Monarquia
e República
Achava-se o poeta numa roda um tanto esquisita
na Colombo, quando dele se aproxima o seu íntimo amigo T., homem de letras e
engenheiro civil.
— Senta-te — disse ele ao recém-chegado;
e fez as apresentações, um tanto cerimoniosas.
A palestra, momentaneamente
interrompida, continuou.
Versava sobre sistemas de governo.
Emílio achava que, em tese, a República era o governo ideal, mas que, aplicada
ao Brasil, dava resultados desastrosos.
Os outros concordavam, citando os
erros dos vários governos republicanos e contrapondo-lhes a retidão, a
compostura, a honradez dos estadistas do Império.
O recém-vindo entrou na palestra para
discordar com o ardor republicano dos seus 30 anos.
A discussão acalorou-se, mantendo-se,
entretanto, a linha de boa educação.
Argumento vai, argumento vem, e fala
Emílio da instrução pública.
— Era outra coisa; na Monarquia estudavam-se
humanidades; não se forjavam bacharéis elétricos como atualmente.
— Ora, fez o T., havia, como hoje há,
muito ignorante diplomado. Estudava-se mais latim, é certo...
— Estudava-se tudo muito mais! E não só
no curso preparatório; no superior também.
Os dois cavalheiros balançavam a
cabeça em ar de assentimento.
— No superior? Não sei por quê. Os
cursos atualmente são, ao contrário, multo mais completos, mais práticos...
Emílio deu à voz um tom de mistério e
exemplificou, dirigindo-se a T:
— Meu velho, desculpa-me a franqueza,
mas no tempo da Monarquia tu não serias engenheiro...
Houve na roda um silêncio constrangido.
Os dois cidadãos olharam T. de soslaio, enquanto este, magoado, concordava, com
exagerada modéstia:
— Sim, de acordo, não o seria; e,
mesmo na República, o sou por pura sorte, mas argumento ad homine nada prova...
Mas Emílio insistia, irritante:
— Não te zangues, mas a verdade é que
não serias engenheiro.
A situação era deveras desagradável,
dada principalmente a cerimônia que havia entre o engenheiro e os dois amigos
do poeta.
— Bem, bem, não é a minha pouca ciência
que está em motivo para a tua agressão diante destes senhores que mal me
conhecem.
— Eu não disse que ele se zangava? É isso!
não gosta de ouvir as verdades...
Era demais. T. cerrou o sobrolho, e em
tom digno, interpelou Emílio:
— Mas afinal, dize-me tu, por que é
que na Monarquia eu não seria engenheiro? Que autoridade tens para julgar dos
meus conhecimentos?
Emílio semicerrou os olhos com o ar de
quem calcula, reuniu sob os lábios as guias dos bigodes e inquiriu, por sua
vez:
— Em que ano nasceste?
— Em 1882.
— E, quando se proclamou a República,
que idade tinhas?
Houve um instante de pausa e uma
gargalhada de alívio pontuou a pilhéria. E Emílio batendo ao ombro do amigo:
— Então, serias engenheiro na Monarquia?
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Correio da manhã, 14 de outubro
de 1934.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)
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