A PARÓDIA
Vozes do Brasil
(Paródia das "Vozes
d'África", de Castro Alves)
Deus! oh! Deus!
Onde estás que não respondes
Em que mundo, em
que estrela tu te escondes
No espaço
misterioso?
Há já quinze anos
que o meu grito encobres!
Livra-me Deus do
céu, do "pai dos pobres",
Esse pai
cabuloso!!!
Ele, qual
Prometeu, teve o seu termo.
Não a rocha – o
palácio do Governo,
Onde foi habitar.
Depois, não
satisfeito (ó desventura!),
Tu lhe deste a
nojenta ditadura
Para ele me arruinar.
Toda a riqueza que
o meu solo encerra
Num só momento vi
rolar por terra;
Só miséria
diviso...
Minha gente sofria
horrivelmente
Enquanto Ele
passava indiferente,
Num eterno
sorriso!
Vivem minhas irmãs
sempre cantando!
Veio sempre a
Argentina prosperando,
Contente de viver.
Ao passo que eu,
chorando de tristeza,
Não tenho ao menos
sobre a minha mesa
Um pão para comer!
América do Norte!
Sempre a América!
A mulher
deslumbrante, a deusa homérica,
Que está sempre
feliz.
O mundo inteiro a
segue se humilhando,
Num rastejar nojento,
contemplando
A grande
imperatriz.
Mas eu, Senhor! Eu
triste, sem tostão,
Governado por esse
quase anão,
Só vivia a chorar...
Ao ver meu povo
triste, amargurado,
Ele aumentava
então seu ordenado
Pra no imposto o
tirar!
Quando passo, por
mal dos meus castigos,
Veio a massa
incontável dos mendigos
Que ele rindo
aumentou..
Sinto ainda a
fatal calamidade!
E só existem filas
na cidade
E arruinado estou!
Qual o mendigo roto,
esfarrapado,
Escondo-me de
tudo, envergonhado,
Sentindo-me
infeliz.
E, quando o DIP
ouviam parolar,
Diziam: "Vê o
Brasil a caminhar
Milionário e
feliz"!
E nem viam que o
DIP pertencia
Ao anão, que, com
fera hipocrisia,
Fingia me adorar.
E, encoberta por ele,
disfarçada
À corja dos
ladrões, vil, esfaimada,
Vivendo a me
roubar!
O meu povo soluça
amargurado!
O câmbio negro
espia, disfarçado
A minha viuvez.
Miséria, fome,
dor, toda a desgraça.
O raquitismo que
me invade a raça
Foi só o que Ele
fez.
Deus terrível! Não
basta esta aflição?
Vais tu querer que
novamente o anão
Me venha
maltratar?
Por que, Deus,
importância não me ligas?
Por que é que,
inexorável, tu me obrigas
A sempre soluçar?
Antes dele eu
vivia bem feliz..
Governava-me
Washington Luiz
E eu era alegre
então...
Do presidente ele
era protegido,
Mas, em surdina,
agindo qual bandido,
Cometeu a traição!
E desde então cu
vivo a soluçar
Vendo a miséria
negra acabrunhar
A minha pobre
gente.
Todo o meu povo,
que era então risonho,
Vive calado, a
caminhar tristonho,
Chorando
inutilmente...
Vi meus filhos
morrerem lá na guerra
E vi alguns
fugirem desta terra,
Só me deixando
então...
Vi a sua nojenta e
vil política!
Depois vi minha
prole sifilítica
Por causa desse
anão!
Cristo! Morreste
embalde na montanha!
Teu sangue não
favou da minha entranha
Os feitos do
maldito!
Ainda hoje,
cercado pela corja,
Ele vive
implacável em São Borja
Provocando
conflito!
Hoje os ladrões do
seu estado novo,
Que as riquezas
roubaram do meu povo
Estão-se
divertindo...
Eles têm tudo... vivem
na alegria,
esses mesmos que
Washington um dia
Elegeram sorrindo!
Basta, Senhor! Do
teu braço potente
Faze rolar,
inexoravelmente,
Um castigo
assombroso!!!
Há já quinze anos
que o meu grito encobres!
Leva de vez esse '”papai
dos pobres"
Esse pai
cabuloso!!!
LUIZ RIÉSTA
Revista Careta, 1949
(crítica a Getúlio Vargas)
---
O ORIGINAL
Vozes d'África
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé!...
Por abutre — me deste o sol candente,
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.
Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.
Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
— Pagodes colossais...
A Europa é sempre Europa, a gloriosa!...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista — corta o mármor de Carrara;
Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã!...
Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela — doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.
....................................
Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...
E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga-me, Senhor!..."
Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz... "
Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim
.......................................
Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!
........................................
Foi depois do dilúvio... um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cam! ... serás meu esposo bem-amado...
— Serei tua Eloá. . . "
Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o nômade faminto corta as plagas
No rápido corcel.
Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir — Judeu maldito —
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa — arrebatada —
Amestrado falcão! ...
Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal...
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
CASTRO ALVES
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