2/16/2019

Sensação estranha (Conto), de Iba Mendes



SENSAÇÃO ESTRANHA 

Acordou naquela manhã com a estranha sensação de que alguma coisa fora do comum deveria acontecer durante o dia. Não atinava, porém, se seria algo bom ou ruim.

Embora não fosse dado às práticas supersticiosas, ainda assim, desde que se levantou buscou manter-se precavido e atento a tudo que fazia: quando pisava o chão, quando descia e subia às escadas, quando ouvia a campainha, quando ingeria algum alimento, quando atendia o celular, entre muitas outras tarefas habituais, procurando vigiar-se o tempo todo para fazer cada coisa com a devida serenidade e precaução.

É bem verdade que via tudo aquilo como uma inominável insensatez, no entanto a singularidade daquele hipotético evento, aquela sensação repentina e surpreendente, de algum modo abrandava em sua mente os efeitos daquela circunstância ridícula, principalmente para alguém como ele, que se vangloriava de seu ceticismo e que até já lera “O Anticristo” de Nietzsche e toda a obra de Richard Dawkins.

No decorrer do dia evitou comentar o assunto com a companheira, limitando-se apenas a dizer que estava muito indisposto e que por isso não iria ao trabalho. A atitude do marido surpreendeu a mulher, uma vez que não era comum vê-lo faltar ao serviço, ainda mais agora que tinha sido transferido para o Departamento de Compras, passando a ganhar três vezes mais e onde pretendia galgar novos ares.

Nesse ínterim, viu-se ele em meio a um emaranhado de incertezas filosóficas e titubeou em seu inabalável ateísmo. Um pressentimento desta natureza, tão extraordinário assim, deveria ter um sentido que se colocasse acima do banal da lógica humana. E desta forma ele invocava a máxima de Hamlet: “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia”.

No entanto, findava-se aquele agitado dia sem qualquer sinal de assombros ou sobressaltos que pudessem apontar para os mistérios do príncipe da Dinamarca.

Ao aproximar a noite, fora tomado por um sentimento de culpa corrosivo, que veio abater-lhe o espírito. Ora, onde já se viu acreditar em tamanha parvoíce! Por que se deixara dominar por sentimento tão absurdo e ridículo, a ponto de faltar ao serviço, pondo em risco o próprio emprego?

Ao fim da noite recuperara completamente sua natural lucidez e, mais do que nunca, sentia-se profundamente cético a respeito de tudo e de todos, o que incluía a ingênua crença em acontecimentos sem uma causa lógica, os quais não estivessem devidamente embasados na Ciência, e que não pudessem ser testados em retortas e em tubos de ensaios, tudo nos moldes da “Navalha de Occam”. E foi assim que dormiu tranquilamente como quem acabou de se libertar de incômodos grilhões.

No dia seguinte, porém, amanheceu introspectivo e ansioso. Beijou a mulher e saiu apressadamente com a estranha sensação de que seria despedido da empresa... 

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