(Parábola)
Em tempos que vão longe,
existiu um homem de avançada idade, cujo mais vivo desejo era fazer bem ao
próximo. Então pôs-se a refletir na maneira de atingir esse fim, de modo que todos
se beneficiassem. E assim pensava: “Se se dá de mão para mão, não se sabe a
quem dar mais nem a quem dar menos; ademais, como se não pode dar a todos, os
que nada tiverem dirão: por que deste aos outros e não a nós?”
Eis, então, o que o bom homem
resolveu fazer...
Escolheu um espaçoso terreno por
onde passava muita gente, e fez construir ali uma espécie de hospedaria, e nela
juntou tudo o que poderia ser útil aos homens ou que lhes desse prazer... Havia
grandes quartos, bons fogões, guarnecidas dispensas, cestas cheias de pães de
todo o tipo e gôndolas onde estavam reunidos legumes, chá, açúcar, massas e grande
variedade de alimentos. Ainda havia na casa leitos, vestidos, roupas brancas,
tudo aquilo de que o homem pode ter necessidade. As provisões ali postas eram
suficientes para mais de cem pessoas.
E o bom homem pensava: “Os
viajantes viverão aqui o tempo que quiserem, comerão, levarão o que lhes for
necessário e eu renovarei as provisões, à medida que se forem consumindo”.
Assim fez: organizou tudo ele
próprio e afastou-se, esperando os acontecimentos.
Pessoas honestas começaram
então a frequentar a hospedaria. Bebiam, comiam, passavam uma noite; algumas
ficavam dois dias, outras uma semana. Muitos muniam-se de vestuário e punham as
coisas restantes nos seus respectivos lugares para que outros delas pudessem
fazer uso. E ninguém partia sem primeiro abençoar o desconhecido benfeitor.
Esse estado de coisas durou
enquanto à hospedaria só vinha gente pacífica e ordeira. O benfeitor substituía
o que se ia gastando ou iam levando os viajantes e se alegrava com as suas boas
ações.
Um dia, porém, chegaram à
hospedaria uns homens brigões, encrenqueiros e maus. Puseram-se logo a comer, a
beber, a roubar tudo o que havia, e depressa surgiram desavenças entre eles —
cada um queria tudo apenas para si. Das injúrias vieram as pancadas —
arrancaram uns aos outros o que tinham pilhado e no seu furor se puseram a
destruir tudo para que nada ficasse a ninguém.
Quando tudo foi destruído e
tudo roubado, começaram a sentir frio e fome. E vieram então as reclamações
contra o dono da casa, por ter arranjado as coisas sem a devida ordem. Por que
não estabelecera um guarda no local? e por que deixara entrar a canalha?
Falavam uns dos outros e havia entre eles quem afirmasse não ter dono a
estalagem e ter ela se formado por si, sem auxílio de quem quer que fosse.
Toda essa gente viveu assim um
dia, dois dias, três dias... Depois, esfomeados, tiritando de frio, foram-se
embora, odiando-se mutuamente e amaldiçoando a hospedaria e quem a edificou.
***
Da mesma forma se comportam os
homens neste mundo. Estragam as suas vidas e as dos outros, mas não se lembram
de lançar as culpas sobre si — não veem que as suas próprias vidas são más, mas
blasfemam uns dos outros e alguns de Deus, acusando-o de ter feito mal ao
mundo.
Os homens precisam compreender
que o mundo não se organizou de per si e que Deus o fez para o bem deles. O
mundo é mau para os maus.
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Tradução: Erasmo de Tarso.
Illustração Pelotense, 1 de março de 1921.
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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