Emílio de Menezes foi um dos grandes poetas de que se orgulha o Brasil. Nenhum outro da sua geração o excedeu no cuidado de burilar o verso. A sua arte tem pompa, majestade e beleza. Os seus sonetos, de uma forma impecável, representam uma das expressões mais altas da escola parnasiana. Muitos deles, pela nobreza do pensamento, sempre luminoso, alto e engastados em rimas raras e ricas, lembram os dos Troféus de Herédia, como, por exemplo, Helianto e Roman. Todavia, este poeta, de raro valor artístico, é quase ignorado do Brasil. Nenhuma de suas poesias, ao que me conste, figura em páginas de antologias adotadas nos nossos estabelecimentos de ensino. Este Emílio é admirado e amado por um número limitadíssimo dos nossos intelectuais. Em compensação, porém, é vastamente conhecido o Emílio das quadrinhas brejeiras, dos epitáfios e dos sonetos irreverentes consagrados ao “vira bosta da pedagogia”, ao “frango assado de confeitaria", à “cara de tílburi cansado”, e tantos outros.
Quando ele se viu sozinho
Da cova na escuridão,
Surripiou de mansinho
Da cova na escuridão,
Surripiou de mansinho
Os dourados do caixão.
As suas sátiras, à feição das de
Gregório de Matos, eram tão ferinas quanto as suas piadas, das quais pingavam
quase sempre, fel e veneno. Satírico, iconoclasta, tremendo, terrível,
demolidor, endiabrado — o divino poeta Emílio de Menezes.
Seleciono, ao acaso, algumas das
piadas desse arrasador, que nitidamente o caracterizam.
Era pelo tempo em que Emílio assinava
diariamente nas Confeitarias Pascoal e Colombo. A Colombo foi o cenáculo em que
todas as tardes, um grupo admirável de boêmios desperdiçava talento, arrancado
do cérebro, atirando-o à voragem das coisas que o tempo leva, ouro do melhor
quilate.
Está formada a roda a Confeitaria da
Rua Gonçalves Dias. Rosna-se por aí que vai sofrer alterações a nossa Bandeira,
e, por falar em bandeira:
— Vocês sabem? O Bandeira Júnior está
atacado de febre, há vários dias...
— A febre do Bandeira é mal de nascença.
— Como?
— É febre de mau caráter...
***
Vinha sendo notada, desde algum tempo, a
ausência do Guimarães Passos.
— Pois vocês não sabiam que o
Guimarães está acamado já há algum tempo? E Emílio diz:
— Esse não gasta dinheiro com médico,
nem medicamentos.
— Por quê? E Emílio observa:
— Pois ele não é autor de um “Tratado
de ver se fica são"?
***
Nem Rui Barbosa, o grande e glorioso
Rui, escapou das arranhaduras do vate sarcástico.
Uma tarde reunido o grupo na Colombo,
eis que chega o Rocha Alazão, o Rocha “facada”, o Rocha “mentiras”, e, com a
fisionomia compungida, que ele sabia arranjar para as horas trágicas, informou:
— O Rui está enfermo, e dizem que com
certa gravidade.
O Emílio exclama:
— O Rui sofre de mal crônico e
incurável; sofre de “catetite” aguda...
***
Agora na Pascoal.
Comentava-se, de uma feita, uma
crônica publicada na “Gazeta de Noticias” e assinada por um nome completamente
desconhecido nas rodas literárias.
— E que tal a colaboração atual da
folha de Ferreira de Araujo?
— De primeiríssima: Eça de Queirós,
Machado de Assis, Olavo Bilac, Valentim Magalhães, Guimarães Passos, Pardal
Malet...
— E o Pardal escreve bem?
E Emílio intervém:
— O Pardal mal lê...
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Revista "O Malho", julho de 1948.
Revista "O Malho", julho de 1948.
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