2/02/2019

O casal perfeito (Conto), de Iba Mendes



O CASAL PERFEITO 

Há cinco meses se separou do marido. Sentia-se destroçada e sem rumo. Era como se lhe tivesse amputado uma das mãos ou um outro membro qualquer de seu corpo. Tinha sonhado com um casamento para a vida toda, e não podia suportar a dor de uma tão inesperada separação. Desde pequena, aprendeu na igreja que o casamento é uma dádiva de Deus e que apenas a morte pode decretar o seu fim.

Quem conhecia o marido, sabia do seu exagerado devotamento à mulher. Era comum vê-los sorridentes e de mãos dadas indo ao supermercado ou à casa dos familiares nos fins de semana. Na linguagem vulgar do povo, ou melhor, no entender malicioso dos vizinhos, era o casal perfeito.

– É o marido ideal – dizia a vizinha divorciada do lado. – O tipo de homem que toda mulher sonha em ter como esposo – acrescentava a tal senhora toda eufórica e esperançosa.

– É um exemplo de homem! Você deveria se espelhar pelo menos um pouco nele – protestava outra vizinha ao pançudo companheiro, que gesticulava dizendo que marido assim só servia para levar chifres.

Embora filho de pai extremamente machista e de uma mãe conservadora, não se sentia ele diminuído na sua virilidade lavando um prato ou varrendo a casa. Também passava roupas e fazia deliciosos quitutes que muito agradavam ao exigente paladar da esposa.

A separação não surpreendeu apenas a companheira. A vizinhança toda relutava acreditar que um casamento assim tão perfeito pudesse ser desfeito de uma hora para outra e de uma maneira tão esquisita.

– Deve ter levado chifre – comentava o aposentado da rua de trás. – A mim ela nunca enganou com aquele seu jeitinho dissimulado. É uma verdadeira Capitu!

Outras especulações surgiram e algumas delas chegaram ao conhecimento da mulher, que se mantinha reclusa e bem longe dos falatórios.

Quando inevitavelmente indagada sobre o paradeiro do marido, dizia que não era de seu conhecimento, e até cogitava a hipótese de que ele estivesse morto.

 – São apenas pressentimentos – respondia sem demonstrar qualquer interesse com o teor de tal conversa.

“O tempo é o remédio para todos os males”, já dizia a máxima popular. E, de fato, um ano após ter sido abandonada pelo marido, já não se apresentava mais sorumbática, nem seu semblante revelava qualquer indício de tristeza. Para espanto de todos, ficava pouco tempo em casa e chegava sempre tarde da noite.

O paradeiro do marido permanecia um mistério. Conjecturavam-se mil hipóteses e cada uma destoante da outra. Contudo, sobressaía como a mais plausível para os vizinhos a de que ele, não suportando os muitos caprichos da mulher, pedira arrego e fora cantar em outra freguesia.

***

Era uma manhã chuvosa e fazia muito frio quando um homem de longas barbas e todo vestido de preto bateu-lhe na porta. A curiosidade da vizinhança logo se fez notar nas janelas e nas ligações telefônicas.

A porta abriu-se e, de súbito, o sujeito estranho fora recebido com um voluptuoso beijo na boca. Os olhares alheios estavam fixos e escandalizados. As janelas ficaram ainda mais movimentadas. Eram como sentinelas armadas vigiando atentas em seus postos.

Algumas horas depois saem ambos coladinhos e de mãos dadas. Imediatamente o homem crava na parede da casa uma placa de “vende-se”. Entram em seguida num carro preto e desaparecem, deixando para trás despeitas e conjecturas.

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