O TIETÊ
De tarde, quando o
sol poucos brilhos expande
Sozinho, a meditar
em tanto não sei quê,
Torno o rumo da
Luz, von até à Ponte Grande,
A fim de conversar
com o meu velho Tietê...
A cabeça recosto
e, por cima da grade,
Vejo as águas em
toda a largura leito;
E então ele me
conta a história da Cidade,
— Criança que mamou
e cresceu no seu peito.
Cofiando
lentamente a barba de cem anos,
O bom velho me
conta essa história, e também
Fala do tempo do
hoje e dos seus desenganos,
Mas não zangado e
não xinga ninguém.
Refere-se às
Monções que ele, soberbamente,
Tantas vezes
levou, na taina das conquistas.
Escutando pulsar o
coração valente
Daquela geração de
valentes paulistas!
Tempo em que num
tropel, num bizarro alvoroço
De armas e de
embarcações, como agora não há,
Partiu para o
sertão, rumo de Mato Grosso,
Pascoal Moreira,
fundador de Cuiabá
E a cidade crescia.
Ora os pais em que pensam
Ele vendo-a
crescer, dava-lhe mais ternura,
Quando a filha jovial
vinha pedir-lhe a bênção;
Mas agora cresceu;
nunca mais o procura!
E, por isso,
arrastando o lamento das águas,
De parcel em
parcel, de cachão em cachão.
Vai levando no
seio outro rio de mágoas,
Ao qual não
sobredoura a espuma da ilusão.
Meu ingênuo Tietê!
o progresso o apavora!
Por toda a parte
vê trevas e encanamento,
E, por isso, a
tremer, todo nervoso, implora
Que lhe vão tapar o
azul do firmamento!
Que importa a
ingratidão da cidade querida,
Que, de longe, lhe
mostra os altivos torreões?
Enquanto ele tiver
uma gota de vida
Há de beijar-lhe
os pés, cheio de comoções!
Tem saudades também
o desditoso Rio!
E então a sua voz
é de cortar rochedo,
Quando, quase a
chorar, num longo murmúrio,
Começa a recitar Álvares
de Azevedo!
Castro Alves muita
vez o despertou num grito,
Que imitava um
trovão, num medonho escarcéu,
Quando um pé no Himalaia
e outro no infinito,
Se a punha a interpelar
as estrelas do céu!
Mas agora só
escuta uma horrenda algarvia,
No bárbaro vozeu
dos bandos invasores.
Oh tempos de Albuquerques!
Oh pobreza e alegria,
Quando Piratininga
era um cabaz de flores!
Então, remos ao léu,
descia a serenata,
Em macio langor,
em macio langor...
E uma voz de
mulher, como um jorro de prata,
Espalhava no
ambiente um queixume de amor.
Havia quietação e mistérios
de sombra
Na renque dos bambus,
arqueados de indolência;
E dois noivos, a
sós, na doçura da alfombra,
Abriam a alma em
flor, como um vidro de essência.
Antes nunca
deixasse o veio transparente
Em que um dia
nasceu e até hoje bendiz!
Ah corrente fatal!
ah teimosa corrente.
Que o fez grande
demais para ser infeliz!
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Correio Paulistano, 18 de fevereiro de 1906.
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