O PLANO
Não
se sentia humilhado somente, mas também decepcionado e terrivelmente indignado.
Onde já se viu tratar um ser humano assim desse jeito? pois ele verá com
quantos paus se faz uma canoa!
Durante
todo aquele dia não conseguia pensar em mais nada. Até a madrugada não pôde
dormir, e os instantes em que cochilou foram apenas de pesadelos. Só um
sentimento o dominava completamente: o de vingança!
Acordou
com um maquiavélico plano na cabeça. Não vislumbrava, porém, um meio de
colocá-lo em prática, pelo menos por ora. Era preciso estudá-lo detidamente,
analisar bem cada etapa e só então partir para a ação, para o tão almejado
desfecho.
De
posse de papel e caneta, começou a traçar cada estágio do plano; avaliava
minuciosamente os meios e as consequências, calculava os pós e os contras, o
que era preciso para suplantar uma etapa e alcançar outra etc. Planejava tudo
isso vislumbrando mentalmente o rosto atônito do oponente, seu semblante
carregado de pavor, suas expressões de arrependimento e o gran finale,
quando se via, sorrindo, cara a cara com o inimigo, o qual, lançando-se de
bruços por terra, clama-lhe por misericórdia. Seus olhos brilhavam. Sorria por
dentro...
Tais
pensamentos povoavam-lhe a mente o tempo todo, alimentava-lhe o espírito e
enchia-lhe de ânimo e de vontade de viver. Se algum remorso sentia, lembrava-se
da injustiça que sofrera e se consolava sobremaneira com a possibilidade de
revanche. Nada lhe importava mais, e o desejo por vingança obcecava-o de tal
modo que ao mirar o espelho não via sua própria imagem, mas o reflexo vivo do
outro, que lhe aparecia com um riso escancarado e grotesco, riso de puro
escárnio.
Quem
o conhecesse, jamais suspeitaria que portasse no coração erva tão daninha! Era
comum dizer-se dele que tinha a sensibilidade de uma mãe extremosa; contavam-se
ainda que era o tipo de pessoa que não tinha maldade no coração e que servia a Cristo
com o mesmo fervor dos santos. A verdadeira religião, costumava ele dizer, é
amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Por isso,
gostava de fazer caridade, distribuía esmolas à porta da igreja, fazia orações
pelos doentes e necessitados e, vez ou outra, até jejuava pelas causas alheias.
É
bem verdade que tais sentimentos religiosos o incomodavam deveras,
martelavam-lhe a consciência e o acusavam diuturnamente de violação aos
preceitos divinos... Tinha agora a oportunidade real de vivenciar o mandamento
bíblico, de resistir à tentação maligna; todavia, o sentimento de ojeriza pelo
adversário o dominava inteiramente até o mais profundo da sua medula espinhal.
Era algo que não conseguia dominar e para o qual apenas via uma saída:
consumá-lo.
Vindicta
tarda sed gravis.
Assim
traçou seu plano e buscou executá-lo logo na manhã do dia seguinte. Cuidou em
rever cada passo, avaliou novamente todas as alternativas, calculou com
exatidão todos os procedimentos e concluiu, com um largo sorriso, que elaborara
um plano perfeito. Por fim, vingar-se-ia de tão grande humilhação!
À
noite não conseguia dormir. Estava ansioso por ver chegar o tão almejado dia.
Pegou no sono só de madrugada. E sonhou... Sonhou que tendo executado seu
audacioso plano, fora conduzido por um anjo à presença de Deus, o qual lhe
interrogava se não havia lido os santos mandamentos das Escrituras. Ele
respondia que sim, mas que tinha cedido às artimanhas de Satanás e que por isso
havia cometido tão execrável crime. O senhor então lhe disse: “Apartai de mim,
maldito, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”. Quando
percebeu que adentrava as labaredas do inferno, deu um grito e acordou. Estava
transpirando e atordoado.
De
manhã, levantou-se e se ajoelhou perante a imagem de um santo. Rezou três
padre-nossos e três ave-marias. Em seguida pôs-se de pé e saiu. Dava assim o
primeiro passo de um plano friamente calculado...
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