das montanhas, há de refazer-se dessa anemia geral que desde muito o prostra.
Camilo,
com o sorriso nos lábios, prometeu seguir o conselho da Ciência, e despediu-se
do médico, que tinha de regressar à casa no comboio das três horas e meia.
No
ato da despedida, como visse que sua esposa ficava com ele, disse-lhe:
—
Então, menina, acompanha o doutor até ao portão!
Apenas
a pobre senhora saiu do gabinete, ouviu-se uma detonação. A esposa de Camilo,
espavorida, e o médico voltaram a ver o que ocorrera, e encontraram o escritor
sentado na sua predileta poltrona de palha, com a cabeça pendente para o lado e
os braços descaídos sobre os da cadeira. Da fonte direita escorria-lhe uma lágrima
de sangue. Quando o viram, ainda respirava; mas não pronunciou mais uma só
palavra, e, hora e meia depois, era cadáver.
O
revólver de que se servira era de fabrico inglês, marca "Bull Dog".
Havia muito tempo que Camilo pedira à família aquela arma. A família negou-lha bastas
vezes, mas a negativa pareceu sobre-excitar
o estado nervoso do romancista, que tais desatinos fez que não houve remédio
senão fazer-lhe a vontade. O filho de Camilo, o Visconde de São Miguel de
Seide, conseguiu iludi-lo muito tempo com cápsulas detonadas; mas há cerca de
dois meses o pai deu pelo engano. Pediu então ao médico, encarecidamente, para
lhe deixar usar a arma devidamente carregada, alegando que, nos pavores de seu
sofrimento, lhe servia de lenitivo o lembrar-se de que, quando as dores se tornassem
insuportáveis, tinha na algibeira com que lhes pôr termo.
O
médico resistiu-lhe por muito tempo, porém Camilo, a quem a doença tornara uma
perfeita criança, tanto se exaltou, tanto insistiu, que lhe deixaram o
revólver, depois de o terem feito jurar que se não serviria da arma.
Depois
de expirar, foi conduzido para a sua alcova, que lhe ficou servindo de câmara
ardente. Lá o vi. Parece mais uma múmia do que um cadáver recente."
Revista
"O Malho", 1 de outubro de 1948.
Pesquisa e
adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...