2/16/2019

O Grande Carimbamba (Conto), de Iba Mendes



O GRANDE CARIMBAMBA 

Era o curandeiro mais afamado e respeitado de toda aquela redondeza; considerado por muitos como um homem a quem os céus privilegiaram com o dom da cura e dos prodígios. Dizia-se que até paralíticos ele fez andar. Atribuíam-lhe ainda outras proezas, tais como a de trazer os maridos de volta ou, caso necessário, a de mandá-los para os diabos.

Além de lhe render fama e muito prestígio, seus milagres acrescentaram-lhe também uma excelente fortuna, não obstante exteriorizasse a simplicidade de um Francisco de Assis ou a pobreza de uma Madre Teresa de Calcutá.

Ausentava-se dos necessitados uma vez por ano durante trinta dias, quando fazia uma prolongada viagem, geralmente para Las Vegas nos Estados Unidos. Não era isso, porém, que fazia constar no aviso à porta da famosa “Tenda dos Milagres”, também denominada de o “Pronto-Socorro da Fé”. Alertava-se ali “que o curandeiro partiria para um retiro espiritual nos lugares santos, e que logo retornaria com muito mais unção para trazer alívio aos sofredores”.

Alguns, porém, os mais céticos, chegaram a duvidar dos poderes miraculosos do grande curandeiro. Dentre estes, um próspero fazendeiro dado aos estudos de filosofia e das enciclopédias. Lançou o homem um desafio ao poderoso carimbamba. Dava-lhe a escritura lavrada de todas as suas propriedades caso ele fizesse crescer a perna amputada do velho mendigo da praça.

Entretanto o feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Dias depois o rico proprietário de terras fora alvejado com três tiros na perna esquerda, cuja consequência imediata foi sua irreversível amputação.

A notícia espalhou-se como a força dos furacões pelos arredores. “Não se pode zombar do homem de Deus”, afirmavam alguns mais fervorosos; “foi castigo dos céus”, diziam outros em tom admoestatório e provocativo.

O episódio fez acrescer ainda mais a influência e o prestígio do grande feiticeiro. O jornal da cidade anunciou a chegada de alguns estrangeiros oriundos do Equador e da Venezuela, os quais peregrinavam por essas bandas em busca de cura para suas moléstias. O prefeito aproveitou-se da ocasião para tirar também vantagens dos prodígios do milagreiro. Mandou erigir uma enorme estátua de bronze em honra ao “GRANDE CARIMBAMBA”, o que lhe rendeu grande popularidade e até o inesperado apoio da oposição.

Era um dia como outro qualquer, quando as ruas amanheceram em alvoroço, por causa de um anúncio afixado na porta da “Tenda dos Milagres”, o qual, em caracteres destacados com letras rubras, convocava a atenção pública para um evento ali denominado de “O Grande Dia dos Milagres”, a ser realizado na grande praça da cidade dali a um mês. As rádios e os jornais da região se incumbiram de espalhar a notícia e de alardear os feitos do grande homem. Esperavam-se grandes caravanas, inclusive com a chegada de devotos de outros países, alguns dos quais oriundos da Europa e da Ásia.

Era feriado nacional. A praça estava completamente tomada de um extremo a outro. Pessoas em cadeiras de rodas, algumas deitadas em colchões e outras com muletas aglomeram-se ao redor do palco. A ansiedade e o cansaço mesclavam-se nos rostos cheios de angústia e esperança.

A chegada do milagreiro veio acompanhada de um pequeno tumulto, logo contido por uma bateria eufórica de aplausos e estridentes gritos de “viva o grande carimbamba!”.

Após o longo sermão, o curandeiro convida os enfermos para fazer “a poderosa oração da fé”. A multidão em delírio ergue as mãos para os céus. “É chegado o momento da libertação”, vocifera entusiasmado o pregador. Tem-se início a ansiada prece. A comoção é geral. Alguns doentes choram. Um paralítico tenta erguer-se da cadeira de rodas. Há desmaios e histerias. De súbito o curandeiro gira-se violentamente no meio do palco. Notam-se contrações musculares em todo o seu corpo. Os olhos parecem sair-lhes das órbitas. Uma espuma branca corre-lhe pela boca, cujos dentes ficam firmemente cerrados. Em seguida tomba no tabulado e morre ante os olhos assombrados da multidão.

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