11/14/2018

Conto de Natal, por: Baronesa Castell del Mae


Conto de Natal


Sua Alteza Real o Príncipe herdeiro andava radiante. Naquele ano, Sua Majestade a Rainha em virtude dos progressos nos estudos e do bom comportamento do pequeno príncipe (dantes tão preguiçoso e bulhento) havia-lhe concedido, como favor especial, assistir oito dias antes do Natal e da tribuna real da Capela do Palácio, aos mil preparativos que se faziam para a grande festa do nascimento do menino.

O que mais chamava a atenção da real criança era o preparo do Nascimento pois até então ele julgava que na noite de Natal, a Sagrada Família, os Reis Magos, os anjos e pastores, desciam do céu à capela real e que eram os anjos quem iluminavam o Nascimento seguindo depois de alguns dias para o paraíso.

Porém, naquele ano era diferente:  o Príncipe fazia os seus sete anos e nessa idade quase, quase se é um homenzinho, e o seu preceptor teve de lhe explicar que o Nascimento não era deveras, mas simulado, não metendo figuras de carne e osso, visto que eram de barro, gesso, cera ou porcelana.

E teve de acrescentar que todos os anos pelo Natal, se fazia isto em todas as igrejas e capelas publicas bem como nas das várias famílias se tinham capela, ou em suas casas, a fim de recordar o que aconteceu havia muitos centos de anos: o aniversário do Deus-Menino.

Assim, pois, já um pouco esclarecido, embora isso fosse para a sua inteligência, algo confuso, o principezinho todos os dias, acompanhado de seu preceptor, ia à capela, contemplando, admirado, o arranjo do portentoso Nascimento, que ele até ali julgava ser real.

Que bonito que era tudo aquilo! Todas as figuras novas e de tamanho natural.

O menino Jesus era um encanto. Os seus olhos pareciam dois bocados de céu de profundos e azuis que eram. Os riçados cabelinhos loiros, assemelhavam-se a raios de sol. Os seus lábios um botão de cravo vermelho e o seu rosto? 

E o seu corpinho? Que lindos: pareciam ter sido amaçados com lírios e rosas as divinas maças das suas rubicundas faces e as suas mãozinhas gorduchas, como que ofereciam aos que o olhavam um doce refúgio a todos os beijos da humanidade...

Na véspera da noite de Natal, o Príncipe andou muito preocupado: desejava com toda a sua alma que chegasse depressa a noite seguinte para assistir, pela primeira vez (em honra dos seus sete anos) à missa da meia noite, a que todos chamavam a do galo.

Ao mesmo tempo lembrava-se com enorme pesar que aquele menino tão bonito, dormia sobre umas palhas, sem cama de ouro, sem sedas nem rendas.

Pobre Jesus! dizia.

Nem sequer tem um travesseirinho para a sua cabeça, e é ele, como me diz o meu preceptor, o Rei dos Reis, o senhor dos senhores!...  Ah que se eu pudesse...

***

Sua Alteza o Príncipe anda vagando por um bosque situado distante do palácio.

Cai do céu copiosa neve. O Príncipe sente muito frio, pois caminha quase nu,  levando no seu corpinho apenas a camisinha, cobrindo-se com uma fria colcha de seda da sua caminha.

Os seus pés despidos de meias, calçam umas chinelas de seda bordada.

Nas suas mãos leva a sua pequena almofada. Desejoso de descer à capela para por um travesseirinho debaixo da loura cabecinha do Menino Jesus, perdeu-se na escuridão da noite pelos corredores do palácio e, sem saber como, encontrou-se no parque real e logo após no bosque.

A real criança chora e grita; tem medo de tudo que o cerca e para junto de um carvalho gigantesco, rendido de cansaço.

De repente ouve um ruído e distingue pela luz do lampeão de uma carruagem que passa, um homem que vai nela. O homem aproxima-se do Príncipe e pergunta-lhe o que faz ali.

O menino diz-lhe que é o filho do Rei e que quer voltar para o palácio.

— Está bem, diz o homem: sobe.

— Ouça, senhor, replica o perdido príncipe, a mim diz-se: "Sua Alteza pôde subir" e dizendo isto subiu para a carruagem, com altivo gesto.

Depois de percorrer largo caminho param e o homem, sem dizer palavra nem mais cumprimentos, toma o menino nos braços e introdu-lo numa miserável choça.

O príncipe esforça-se por fugir, mas o homem retém-no. Dá-lhe um pedaço de pão e recomenda-lhe que durma.

O menino treme de medo e de frio. Olha à sua volta e vê uma velha muito feia dormindo a um canto. Aos seus pés está um gato preto, muito sujo e nas costas  de uma cadeira, empoleirado, dormita um mocho.

O homem, indiferente a tudo, depois de beber uns copos de vinho, ficou a  dormir, debruçado sobre a mesa. 

Todo este quadro, inédito e terrível para o principezinho, estava iluminado por uma lâmpada de azeite que pouco a pouco se ia apagando.

Muitos ratos povoavam aquela casa, disputando-se o pedaço de pão duro que o menino não quis comer.

Uma rajada forte de vento abriu a porta da terrível choça e o menino, cobrando ânimo, na ponta dos pés, saiu por ela.

Uma vez fora, desatou a correr com tão pouca sorte que logo tropeçou e caiu.

Ao mesmo tempo, umas mãos o levantaram com carinho e, à luz da lua que assomava, tranquila, no céu estrelado, viu que o seu salvador era um menino extremamente lindo, como jamais vira nenhum.

E o menino disse ao príncipe: "Tropeçaste nuns pedaços de pau que eu tenho para fazer uma cruz e por minha culpa caíste; eu, que conheço todos os caminhos, vou conduzir-te ao teu palácio."

E, como se o príncipe fosse uma pena, levantou-o nos seus braços e o levou até ao pé da escada real.

O Príncipe agradecido, abraçou o seu salvador, dizendo-lhe que se lembraria sempre dele.

E disse, ainda, que o seu rosto lhe não era estranho. Já vira a sua fisionomia em qualquer parte que agora lhe não lembrava... Espera aí, acrescentou, que eu vou buscar-te uma prenda em recompensa da tua boa ação.

Momentos depois descia e punha na loira cabecinha do menino seu salvador, a sua coroa de príncipe. O menino ergueu os seus olhos azuis ao céu, ouviu-se uma música longínqua e o menino desapareceu.

***

O príncipe acordou.

Tudo havia sido um sonho. E, entre beijos e abraços, contou tudo a Sua Majestade a Rainha. Passou depois todo o dia sem se lembrar mais do que sonhou.

Às onze horas e meia da noite, toda a família real, com seu séquito, vai à capela. A cabana do Nascimento está oculta por uma cortina de rendas e flores. Toda a capela foi ornamentada com as suas mais ricas e preciosas galas, resplandecendo de luzes. À primeira badalada da meia noite, e, ao mesmo tempo que o coro entoa o Venite adoremus, Dominum, abre-se a cortina e aparece a cabana do Nascimento do Jesus, verdadeira obra de arte. Porém, coisa rara e estranha: em vez do menino ter o círculo de ouro que lhe foi posto na cabeça, todos veem que ele tem cingida uma coroazinha de príncipe.

Da tribuna real parte um grito: — “O menino Jesus foi o meu salvador" e o príncipe reconhece o menino do seu sonho, põe-se de pé e manda-lhe um beijo com os dedos.

Depois de um momento de espanto, a Rainha, um pouco pálida pela emoção, faz um ligeiro sinal para que continue a cerimônia religiosa.

...E, desde aquela noite memorável o menino Jesus do Natal do palácio ostenta na sua cabecinha de pequenos raios de ouro, a esplêndida coroa de Príncipe Real...

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Baronesa Castell del Mae
Revista "Vida Doméstica", dezembro de 1923.
Pesquisa, transcrição e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018)

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