Ceias do Senhor
Emílio de Menezes fora convidado
a visitar, num estúdio de uma valiosa galeria de quadros, uma senhora de rara
beleza, a qual tinha orgulho em gastar à larga o dinheiro que lhe dava um velho
e rico protetor.
O poeta, amante da arte, não se
fez de rogado e apresentou-se em casa da tal dama disposto a apreciar as
raridades de coleção tão afamada. A senhora recebeu-o sorrindo, embrulhada num vestido
transparente e provocante, que lhe deixava à mostra os belos seios, rígidos e
formosos.
Emílio, sagaz e humano, desde a
entrada, tinha posto o seu indiscreto olhar no interior daquele paraíso de amores.
Embevecido pelas curvas harmoniosas do colo da ilustre dama, ele, enquanto
percorria a coleção, nem sequer arriscava um olhar atento sobre as
preciosidades pendentes da parede. Ele encantado e ela um tanto encabulada
haviam chegado em frente a umas Ceias do Senhor.
— Que me diz dessas Ceias, seu Emílio?
Magníficas, não?
O poeta, porém, estarrecido ante
o maravilhoso espetáculo, manteve-se imprudentemente calado, sem dizer uma só
palavra.
E a senhora visivelmente
incomodada, ataca:
— O senhor parece um tolo... um idiota... Não diz uma palavra... Por acaso não aprecia, também, essas Ceias do Senhor?!
Emílio, afagando os vastos bigodes,
sorriu desdenho para as cópias do quadro de Leonardo e depois de passear, mais
uma vez o seu olhar pelas amenas regiões da mulher, respondeu:
— Com franqueza: eu prefiro a
essas "Ceias do Senhor" os seios da senhora...
E saiu, aborrecido de alma, mas
satisfeito dos olhos, enquanto, a dama incrédula com o que havia escutado,
procurava reduziu inutilmente o seu decote extravagante.
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Revista "Máscara", 1919.
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)
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