Clarinha das Pedreiras
Uma pedreira representa nada
menos que esse bichinho vil da terra, como chamava o rei-harpista do Velho
Testamento, o átomo inteligente, arcando com a majestosa enormidade do granito.
Diante daquela muralha vasta, branca a doer nos olhos, ligeiramente veiada de
negro, sonha-se com os dias infernais, em que as erosões vulcânicas rasgavam a
virgindade do solo do planeta em formação, encarreirando as serranias, como
dentaduras arreganhadas para o céu; e se imagina depois que um pobre diabo de
homem, com alguns punhados de pólvora na mão e uma simples agulha de ferro e
uma caçamba d'água, sem ouvir os cânticos sangrentos da corneta, sem avistar os
acenos eletrizantes das cores de uma bandeira, marcha tranquilo a destruir a
construção formidável dos cataclismos do passado...
Também o trabalho das pedreiras é
feroz; é a luta pela vida, sem figura de retórica. Ai se dá combate ao sol
reverberado nas faces alvacentas da rocha talhada; dá-se combate à vertigem
que, do fundo erriçado dos precipícios atira uns olhados de Medusa; dá-se
combate à pedra, que se defende com as chispas que queimam e as lascas que
cegam. A morte está sempre perto: ao fundo dos cortes a pique; na grimpa dos
rochedos que se levantam ameaçadores e deixam apenas um ângulo encravado no
saibro movediço.
Da insolação não se fale...
Sente-se uma impressão profunda,
à vista dessa catadupa grandiosa de blocos imobilizados na queda.
O desabamento estatelado!...
Por isso é que o gênio
impressionável de Alexandre o levava a passear frequentemente, à tarde ou ao
alvorecer, pelas pedreiras da Assunção, as mais altas talvez e as mais
arrogantes do Rio de Janeiro. Era um prazer para ele, abandonando o caminho de
subida, agarrar-se às arestas cortantes das grandes pedras e alar-se a boa
altura para ver...
Ao pôr-do-sol, os penhascos
esticavam para a esquerda umas projeções longuíssimas de sombras; que lhes
ficava o astro para a direita, descendo os contornos verticais do Corcovado.
Para baixo desenrolava-se a rampa do precipício. Um precipício esplêndido. Mil
reentrâncias e mil saliências ásperas, agudas, abruptas, denteadas, que faziam
arrepios à imaginação afigurar-se um desgraçado em degringolada por aquelas
unhas. Além, cobrindo o horizonte, o cone do Pão d'Açúcar e as montanhas verdes
de Botafogo e Copacabana, prolongadas até às eminências da Gávea e dos Dois
irmãos. Mais próximo, a enseada, como uma vasta placa de anil, margeada pela
casaria do arrabalde fidalgo, batido de flanco pelas espadas vermelhas e
rútilas do sol poente.
Era a hora em que terminava o
serviço dos cavouqueiros. Ficava a pedreira sem viva alma.
Por entre as pedras insinuava-se
um cão rateiro e esfomeado. E ouvia-se, como o toque significativo de uma
sineta, o ruído metálico e tilintante da última alavanca, atirada do alto pelo
derradeiro operário a retirar-se.
Ao romper do dia a cena era
outra.
Geralmente, quando Alexandre
chegava, ainda o cobria o céu com a sua coma azul empoada de estrelas. Dançavam
no oriente as primeiras brancuras do dia, passando pela cortina esburacada de
qualquer nevoeiro negro achatado sobre o firmamento. Aos pés do mancebo dormia
o panorama de Botafogo, velado por um lençol tenuíssimo de vapores. Através dos
vapores se distinguia a massa pardacenta da casaria entremeada de um
negro-esverdeado pela perspectiva dos jardins e das chácaras, com um ou outro
ponto luminoso brilhando a esmo.
Quando, por tudo aquilo, se
espraiava o luar da alvorada, percebiam-se as notas assobiadas de alguma
cantiguinha popular; e lá vinha subindo um homem pelo declive que levava até
certa altura da pedreira.
Era o primeiro operário que
chegava. Depois deste, chegavam outros, em pequenos grupos, calados ou
mastigando meias palavras, sem olhar para os lados; jaquetão atirado ao ombro e
em cima do jaquetão umas ferramentas brutas, pesadas, cheias de ferrugem. Era o
exército do trabalho.
Em coisa de poucos minutos,
dispersavam-se para todos os pontos. Este havia que passava mão a um cabo, cuja
extremidade se perdia pela pedreira acima, e desaparecia na altura, arrastando
uma barra de ferro; aquele sentava-se a um lajedo, sob uma coberta de estopa,
armada cm taquaras, e punha-se a picar a pedra com o dente de um ponteiro ou o
corte de um escopro batido a macete; um outro elevava acima da cabeça e fazia
desabar com todo o peso o picão agudo, fragmentando pedras para o fabrico dos
macacos, muitos armavam-se de longas agulhas de ferro e iam brocar a rocha com
as minas destinadas ao alojamento das arrobas de pólvora que tinham de fazer
voar o granito.
Nisso apontava no horizonte um
estilhaço de sol.
Já então ressoava a encosta, aos
golpes de cem martelos e os - passarinhos despertados fugiam espavoridos por
entre a mataria das montanhas.
Escapando-se aos ardores do dia,
Alexandre ia para casa. No caminho, aguardava-o certa insignificância graciosa,
que era também para o moço um atrativo daqueles passeios; sem chegar, diga-se a
verdade, a ser o principal, como bem podiam insinuar as linguinhas da malícia.
Em saindo das pedreiras, tinha-se
de passar por uma estrada, rasgada numa rampa de esmeraldino capim de Angola,
juncada de cordões de frade com os seus nós de espinhos e floritas roxas,
balouçando-se ao lado dos matacões que os tiros da pedreira semeavam na
planície.
À margem desse caminho, listrado
de sulcos pelas carroças a serviço dos cavouqueiros, havia (se existe ainda, -
não sei) uma habitação edificada no estilo pitoresco e barato da miséria. Teto
chapeado de zinco, com declives íngremes arrimados em tábuas podres e paredes
de barro crivado de grandes furos; três janelas abertas para a estrada e uma
porta para um cercado de bambus secos, em T, com meia dúzia de estacas de
pinho.
No cercado havia couves e tinas
d'água. Por cima das couves voavam reflexos de borboleta; no teto de zinco
passarinhos cantavam, nos rombos do barro, aninhavam-se pombos. Não era
exatamente a essas coisas que Alexandre dava atenção.
Era a um par de mãos níveas,
pequenas, às voltas com uma costura, mimosas extremidades de braços modelados
por... qualquer chapa de poeta lírico. Estes braços, nus como a inocência, até
aos cotovelos, enfiavam-se timidamente pelas mangas curtas de um corpinho de
musselina que em outro ponto comprimia com força duas resistências esféricas,
de uma geometria provocante a mais não poder. Para cúmulo, rasgava-se, das
resistências acima, um modesto decote, donde, fresca e jovial emergia,
desabrochava uma cabecinha peregrina. Um camafeu delicado, róseo, transparente,
rodeado de pequenos cachos negros em delicioso descuido, com muito sorriso na
dobra dos lábios, muito fogo nos largos olhos e nas palpitantes narinas...
Era arrebatadora na sua janela,
essa costureira! A estrela d'alva à sombra de um reles teto de zinco.
Alexandre variava. Chamava a sua
estrela d'alva, só quando a via de manhã; pela tarde chamava-a de Vésper.
Uma vez, voltava o moço do seu
habitual passeio quando teve de assistir a uma cena que espinhou-lhe a
curiosidade.
Na ocasião em que passava pelo
casebre de zinco, viu um molecote dos seus sete anos, vestido de riscado,
cabeçudo como um feto, preto como o diabo, salientes os olhos, como se já não
lhes houvesse lugar dentro do crânio. Sem se preocupar com Alexandre, o
demônico, que levava na mão um objeto oculto, foi até à janelinha de peitoril,
carcomido, onde, como era frequente, cintilava a estrela Vésper e
entregou-lhe... uma camélia vermelha.
Pouco lido na filologia das
flores e em simbolismos de namoro o mancebo não adivinhou o sentido daquilo.
Bem possível era que nada mais significasse do que simples oferta delicada de
um galanteador, talvez mesmo de qualquer amiga da mocinha do casebre. Não sei
que palpite o fazia pender para a primeira hipótese. Não havia dúvida! Com ou
sem explicação gramatical, aquilo era uma frechada de Cupido!... Tinha notado
que a mocinha se debruçara na janela, espiando para os pilares que abrem
passagem do terreno pertencente às pedreiras para a rua da Assunção.
Aí devia encontrar a verificação
da sua desconfiança. Enfrentou de repente com um rapagão alto, robusto, moreno,
fisionomia farta de satisfações, tênues bigodes negros, lábios risonhos e
grossos; tudo sob um pequeno chapéu de palha e acima de um peito largo,
apertado casimiras. Trazia na mão um chicotinho com argola e corrente de prata
ao cabo.
Alexandre ficou sombrio; e seguiu
para sua residência, absorto em solilóquios mentais...
Três ou quatro dias depois,
também à tardinha, de volta às pedreiras, Alexandre deparou outra vez com o tal
rapagão, pouco distante do casebre da moça contemplando atentamente a muralha
de granito.
— Que imensidade! Murmurava,
quando Alexandre passou.
Implicante sujeito! Esse marmanjo
era uma ameaça terrível para a costureirinha.
Alexandre pensou em intrometer-se
no romance, tomar contas ao marmanjo. O nobre mancebo estava possesso de ciúme;
mas o ciúme generoso que se sente, ao ver um garoto arrancando uma rosa ao
pedúnculo para depois abandonar ao esgoto. Se era tão agradável apreciar-se a
flor...
E bem garoto lhe parecia o
marmanjo.
Desta ocasião em diante, o
habitué dos pedreiros não tornou a ver, nem a sua Vésper, nem a sua estrela
d'alva...
Isto causou desgosto a Alexandre.
Os seus costumados passeios foram deixando de ser frequentes. A vista daqueles
lugares trazia-lhe à mente tristes recordações da rapariguinha do pardieiro de
zinco, de quem Alexandre egoisticamente não se quisera lembrar.
Contudo, o moço de vez em quando
lá ia...
Assim foi que, por um dia
tempestuoso, ele se abalou de casa a visitar o sítio antigamente de sua
predileção. Alexandre frequentara a pedreira como quem frequenta um jardim
público, que não lhe fica longe de casa. Era um hábito adquirido, um hábito na
verdade excelente como higiene.
O mancebo, porém, se desgostara
um tanto com o seu hábito...
Eram cinco horas ou mais. O céu
estava carrancudo como um homem perverso. Cúmulos enormes estampavam-se na
abóbada. Moviam-se lento. Formavam monstruosos leões de escancaradas fauces que
iam derramando pelo ar negras jubas de proporções fabulosas; formavam gigantes,
que engordavam, avultavam a olhos vistos e dissolviam-se por fim em
conglobamentos informes.
Ouviam-se uns estremecimentos
sonoros, que chegavam das nuvens, como se lá em cima se afinassem os tambores
da trovoada.
Apesar de tudo, Alexandre saiu a
passeio. Se a tempestade desabasse, ele gozaria um espetáculo admirável nas
pedreiras.
No fim de dez minutos estava o
moço à raiz das colossais muralhas de macacos, dispostos como os lances de
cantaria de uma fortaleza respeitável. Concedeu dois olhares a essas pilhas de
paralelepípedos, aqui e ali desmoronados pelas alvanias, e tomou a ladeira de
saibro grosso o canjica que, pelo meio de duas carreiras de lajedos, servia
para a subida de veículos até dois terços da elevação das pedreiras.
Por fim, sentou-se num dos
lajedos e olhou em torno. Tudo estava deserto. Apenas sentiam-se ao longe as
marteladas férreas de um picão.
No espaço encontravam-se as
eletricidades, abraçando-se em trovões e se beijando em coriscos. Na planície,
em Botafogo, havia poucos rumores e muita escuridão difusa. As negruras do
firmamento vazavam na terra uma noite precoce.
De improviso, caiu a chuva.
Pingos grossos como cusparadas,
que num momento multiplicaram-se fazendo um aguaceiro cerrado, abundante,
torrencial.
Alexandre abriu o guarda-chuva e
abrigou-se por baixo de um penhasco cavado. Ouviu então o ruído de um
desmoronamento.
— Mau! Mau! Murmurou, vamo-nos
embora que ainda a casa nos esmaga...
E saiu correndo do abrigo que
escolhera. Desceu a ladeira até que avistou uma espécie de barraca, feita de
esteiras, debaixo da qual havia alguém.
— Oh! Exclamou a pessoa que lá
estava: o senhor anda aqui, por este tempo?! Deixe chover um pouco mais e verá
como aí vem tudo pela pedreira abaixo... deixe encharcarem-se as cunhas...
O mancebo lembrou-se do
desmoronamento que ouvira e do costume que têm os cavouqueiros de encher de
cunhas de madeira as fendas da rocha, para se aproveitarem da chuva.
— Olhe! Gritou o homem da
barraca, que pareceu ao moço ser o trabalhador de cuja ferramenta ouvira as
marteladas antes da chuva. Olhe as cunhas já começam!...
Algumas pedra acabavam de rolar à
distância.
A chuva foi aumentando.
Fortes esfuziados do vento foram
obliquando os pingos d'água, de sorte que na barraca já não se estava a salvo
de um banho.
— Aqui não estamos bem, disse a
meia voz o cavouqueiro.
— Na verdade, vamos ficar
pingando.
— Está vendo ali aquela casinha?
É onde eu moro... Quer abrigar-se... Vamos...
O cavouqueiro apontava exatamente
para o casebre, onde outrora o moço via cintilar a sua estrela.
Pela primeira vez, examinou
Alexandre a pessoa de seu companheiro. Cabelos e cara formavam-lhe como que uma
bola de estupidez. O queixo tinha barba, uma coisa inculta, esquálida, os olhos
não tinham expressão, a boca não tinha sorrisos.
Mas parecia um estúpido bom.
Acabando de falar, enterrou a
cabeça num enorme chapéu de feltro que apanhara no chão, cobriu os ombros com
uma jaqueta grosseira e atirou-se precipitadamente à chuva, direito para o
casebre.
Atrás foi Alexandre.
Dentro de um instante, viu-se o
moço abrigado em casa do cavouqueiro, isto é, ali mesmo onde residira a
deslumbrante criatura que tanta graça comunicava aos passeios doutro tempo.
O cavouqueiro, que entrara antes
do moço, tinha desaparecido, este ficara só, num compartimento de tabuado que
parecia servir ao mesmo tempo de sala de recepção e de jantar, com as suas
quatro paredes forradas de espessas camadas de fumaça e com a sua mobília
constante de caixões, velhos bancos, cadeiras negras de idade, tendo apenas no
assento buracos barbados de fiapos de palhinha lastimáveis como bocas de
mendigo, ferramentas amontoadas. Uma fumaceira de fazer espirrar. Por volta,
abriam-se quatro portas; uma era a de entrada, outra dava para um buraco negro,
fundo e fumegante, talvez uma cozinha; a terceira estava cerrada e a última
deixava entrever uma alcovinha que pela posição devia ser a mesma a cuja janela
costumava trabalhar a estrela d'alva. Parecia estar se vendo aí dois olhos
negros e grandes, espiando para fora.
Nisso pensava Alexandre, quando
moveu-se a porta cerrada para dar passagem a uma pessoa.
Era uma mulher; trazia na mão uma
pequena candeia de pouca luz e muito fedor de azeite.
Deu boas noites ao moço e
pendurou a candeia num ganchinho à parede.
— Permita-me que espere aqui pelo
fim da chuva... Desculpe-me se incomodo...
— Ora, meu bom senhor, isto até
dá alegria a gente... fazer-se uma boa obra... Olhe, eu já na minha terra ouvia
do padre: dai pousada aos peregrinos... Então? É o que Nosso Senhor manda... e
quem...
Como dava de língua aquela senhora
magra e comprida! Era um achado para o moço. Ele esperava apenas que passasse o
temporal, mas não quisera retirar-se sem levar boas notícias da costureira
sumida.
Aquela mulher as daria
necessariamente. Falava muito e parecia simpaticamente ingênua.
Enquanto tagarelava ia ela
fechando as janelas, para resguardar do vento a luz da candeia. Quando por cima
da casa rebentou um violento trovão, a velha rezou a Santa Bárbara e deixou de
falar.
Ao trovão seguiu-se um estrondo
assustador, sonoro como muitas descargas de mosquetaria simultâneas.
Alexandre correu à porta do
casebre. Pela encosta da pedreira, desabava, rolava, saltava, despenhava uma
cachoeira faiscante de pedras e estampidos. O casebre tremia como se tivesse
medo. O fracasso cresceu atroador e foi cessando depois no prolongamento surdo
dos ecos.
— Que terrível desmoronamento!
Exclamou o moço, voltando-se para a mulher ou coisa que o valha do cavouqueiro
dono da casa.
— São as cunhas, disse ela...
Isto já não me faz medo como os trovões. No princípio, sim... eu me assustava,
mas há tantos anos que vejo isso, sempre que chove,..
E passou a linguaruda a explicar
o emprego das cunhas, etc.
Alexandre interrompeu-a:
— Mas, a senhora está aqui há
muito tempo?...
O mancebo não deixara escapar a
entrada que lhe dera a mulher.
— Oh! Se estou!... Respondeu ela,
e...
— Então, conheceu uma linda
rapariguinha que...
— A Clarinha das Pedreiras!...
Para sinal que aqui mesmo morava... aquele anjinho!...
— Essa mesmo... Que fim levou-a?
— Ah, meu senhor, que saudade!...
Aquele anjinho abandonou a gente... Que ingratazinha, valha-me Deus!... E eu
não dou muito pela sua felicidade agora... Nós a encontramos atirada ai pelas
pedreiras, quando ainda tinha uns quatro anos. Já era lindinha; mas estava tão
mirrada!... Ainda não falava que se entendesse. Não se sabia quais eram os
malvados pais daquela criança desventurada. Trouxemo-la para casa. Tinha fome a
pobre!...
Estava sujinha, que chorei de
pena!
Pois nós demos de comer, demos de
vestir, fizemo-la nossa filha. Eu e o meu homem cuidamos dela como do
pequerrucho que nos dera Deus e nos tomara há tempo. Sustentamo-la por mais de
dez anos, trabalhando como burros para ela não ter de que chorar. A Clarinha,
ela nos dissera chamar-se assim. a Clarinha, em compensação, era uma santa
criança. Tinha tanta graça que nós a adorávamos, com perdão de Deus...
E agora, de repente, há uns dois
meses desaparece-nos de casa... Tenha compaixão dela Virgem Maria!... Toda a
gente aqui das pedreiras se pôs a procurá-la por todos os cantos. Não havia
quem não gostasse da Clarinha das Pedreiras, como a conheciam. Sei de muito
rapaz que andava caído por ela. O senhor, que pede-me novas da menina por tê-la
visto, aposto que já gostava dela. E era um anjo mesmo!... Abandonou a nossa
casinha. Procurou-se por ela; o administrador das pedreiras falou ao inspetor
do quarteirão. Quando menos a gente esperava, um criado todo bem vestido veio
nos dizer que a Sra. D. Clarinha não queria mais viver conosco, e ia se casar
com um moço rico que por aí anda... Deus queira que ela seja bem feliz, a
pobrezinha; mas... eu não digo nada...
Esta breve história, interrompida
várias vezes pelo rumor de um desmoronamento lá fora, não surpreendeu a
Alexandre, porém abalou-o profundamente.
Diante dos olhos dançavam-lhe as
recordações de um moleque fetal, uma camélia vermelha e um rapagão bem trajado,
com seu chicote de cabo de prata.
A chuva cessara.
Ele despediu-se da boa mulher,
agradecendo o abrigo que lhe dera contra as fúrias do temporal e as informações
sobre a sua estrelinha, e saiu para a estrada.
A lua, nascida durante a
tormenta, estava a brilhar sobre o firmamento limpo. Espalmava-se em toda a
largura de uma boa gargalhada.
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