A tristeza de Antônio Nobre
De toda a poesia portuguesa, são
sem dúvida os versos de Antônio Nobre os que, hoje, mais fascinam a juventude de
nosso país.
Os versos de Antero, que
obedeceram aos princípios filosóficos da destruição do "eu" e da inanidade
dissolvente, já não atraem os moços de hoje como atraíram os de ontem.
O Sr. Manoel Bandeira dedicou aos
males de Antônio Nobre um poema que todos sabemos de cor e jamais esqueceremos.
Em seu volume "Tristão de Ataíde
e outros estudos", o jovem e compreensivo ensaísta gaúcho Carlos Dante de
Moraes dedica um punhado de sugestivas páginas à tristeza de Antônio Nobre.
Diz o Sr. Carlos Dante de Moraes: "Bem
cedo a desventura se instala na alma e no corpo do sonhador, um temperamento
melindroso de aristocrata, de nervos finos e delicados. Porém, saber-se eleito
da desgraça é o clima da sua sensibilidade, o seu fado de poeta, que ele aceita
com tristeza voluptuosa. A natureza enfermiça, cada ano que passa, lhe aguça os
sentidos, cada vez roais vibráteis a esse mundo exterior, que atravessará por
pouco tempo... Ele começa a existir unicamente para a doença, a sina, as
desditas, as lembranças ternas da infância e da meninice. O seu íntimo
entenebrece e não admite senão correspondências fúnebres. O vento o histeriza e
lhe põe a alma assim como um mar encapelado. A lua cheia infiltra amavios
aflitos e concepções cerebrinas. Vêm ocasiões em que o vermelho, aquele gritante
das papoulas, das camélias e rainúnculos, faz pular o seu sangue linfático e
delirar a imaginação em manchas escarlates..."
Apesar de todos esses temas de
sofrimento e alucinação, nada existe de mais realista que a visão poética de Antônio
Nobre.
"É verdade que trouxe do
berço um condão imaginativo capaz de despertar mundos irreais, sugestões de
magia. Muitos dos seus versos guardam mesmo qualquer coisa de cantilena bruxa.
Todavia, predomina a maneira direta de olhar e sentir o mundo, segredo seu a
que tudo se incorpora, o ímpeto feiticeiro das imagens, o perfil rude dos
simples, as cenas da infância que se gravaram na sua memória. E é essa que dá
ao "Só" um realismo desabusado e pitoresco, malicioso ou sarcástico,
sem precedentes na poesia lusa".
Para o Sr. Dante de Moraes,
"Purinha", a moça "boa, excepcional, quase divina", é toda
ideada, sonhada, "porém com o bafejo de uma sensibilidade que quer vidência
e tato".
Sendo realmente um
"só", Antônio, "não convivia senão com os seus desgostos".
"Viajou pelo velho e o novo
mundo, visitou capitais, sulcou mares, aportou a ilhas, subiu a montanhas,
muitas vezes em estação de cura e repouso, mas não podia ver e amar senão a si
mesmo. Compenetrado de que a sua passagem pela terra seria breve, fez da
melancolia um elixir capitoso. De parceria com o poeta estava o doente que se
contemplava como um fim. Por isso, todos os seus desejos e caprichos, a
preocupação exclusiva de si, adquirem esse relevo exagerado, de primeiro plano,
que quase encobre o resto da perspectiva."
E nisso situa o Sr. Carlos Dante
de Moraes "também o seu amor próprio, a sua vaidade, porque ele foi belo
fisicamente, amado e querido das mulheres; e o desdém, a petulância, que
irritavam os homens".
Esperava, assim, a visita de Dona
Morte entre madrigais e sarcasmos...
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Revista "Vamos Ler!" - 17 de julho de 1938.
Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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