Era à
tardinha. Morria o sol no horizonte enquanto as sombras se alongavam na terra.
Um sabiá cantava tão lindo que até s laranjeiras pareciam absortas à escuta.
Estorce-se
de inveja o urubu e queixa-se:
— Mal abre o
bico este passarinho e o mundo se enleva. Eu, entretanto, sou um espantalho de
que todos fogem com repugnância... Se ele chega, tudo se alegra; se eu me
aproximo, todos recuam... Ele, dizem, traz felicidade; eu, mau agouro... A
natureza foi injusta e cruel para comigo. Mas está em mim corrigir a natureza;
mato-o, e desse modo me livro da raiva que seus gorjeios me provocam.
Pensando
assim, aproximou-se do sabiá, que ao vê-lo armou as asas para a fuga.
— Não tenha
medo, amigo! Venho para mais perto a fim de melhor gozar as delícias do canto.
Julga que por ser urubu não dou valor à obras-primas da arte? Vamos lá, cante!
Cante ao pé de mim aquela melodia com que há pouco você extasiava a natureza.
O ingênuo
sabiá deu crédito àqueles mentirosos grasnos e permitiu que dele se aproximasse
o traiçoeiro urubu. Mas este, logo que o pilhou ao alcance, deu-lhe tamanha
bicada que o fez cair moribundo.
Arquejante,
com os olhos já envidrados, geme o passarinho:
— Que mal
fiz eu para merecer tanta ferocidade?
— Que mal
fez? É boa! Cantou!... Cantou divinamente bem, como nunca urubu nenhum há de
cantar. Ter talento: eis o grande crime!...
A inveja não admite o mérito.
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Fonte:
Fonte:
Do livro "Fábulas e Histórias diversas"
Pesquisa e adequação
ortográfica: Iba Mendes (2018)
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