A
PARÓDIA
Quem dá ao Russinho empresta ao Chefe
(Paródia
de "Quem dá aos pobres, empresta a Deus”, de Castro Alves)
Eu, que das
grades de um xadrez medonho
Pude uma noite
me evadir por fim;
Eu, que fitava
da polícia o vulto
Com magos olhos
suspirar por mim:
Zombo nesta hora,
vagabundo, errante,
Destes que
clamam contra mim em vão;
E vou gozando a
proteção do chefe,
Da vasta Corte
sobre o imenso chão!
Duas grandes
nuvens este espaço obumbram!...
Dois astros
fulgem neste céu nublado!...
Um é o chefe a
proteger capangas;
Outro é o
Russinho — o assassino ousado!
Nem treme o
Russo ao contemplar o chefe,
Nem cora o chefe
de apertar-lhe a mão,
Quando se
encontram nos bordeis imundos
Da vasta Corte
sobro o imenso chão!
Como são pífios teus
heróis, polícia,
Capas do crime a
proteger tratantes!
E tu prossegues
nesta senda infame
Sem escutar reclamações
constantes!
E qual Vesúvio
derramando lavas,
Ou como fúrias
de infernal mansão
Ei-los que
passam massacrando as leis,
Da vasta Corte
sobre o imenso chão!
E estes Correias
de eternal memória
Se escorregaram
foi nas bebedeiras...
Se tropeçaram
foi nas espeluncas...
Se se afogaram
foi nas bandalheiras...
Depois ... que
resta?... “Uma touca enorme”...
Junto a Susane
a implorar perdão;
O rir do escárnio,
a maldição das turbas,
Da vasta Corte
sobre o imenso chão!
Ai quantas vezes
prostitutas pálidas
Buscam nas ruas este
tal Correia!
E ele tira da — “secreta
verba”—
O gordo cobro para
lhes pagar a ceia!...
E vai até de
madrugada a orgia,
Indo para casa
em colossal pifão
E aqui tendes da
Polícia o chefe,
Da vasta Corte
sobre o imenso chão!
Mas quando o sol
o horizonte aclara
E o céu se tinge
de formoso anil:
Ei-lo sentado na
secretaria
Mandando ofícios,
portarias mil...
E para aqueles,
que no labor constante,
Comem na enxerga
da pobreza o pão,
É ele o algoz
que os encarcera e esmaga,
Da vasta Corte
sobre o imenso chão!
Há duas coisas,
nesta Corte, novas:
Do Russo a fuga,
do Correia as “mofas”...
Aquele, o abutre
a devorar “morcegos”...
Este é o odre a esvaziar
garrafas!...
E o chefe ao
Russo brada sempre:—Avante!
Sou protetor dos
que matando vão!...
Caem as vítimas
da navalha aos golpes,
Da vasta Corte
sobre o imenso chão!
E as manoplas destes
dois gigantes,
Que tudo oprimem
da torpeza ao grito,
Prendem-se aos elos
de cadeia infame,
Espalham luto em
seu trilho maldito!
Mas se algum
dia, um ministério novo
Quebrar os laços
desta comunhão:
Chefe e Russinho
num final abraço
Rolam da Corte
sobre o imenso chão!
F. MALLI
Revista “Corsário”,
1881.
---
O ORIGINAL
O ORIGINAL
Quem dá aos pobres, empresta a Deus
Eu, que a
pobreza de meus pobres cantos
Dei aos heróis —
aos miseráveis grandes -,
Eu, que sou
cego, — mas só peço luzes...
Que sou pequeno,
— mas só fito os Andes...,
Canto nesta hora,
como o bardo antigo
Das priscas
eras, que bem longe vão,
O grande NADA dos
heróis, que dormem
Do vasto pampa
no funéreo chão...
Duas grandezas
neste instante cruzam-se!
Duas realezas
hoje aqui se abraçam!...
Uma — é um livro
laureado em luzes...
Outra — uma
espada, onde os lauréis se enlaçam.
Nem cora o livro
de ombrear com o sabre...
Nem cora o sabre
de chamá-lo irmão...
Quando em
loureiros se biparte o gládio
Do vasto pampa
no funéreo chão.
E foram grandes
teus heróis, ó pátria,
— Mulher
fecunda, que não cria escravos -,
Que ao trom da
guerra soluçaste aos filhos:
"Parti — soldados,
mas voltai-me — bravos!"
E qual Moema
desgrenhada, altiva,
Eis tua prole,
que se arroja então,
De um mar de
glórias apartando as vagas
Do vasto pampa
no funéreo chão.
E esses Leandros
do Helesponto novo
Se resvalaram — foi
no chão da história...
Se tropeçaram — foi
na eternidade...
Se naufragaram —
foi no mar da glória...
E hoje o que
resta dos heróis gigantes?...
Aqui — os filhos
que vos pedem pão...
Além — a ossada,
que branqueia a lua,
Do vasto pampa no
funéreo chão.
Ai! quantas
vezes a criança loura
Seu pai procura
pequenina e nua,
E vai, brincando
com o vetusto sabre,
Sentar-se à
espera no portal da rua...
Mísera mãe,
sobre teu peito aquece
Esta avezinha,
que não tem mais pão!...
Seu pai descansa
— fulminado cedro -
Do vasto pampa
no funéreo chão.
Mas, já que as
águias lá no sul tombaram
E os filhos
d'águias o Poder esquece...
É grande, é
nobre, é gigantesco, é santo!...
Lançai — a
esmola, e colhereis — a prece!...
Oh! dai a
esmola... que, do infante lindo
Por entre os
dedos da pequena mão,
Ela
transborda... e vai cair nas tumbas
Do vasto pampa
no funéreo chão.
Há duas cousas
neste mundo santas:
— O rir do
infante, — o descansar do morto...
O berço — é a
barca, que encalhou na vida,
A cova — é a
barca do sidéreo porto...
E vós dissestes
para o berço — Avante! —
Enquanto os
nautas, que ao Eterno vão,
Os ossos deixam,
qual na praia as âncoras,
Do vasto pampa
no funéreo chão.
É santo o laço,
que hoje aqui se estreitam
De heroicos
troncos — os rebentos novos -!
É que são gêmeos
dos heróis os filhos,
Inda que filhos
de diversos povos!
Sim! me parece
que nesta hora augusta
Os mortos saltam
da feral mansão...
E um
"bravo!" altivo de além-mar partindo
Rola do pampa no
funéreo chão!...
CASTRO ALVES
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