12/14/2018

Vozes do Brasil (Paródia das "Vozes d'África", de Castro Alves)


A PARÓDIA
Vozes do Brasil
(Paródia das "Vozes d'África", de Castro Alves)

Deus! oh! Deus! Onde estás que não respondes
Em que mundo, em que estrela tu te escondes
No espaço misterioso?
Há já quinze anos que o meu grito encobres!
Livra-me Deus do céu, do "pai dos pobres",
Esse pai cabuloso!!!

Ele, qual Prometeu, teve o seu termo.
Não a rocha – o palácio do Governo,
Onde foi habitar.
Depois, não satisfeito (ó desventura!),
Tu lhe deste a nojenta ditadura
Para ele me arruinar.

Toda a riqueza que o meu solo encerra
Num só momento vi rolar por terra;
Só miséria diviso...
Minha gente sofria horrivelmente
Enquanto Ele passava indiferente,
Num eterno sorriso!

Vivem minhas irmãs sempre cantando!
Veio sempre a Argentina prosperando,
Contente de viver.
Ao passo que eu, chorando de tristeza,
Não tenho ao menos sobre a minha mesa
Um pão para comer!

América do Norte! Sempre a América!
A mulher deslumbrante, a deusa homérica,
Que está sempre feliz.
O mundo inteiro a segue se humilhando,
Num rastejar nojento, contemplando
A grande imperatriz.

Mas eu, Senhor! Eu triste, sem tostão,
Governado por esse quase anão,
Só vivia a chorar...
Ao ver meu povo triste, amargurado,
Ele aumentava então seu ordenado
Pra no imposto o tirar!

Quando passo, por mal dos meus castigos,
Veio a massa incontável dos mendigos
Que ele rindo aumentou..
Sinto ainda a fatal calamidade!
E só existem filas na cidade
E arruinado estou!

Qual o mendigo roto, esfarrapado,
Escondo-me de tudo, envergonhado,
Sentindo-me infeliz.
E, quando o DIP ouviam parolar,
Diziam: "Vê o Brasil a caminhar
Milionário e feliz"!

E nem viam que o DIP pertencia
Ao anão, que, com fera hipocrisia,
Fingia me adorar.
E, encoberta por ele, disfarçada
À corja dos ladrões, vil, esfaimada,
Vivendo a me roubar!

O meu povo soluça amargurado!
O câmbio negro espia, disfarçado
A minha viuvez.
Miséria, fome, dor, toda a desgraça.
O raquitismo que me invade a raça
Foi só o que Ele fez.

Deus terrível! Não basta esta aflição?
Vais tu querer que novamente o anão
Me venha maltratar?
Por que, Deus, importância não me ligas?
Por que é que, inexorável, tu me obrigas
A sempre soluçar?

Antes dele eu vivia bem feliz..
Governava-me Washington Luiz
E eu era alegre então...
Do presidente ele era protegido,
Mas, em surdina, agindo qual bandido,
Cometeu a traição!

E desde então cu vivo a soluçar
Vendo a miséria negra acabrunhar
A minha pobre gente.
Todo o meu povo, que era então risonho,
Vive calado, a caminhar tristonho,
Chorando inutilmente...

Vi meus filhos morrerem lá na guerra
E vi alguns fugirem desta terra,
Só me deixando então...
Vi a sua nojenta e vil política!
Depois vi minha prole sifilítica
Por causa desse anão!

Cristo! Morreste embalde na montanha!
Teu sangue não favou da minha entranha
Os feitos do maldito!
Ainda hoje, cercado pela corja,
Ele vive implacável em São Borja
Provocando conflito!

Hoje os ladrões do seu estado novo,
Que as riquezas roubaram do meu povo
Estão-se divertindo...
Eles têm tudo... vivem na alegria,
esses mesmos que Washington um dia
Elegeram sorrindo!

Basta, Senhor! Do teu braço potente
Faze rolar, inexoravelmente,
Um castigo assombroso!!!
Há já quinze anos que o meu grito encobres!
Leva de vez esse '”papai dos pobres"
Esse pai cabuloso!!!


LUIZ RIÉSTA
Revista Careta, 1949 (crítica a Getúlio Vargas)


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O ORIGINAL




Vozes d'África

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? 
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes 
Embuçado nos céus? 
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito... 
Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia 
Do deserto na rubra penedia 
— Infinito: galé!... 
Por abutre — me deste o sol candente, 
E a terra de Suez — foi a corrente 
Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno 
Sob a vergasta tomba ressupino 
E morre no areal. 
Minha garupa sangra, a dor poreja, 
Quando o chicote do simoun dardeja 
O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas... 
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas 
Dos haréns do Sultão. 
Ou no dorso dos brancos elefantes 
Embala-se coberta de brilhantes 
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia... 
Ganges amoroso beija a praia 
Coberta de corais ... 
A brisa de Misora o céu inflama; 
E ela dorme nos templos do Deus Brama, 
— Pagodes colossais...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa!... 
A mulher deslumbrante e caprichosa, 
Rainha e cortesã. 
Artista — corta o mármor de Carrara; 
Poetisa — tange os hinos de Ferrara, 
No glorioso afã!...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio... 
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio 
Enflora-lhe a cerviz. 
Universo após ela — doudo amante 
Segue cativo o passo delirante 
Da grande meretriz. 
....................................

Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada 
Em meio das areias esgarrada, 
Perdida marcho em vão! 
Se choro... bebe o pranto a areia ardente; 
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! 
Não descubras no chão...

E nem tenho uma sombra de floresta... 
Para cobrir-me nem um templo resta 
No solo abrasador... 
Quando subo às Pirâmides do Egito 
Embalde aos quatro céus chorando grito: 
"Abriga-me, Senhor!..."

Como o profeta em cinza a fronte envolve, 
Velo a cabeça no areal que volve 
O siroco feroz... 
Quando eu passo no Saara amortalhada... 
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada 
No seu branco albornoz... "

Nem vêem que o deserto é meu sudário, 
Que o silêncio campeia solitário 
Por sobre o peito meu. 
Lá no solo onde o cardo apenas medra 
Boceja a Esfinge colossal de pedra 
Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas 
As cegonhas espiam debruçadas 
O horizonte sem fim ... 
Onde branqueia a caravana errante, 
E o camelo monótono, arquejante 
Que desce de Efraim 
.......................................

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! 
É, pois, teu peito eterno, inexaurível 
De vingança e rancor?... 
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime 
Eu cometi jamais que assim me oprime 
Teu gládio vingador?! 
........................................

Foi depois do dilúvio... um viadante, 
Negro, sombrio, pálido, arquejante, 
Descia do Arará... 
E eu disse ao peregrino fulminado: 
"Cam! ... serás meu esposo bem-amado... 
— Serei tua Eloá. . . "

Desde este dia o vento da desgraça 
Por meus cabelos ululando passa 
O anátema cruel. 
As tribos erram do areal nas vagas, 
E o nômade faminto corta as plagas 
No rápido corcel.

Vi a ciência desertar do Egito... 
Vi meu povo seguir — Judeu maldito — 
Trilho de perdição. 
Depois vi minha prole desgraçada 
Pelas garras d'Europa — arrebatada — 
Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte 
Teu sangue não lavou de minha fronte 
A mancha original. 
Ainda hoje são, por fado adverso, 
Meus filhos — alimária do universo, 
Eu — pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre 
Condor que transformara-se em abutre, 
Ave da escravidão, 
Ela juntou-se às mais... irmã traidora 
Qual de José os vis irmãos outrora 
Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço 
Role através dos astros e do espaço 
Perdão p'ra os crimes meus! 
Há dois mil anos eu soluço um grito... 
escuta o brado meu lá no infinito, 
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...

CASTRO ALVES

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