2/02/2019

A Meta (Conto), de Iba Mendes



A META 

Desde que assumiu a chefia da Seção, passou a se conduzir de maneira estranha com os colegas, esquivando-se deles como se evitasse alguma situação constrangedora ou como se lhes devesse dinheiro. O mesmo se deu em casa, em relação à esposa e aos filhos, com os quais passou a agir friamente e sem aquela amabilidade costumeira, tratando-os agora com indiferença e até com certa dose de agressividade e desprezo.

Na empresa comentava-se que o poder havia lhe subido para a cabeça e que por isso andava assim com ares de gente importante, com o nariz empinado e cheio de si. Em casa, tinha-se por conta que tudo não passava de sobrecarga de serviços, o estresse, diziam. O homem, porém, não mostrava qualquer incômodo com as opiniões alheias, inclusive aquelas oriundas do seu próprio círculo familiar.

À medida que os dias iam passando, ele parecia adquirir a personalidade e os modos de uma outra pessoa, de maneira que, se comparado ao que sempre fora antes, tornava-se quase irreconhecível, inclusive na forma de se vestir, no jeito de pentear os cabelos, entre outros detalhes relacionados à sua vaidade pessoal.

As coisas andavam assim até que a mulher, tomada de uma angústia reprimida e abrasadora, desabou diante dele em prantos, implorando-lhe para que fosse embora, pois não suportava mais tanta humilhação e indiferença.

Sem nada dizer e levando apenas uma pasta preta cheia de papel, ele retirou-se sob os olhares atônitos dos filhos, os quais permaneciam o tempo todo em total silêncio e imersos entre lágrimas de perplexidades.

No ambiente de trabalho, isolou-se ele ainda mais dos antigos colegas, com os quais mantinha no passado estreita relação de camaradagem. Reservava agora sua atenção exclusivamente aos seus superiores hierárquicos, tratando-os com lisonjeiras cortesias, enquanto excedia em rigidez com os subordinados, exigindo-lhes com extremada obsessão o fiel cumprimento de todas as metas estabelecidas.

Em todo esse tempo permaneceu morando sozinho num apartamento que alugara próximo à empresa. Tal medida era parte do seu esforço para atingir uma meta: alcançar o topo máximo em sua carreira profissional. O que equivale dizer que não estava satisfeito com o cargo de chefia. Queria mais. Desejava alçar voos mais altos, e nada haveria de impedi-lo de alcançar essa sua grande ambição.

Por tudo isso, pode-se concluir que toda a metamorfose porque passou, incluindo aí o abandono do lar e da família poderia explicar-se assim pelo seu obstinado desejo de ser e de poder. Nada mais lhe importava: nem a mulher, nem os filhos, ninguém. Só a meta!

Um dia, de manhã, era segunda-feira, ele estava redigindo um relatório, quando foi procurado por uma de suas cunhadas, a qual lhe anunciou, chorando, que seu filho mais novo havia sido internado em consequência de uma grave pneumonia, e que seu estado de saúde era considerado gravíssimo.

— Foi isso o que disseram os médicos — concluiu com tristeza a pobre mulher, entregando-lhe um papel com o endereço do hospital e o horário para visitas. Aparentemente comovido, ele prometeu que ainda naquela tarde iria ter com o filho enfermo.

À tarde, porém, fora convocado a comparecer a uma importante reunião da qual participaria o Presidente e toda a cúpula da empresa. O súbito convite o deixou visivelmente eufórico. Havia uma vaga em aberto para Diretor do Departamento Financeiro, e tudo indicava que a tal conferência seria para anunciar o bem-aventurado felizardo. Enfim seria reconhecido por sua dedicação, pensava extasiado, já esquecido de seu compromisso. Sentado, mirava o teto antevendo os cumprimentos do Presidente, e já saboreando por antecipação o tão almejado “parabéns, você acaba de ser promovido!!!”

***

A sala estava repleta. Além do Presidente, estavam ali o Conselho Administrativo, os diretores e outras lideranças de destaque na organização.

A reunião foi breve. Brevíssima. Sem rodeios, o Presidente anunciou-o como o novo Diretor do Departamento Financeiro. Parabenizou-o em seguida com um sorriso e um abraço. O ambiente rompeu entre os aplausos de uns, as imprecações de outros e a despeita de quese todos. Seu rosto parecia refletir as luzes da Ribalta. Atingira, por fim, a meta tão ardentemente desejada.

Enquanto isso, o destino girava sua roda sem qualquer compaixão. Naquele mesmo instante, lá no hospital, o filho moribundo agonizava nos braços da mãe entre gemidos e lágrimas. Suas últimas palavras antes de morrer foram estas: “O papai ainda não veio, mamãe?”

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