A
PARÓDIA
O Baile dos Artistas
(Paródia
ao “Baile das Múmias”, de Carlos Ferreira)
Meia noite! Hora
terrível!
O circo
fechou-se já,
Além as portas
rangeram,
Foi-se o povo! Para
onde irá?
E o fatal itinerário
Vai o grêmio perdulário,
Seguindo sem reflexão!
E os tipos se aproximando,
Viu alegres se entranhado
Nos abismos do “pifão”.
Tudo é silencio!
Nas mesas
Muito copo se
virou,
São gritos, geme
o eco
Como um crânio
que estalou!
Quem é? quem
sofre a esta hora?
Qual o borracho que
chora?
Serão fantasmas
de horror?
Serão mulheres
amadas,
Dos bordéis
afugentadas
Com lampejos de
pudor?
Somem-se os
copos vazios,
Reina então a
embriaguez;
Surgem espectros
de “artistas”
De horrorosa palidez.
Carrancas
tristes, funéreas.
O olhar de chamas
aéreas,
Atiram ao lodaçal
Onde o ruído dos
ventos
Despertam roucos
lamentos
De uma lascívia
infernal.
Meia noite! Hora
dos “planos!”
Hora de orgias fatais!
Hora que estoura
o champanhe,
Enfumaçando os cristais!
Quando os “canteiros”
contritos
Requeimam os lábios
malditos
Nas taças do
negro fel,
Quando a boca
das “cocottes”
Repete devassos motes
Pedindo vinho ao
bordel.
Silêncio! A
festa dos “tipos”
Vai agora começar!
Dos antros
surgem bacantes
Para o tremendo valsar!
Soberbo! Já se
agitaram
Homens que já se
portaram
Mais sérios inda
que nós!
Por seus cabelos
sebentos,
Os vermes passeiam
lentos,
Requintado
adorno atroz!
Em torno ao
hotel das “ditas”
Onde impera o
garrafão,
Negreja o bando
agourento
Dos amigos do “pifão”,
Erguidos, ébrios,
sedentos,
Os “artistas”
macilentos
Arrastam trêmulos
os pés...
As mulheres
comem brasas,
Cortam-se muitas
vasas,
Como arcanjos do
revés.
Rompe a orquestrou!
o baile rompe!
A capangada
assobia!
Giram nas valsas
os vultos,
Arde a febre,
viva a orgia!
Bem como um
bando de gralhas,
Como bestas em
cangalhas
Vão-se todos ao
festim!
E as “cocottes”
desgrenhadas
Respondem com
gargalhadas
Ao som da orgia
sem fim.
Avante! avante!
canteiros!
Gênios da orgia,
dançai!
Bebei em vidros
opacos
Rubro licor e
folgai!
E então num
samba enorme,
Vê-se a doida
massa informe
Dos soberbos profissionais;
Ressoam, sobem
os gritos,
Fumegam charutos
malditos
Entre as arcadas
queixais.
Dança a hoste
dos gênios!
O Reis dança, o
colossal,
Gigante das
tempestades
No sarilho sem
rival.
Imenso, grande,
redivivo,
Cajueiro dança
altivo,
Enchendo a vasta
amplidão;
De lunetas
orgulhoso
Dança também o
Veloso
Abrindo as suíças
com a mão.
E o Lima! pálido,
imenso,
Rasgando as
cartas com os pés,
Pelos bigodes
sacode
Do jogo as
noites cruéis!
E depois! funéreos,
ingente,
Salta o Góes, onipotente,
Com mais dois “tipos”
além.
Silêncio!
canalhas! são eles!
É o Rego, que
vem sem “peles”
E o Pedro Paulo também.
E as damas pífias
dançam,
Dança o João com
a Melanie,
Com Matoso dança
Elvira,
Com Queirós a Leonie.
O Lulu a Ester
conduzindo;
E com o Luís
Gomes sorrindo,
Vem a Matilde ao
festim!
E sobre as
lindas alfombras,
Passam ainda mil
sombras
Destas falanges
sem fim!
Arde a orgia!
tristes, graves,
E dando “planos”
sem dó,
O Reis-barbado e
Missick
Não dançam! não!
jogam só!
E depois!
grandes, risonhos,
Em negros
planos, medonhos,
Puxando as “peles”
azuis,
Ambos eles
transportados
Vão como que
arrebatados,
Soltarem “doublés
de truz!
Bravo! bravo!
diz o Barros,
E o Bastinhos — muito
bem!
E os criados
batem palmas,
Como aplaudindo também.
Grande mona, a
festa aumenta,
O Macedo se
apresenta,
Com Marta para dançar,
Tinem os copos vazios,
Ouve-se mil
assobios,
Arde em fogo o
lupanar!
E as mulheres de
“touca”
Saem depressa a
correr,
E os convivas
monados,
Não tardam
adormecer.
Os “urbanos”
espantados
Correm, fogem,
dispersados,
Numa carreira
sem fim;
Mas no largo do
Rocio,
No gradil
empoleirados,
Contemplam horrorizados
Os destroços do
chinfrim!
Autor Anônimo
Revista “Corsário”,
1881.
---
O ORIGINAL
O ORIGINAL
O Baile das Múmias
(Impressões da Meia-Noite)
Meia-noite!... O
triste bronze
Suspirou saudoso
já...
Além
rangeram as campas,
Alguém
gemeu... Quem será?
Na ogiva do campanário
Negro macho
solitário
Soltou sangrenta
canção...
E a brisa os
ares rasgando
Crava os lábios,
blasfemando
Nas entranhas
d'amplidão!...
Tudo é
silêncio... Nos ares
Feio inseto
perpassou;
Soam gritos,
geme o eco
Como um crânio
que estalou!
Quem é?
quem sofre a esta hora?
Que condenado é
que implora?
Serão
fantasmas de horror?
Serão
almas dispersadas
Das tumbas
afugentadas
Inda nas febres
do amor?
Somem-se os
astros nublados,
Vela-se a face dos
céus,
Surgem caveiras
de múmias
Das fendas dos
mausoléus!
Como alâmpadas funéreas
Refulgem chamas
aéreas
pendentes do
salgueiral...
No rouco clarim
dos ventos
Tremem profundos
lamentos
De uma lascívia infernal!
Meia-noite! hora
de sangue,
Hora de febres
fatais,
Hora em que
gemem saudades
Dos tempos que não vêm mais;
Quando os pálidos precitos
Requeimam lábios malditos
Em taças negras de
fel!
Quando as bocas dos finados
Soltam gritos
compassados
Pedindo sangue
ao bordel!...
Silêncio! O baile
dos mortos
Vai agora começar!
Das tumbas
surgem gigantes
Para o tremendo
valsar...
Já soberbos se
agitaram
Gênios que outrora
habitaram
Neste mundo como
nós;
Por seus cabelos
poeirentos
Os vermes
passeiam lentos
— Requintado adorno atroz!... -
Em torno à torre da igreja
Onde reza o furacão,
Negreja o bando
agoirento
Das aves da
escuridão.
Erguidos, ébrios, sedentos
Os fantasmas
macilentos
Arrastam trêmulos pés...
E o morcego agita as asas
Por sobre as lápides raras
Como o arcanjo
do revés!...
Rompe a
orquestra, o baile rompe,
A tempestade
assobia;
Giram nas valsas
os vultos,
Arde a febre,
vive a orgia!
Bem como um
bando de gralhas
Passam nas
brancas mortalhas
Os convivas do
festim;
E as grutas
fundas, rasgadas
Respondem com
gargalhadas
Ao som da orgia
sem fim!...
"Avante!
avante consócios!
Gênio das trevas,
dançai!
Bebei nos crânios
quebrados
Rubro licor, e
folgai!"
Então, num vértice enorme
Gira doida a
massa informe
dos convivas
sepulcrais...
Reboam, sobem os
gritos,
Fumegam lumes
malditos
Nas grimpas dos
pinheirais!
Dançam as hostes dos
gênios...
Byron dança — o colossal
Gigante das
tempestades
Segredando ao
vendaval!
Grande, imenso,
redivivo
Shakespeare dança altivo
Enchendo a vasta
amplidão...
Do mar ao surdo
ribombo
Dança orgulhoso
Colombo
Partindo os
raios com a mão!
E o Dante — pálido, imenso -
Quebrando as
campas com os pés,
Pelos cabelos
sacode
Do inferno as fúrias cruéis!...
E depois, funéreo... ingente
Salta Goethe
onipotente
Com mais dois
vultos além...
Silêncios, abismos! —
são eles...
— Ó Fausto e Mefistófeles
Que ao baile
voam também!...
E as damas fúnebres dançam
Com redobrado
fragor!
Com Petrarca dança Laura,
Com Tasso dança Eleonor!
Romeu conduz
Julieta...
Com Camões — laureado atleta,
Vem Catarina ao
festim...
E sobre as frias
alfombras
Saltam ainda mil
sombras
Dessas falanges
sem fim!
Ruge a orgia.
Tristes, graves,
Fendendo as
ondas de pé,
Homero e Milton —
dois cegos -
Não dançam, não, surgem só!
E depois,
grandes, risonhos,
Em negros corcéis medonhos
Dos séculos rompendo o
véu,
Ambos eles
transportados
Vão como que
arrebatados
Cravar estrofes
no céu!...
Redobra o baile
das múmias,
Gritam as ondas
além...
Passam, repassam
as sombras
Em furibundo
vaivém!
Soam lúgubres
trombetas...
Debatem-se as
nuvens pretas
— Feras do espaço a rugir! -
Das fauces
rubras do abismo
Rompe, salta o
cataclismo
Que ameaça o
baile extinguir!
"Bravo!
Bravo!" diz o vento;
Grita o trovão — "muito
bem!"
Os ciprestes
batem palmas
Como aplaudindo também...
Soa o rufo... A
festa aumenta...
Deus sobre um raio se
assenta
E vem nas tumbas
pousar!
Batem nas loisas
os crânios,
Somem-se os
vultos titânios
Arde em fogo o
lupanar!...
......................................
E as nuvens pávidas, trêmulas,
Deitam depressa
a correr...
Medroso o trovão ao longe
Vai gaguejando
morrer...
E os morcegos
espantados
Fogem, correm
dispersados
Numa carreira
sem fim;
E sobre as torres pousadas
As corujas debruçadas
Espreitam
esfomeadas
Os destroços do festim!...
CARLOS FERREIRA
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sugestão, críticas e outras coisas...