Ao estudar completamente o vulto de Castro Alves e algumas outras figuras de poetes românticos do Brasil, o jovem e lúcido crítico Fausto Cunha cita o nome do estranho e fascinante poeta maranhense Joaquim de Sousa Andrade – ou Sousândrade – como assinou seus últimos trabalhos.
Sousândrade nasceu em 1833 e faleceu em 1902. Assim se refere Fausto
Cunha ao autor de O Guesa Errante: "A respeito de Sousândrade poderíamos
falar em Hölderlin, Baudelaire, Lautréamont, em Gerard de Nerval, talvez em Blake – se a todos esses
nomes não estivesse adstrita uma linha de pressupostos que invalida a
aproximação; além do fato de que, em nível estético, o maranhense lhes é sempre
inferior".
Pelo que nos fala Fausto Cunha, Sousândrade foi um poeta desequilibrado, que
não sabia distinguir um poema superior de uma trivialidade qualquer. Por isso
sua obra Harpas Selvagens (1857), Impressos (1866), Eólias (1868), Obras Poéticas
(1874 – com três cantos iniciais de O Guesa Errante, em doze cantos), Novo Éden (1893, que Fausto Cunha denomina de ininteligível),
e A Casca da Caneleira, 1866 (prosa, incompleto),
onde há de tudo, desde o romantismo piegas de um Casimiro avant la lettre até
aos arroubos híbridos do um Joyce) – pois Sousândrade, como o irlandês, andou inventando
palavras a seu bel-prazer, para isso utilizando os vocabulários das inúmeras
línguas que sabia falar e que aprendera
em suas peregrinações intermináveis pelo mundo –, ressente-se de unidade, dançando sempre
entre o "Tabor e a vala comum", na expressão de seu moderno
exegeta.
Escusado dizer que a poesia de
Sousândrade não foi compreendida
em sua época. Como poderia tê-lo sido, se em certos instantes ela recorda o tom
poético de um Eliot, de um Ezra Pound? O próprio poeta tinha consciência do fato,
e chegou a escrever: "Ouvi dizer já
por duas vezes que O Guesa Errante será lido cinquenta anos depois; entristeci – decepção de quem
escreve cinquenta anos antes. Porém se – Life, not form; work, not ritual, was
what the Lord demanded – diz um swedenborgiano pregador, falando da Religião; não poderíamos dizer o mesmo da poesia?"
Ainda em princípios do século, o arguto Veríssimo, o qual nunca
entendeu verdadeiramente a poesia, classificou Sousândrade como um pré-simbolista;
e Humberto de Campos taxou-o, burramente, de "futurista"...
O advento do Modernismo veio
render alguma justiça a Sousândrade; alguma, apenas; pois o desconhecimento do poeta é
quase total, e mister se faz que um crítico, como Fausto Cunha, já autor de interessante
ensaio sobre Sousândrade resolva fazer por completo a reabilitação do
maranhense, o primeiro poeta brasileiro que teve a intuição de uma poesia universal, liberta de
indianismos e de descrições da terra, baseada na meditação e no conhecimento.
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Revista da Semana, 8 de dezembro de 1956.
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica:
Iba Mendes (2019)
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