4/13/2019

Como se suicidou Camilo Castelo Branco


Como se suicidou Camilo Castelo Branco

No dia em que, em 1890, se verificou o triste acontecimento, o correspondente do "Comércio do Porto" transmitiu por via telegráfica para o seu jornal o relato fiel da tragédia. Contou-a do seguinte modo, em estilo desataviado, sob a epígrafe: "Os últimos instantes de Camilo Castelo Branco"...

"Descrente de recuperar a vista, Camilo mandara vir o Dr. Eduardo Machado, notável especialista em oftalmologia, que residia em Aveiro.

— Então — perguntou Camilo ao receber a visita do médico — estou perdido para sempre, doutor?

— Não; o seu enfraquecimento de vista é próprio da fraqueza geral do corpo; trate-se dele, que sem dúvida os olhos recobrarão o vigor que lhes falta.

— Então tratar-me-á em Aveiro? Irei para lá se o Doutor me cura.

— Não; os ares do mar ser-lhe-ão prejudiciais; vá para o Gerês, onde, no puro ar das montanhas, há de refazer-se dessa anemia geral que desde muito o prostra.

Camilo, com o sorriso nos lábios, prometeu seguir o conselho da Ciência, e despediu-se do médico, que tinha de regressar à casa no comboio das três horas e meia.

No ato da despedida, como visse que sua esposa ficava com ele, disse-lhe:
— Então, menina, acompanha o doutor até ao portão!

Apenas a pobre senhora saiu do gabinete, ouviu-se uma detonação. A esposa de Camilo, espavorida, e o médico voltaram a ver o que ocorrera, e encontraram o escritor sentado na sua predileta poltrona de palha, com a cabeça pendente para o lado e os braços descaídos sobre os da cadeira. Da fonte direita escorria-lhe uma lágrima de sangue. Quando o viram, ainda respirava; mas não pronunciou mais uma só palavra, e, hora e meia depois, era cadáver.

O revólver de que se servira era de fabrico inglês, marca "Bull Dog". Havia muito tempo que Camilo pedira à família aquela arma. A família negou-lha bastas  vezes, mas a negativa pareceu sobre-excitar o estado nervoso do romancista, que tais desatinos fez que não houve remédio senão fazer-lhe a vontade. O filho de Camilo, o Visconde de São Miguel de Seide, conseguiu iludi-lo muito tempo com cápsulas detonadas; mas há cerca de dois meses o pai deu pelo engano. Pediu então ao médico, encarecidamente, para lhe deixar usar a arma devidamente carregada, alegando que, nos pavores de seu sofrimento, lhe servia de lenitivo o lembrar-se de que, quando as dores se tornassem insuportáveis, tinha na algibeira com que lhes pôr termo.

O médico resistiu-lhe por muito tempo, porém Camilo, a quem a doença tornara uma perfeita criança, tanto se exaltou, tanto insistiu, que lhe deixaram o revólver, depois de o terem feito jurar que se não serviria da arma.

Depois de expirar, foi conduzido para a sua alcova, que lhe ficou servindo de câmara ardente. Lá o vi. Parece mais uma múmia do que um cadáver recente."

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Revista "O Malho", 1 de outubro de 1948.
Pesquisa e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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