O Pai
Para
a meninazinha ele era um ente temido e respeitado. Todas as manhãs, antes de ir
para o trabalho, vinha ao quarto e dava-lhe um beijo formal, que era retribuído
com um “até logo, pai!” E que sensação de alívio, de alegria ao ouvir os passos
que se afastavam!
À
tarde, ela ouvia na saleta a voz grossa:
—
"Traga o meu chá no fumoir. Não
tinham chegado os jornais? Mãe, vá procurá-los e traga as minhas chinelas.
—
Kégia — dizia a mãe — se é uma boa menina venha tirar as botas do pape.
Devagar
a pequena descia as escadas, mais devagar ainda atravessava a saleta e abria porta
do fumoir. Ele tinha posto os óculos
e olhava-a aquele olhar que ela tanto temia.
—
Tire-me as botas, Kégia. Portou-se bem hoje?
—
Não... sei... pai.
—
Não sabe? Se gaguejar assim, irá ao médico.
Não
gaguejava senão quando falava com o pai, porque estava sempre procurando as
Palavras.
—
Que tem? Por que está tão assustada? Mãe, faça esta menina ter outra aparência.
Vamos Kégia retire a minha xícara. Cuidado! Suas mãos tremem como se fossem as
de uma velha. E guarde o lenço no bolso!
—
S... i... m..., pai...
Aos
domingos, na igreja, sentava-se com ele no mesmo banco, ouvia-o cantar numa voz
surda e tomar com um lápis notas do sermão. Dizia as orações numa voz tão
grossa que pensava a meninazinha: “'Deus devia assustar-se"...
E
ele era tão grande, tinha as mãos e as pernas tão compridas, que, quando
entrava no quarto parecia um gigante.
Nos
domingos à tarde, vovó mandava-a para o salão paramentada num vestido de veludo,
para "conversar bem bonita com papai e mamãe." Mas mamãe lia
"The Sketch" e papai, estirado no sofá, um lenço sobre os olhos,
ficava a dormir. Ela sentava-se gravemente no banco do piano e ali ficava a
bocejar até que ele acordasse e perguntasse a hora.
—
Não boceje assim, Kégia. Que coisa tão feia!
Um
dia em que ela estava presa no quarto com um resfriado, disse-lhe vovó que o aniversário
de papai era na próxima semana e que ela devia bordar-lhe um marcador de livros
numa bonita fita. Dócil, a pequena tomou a fita sobre a qual pregou um pedaço
de talagarça. Mas com que bordar? Vovó fora ao jardim.
Kégia
dirigiu-se então ao quarto da mamãe à procura de lãs. Na mesa de cabeceira ela
descobriu umas tiras de um bonito papel, tomou-as, cortou-as bem fininhas e
foi-se muito satisfeita.
Naquela
noite houve em casa um grande barulho. Tinham-se perdido as amostras de papai
para o Port Authority. Procurou-se
por toda a parte. Os criados foram interrogados. Por fim, mamãe foi ao quarto:
—
Kégia, você não tirou uns papéis na mesa do meu quarto?
—
Tirei, sim, e cortei-os.
—
Quê?! Venha já à sala de jantar.
E
foi levada à presença do pai que passeava agitado de um lado para o outro.
—
Então?
A
mãe explicou.
—
Foi você? — gritou, parando em frente a criança.
—Não!
Não! soluçou ela.
—
Lucy, vá buscar os papéis e que esta pequena vá já para a cama.
Soluçando
demais para poder explicar-se, Kégia deitou-se.
Depois
o pai veio ao quarto, com uma régua ameaçadora.
—
Você vai apanhar!
—
Não! Não! — gritou escondendo-se entre os lençóis.
—
Sente-se — disse ele, puxando-a. — Estenda as mãos. — Vai aprender a não tocar
no que não lhe pertence.
—
Mas... era para... o seu aniversário!
Mas
a régua tombou sobre as róseas palminhas.
Horas
mais tarde, enquanto vovó consolava Kégia, sentada com ela na cadeira de
balanço, a garota chorava ainda.
—
Para que Jesus faz os pais? — soluçou ela.
—
Vamos dormir, querida! Amanhã estará tudo esquecido. Já expliquei a papai. Mas
hoje ele está muito irritado para compreender.
Mas
a menina não esqueceu. Quando veio o pai, escondeu as mãos atrás das costas e
fez-se vermelha.
Os
McDonalds viviam na casa ao lado. Tinham cinco filhos. Do jardim a meninazinha
via as crianças brincando à tarde.
O
pai tinha o bebê ao colo enquanto corria a rir, com os mais velhos. Então, ela
decidiu que haviam diferentes espécies de pais.
Um
dia mamãe adoeceu de repente e partiu com vovó num carro fechado.
A
pequena ficou só com a governante. Durante o dia foi tudo bem.
Mas
à hora de dormir teve medo.
—
Se eu tiver pesadelo? Quando os tenho, vovó leva-me à sua cama. Não quero ficar
sozinha no escuro!
—
Não haverá nada. Durma quietinha e não acorde seu pai.
Mas
veio o pesadelo.
Kégia
via um homem com uma faca que se aproximava dela com um terrível sorriso.
—Vovó!
Vovó!
Acordou.
Viu o pai juro ao leito.
—
Que há?
—
Um homem mau! Quero vovó!
Papai
tomou Kégia nos braços levou-a para o seu quarto. Na cama havia um jornal; no
cinzeiro muitos cigarros. Papai retirou o jornal, lançou os cigarros na
chaminé. Docemente, acomodou a criança e deitou-se ao seu lado.
Meio
adormecida ainda, na impressão do pesadelo a garota aproximou-se bem, tomou uma
das mãos do pai. Então sentiu-se tranquila, sem medo do escuro.
—
Assim, Kégia... Aqueça seus pés nas minhas pernas.
E,
cansado, adormeceu antes da filha. "Pobre papai! — pensou a meninazinha.
Afinal não era tão grande assim e não tinha ninguém a olhar por ele.”
Trabalhava
tanto que não podia brincar, como o vizinho. E ela estragara todos os seus bonitos
papéis!
Kégia
sentou-se na cama. Suspirou.
—
Que há? — fez o pai. Outro sonho?
—
Oh! disse a meninazinha —Minha cabeça está sobre o seu coração. Ouço-o, bater, bater...
grande você tem agora, papai querido!+
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Tradutor desconhecido, in: Revista Fon-Fon, 28/03/1936.
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
Pesquisa, transcrição e adaptação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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