BAHIA ATÉ MORRER...
José
Alexandre da Silva, apelidado Zé Bahia, considerava-se o primeiro entre todos
os torcedores do Esporte Clube Bahia, daí a razão desta alcunha.
É
preciso esclarecer, no entanto, que sua intensa paixão pelo tricolor baiano não
despontou de um instante para o outro; também não fora consequência de uma
escolha minuciosa e caprichosamente ponderada, nem muito menos o resultado de
uma feliz aposta que lhe rendera alguns trocados. Este gosto vivo pelo grande
time do Nordeste já se manifestava nele desde seus oito anos de idade, quando passou
a receber forte influência do pai, que o levava religiosamente aos estádios, e
com muito mais frequência à Fonte Nova, para assistir ao que ele denominava de “o melhor futebol do Brasil”.
Aos
dez anos de idade, quando ainda era tratado pelo apelido de Zezinho, que lhe
dera a mãe, fora convencido pelo pai a ingressar num grêmio recreativo dedicado
ao célebre clube baiano, no qual alçou, seis anos depois, ao cargo de
presidente, quando só então foi cognominado “Zé Bahia”.
–
Bahia até morrer! – bradou no seu discurso de posse, tomando de empréstimo um
trecho do conhecido hino do Flamengo. Este passou a ser o seu lema, o grito de
guerra quando se dirigia aos estádios ou quando via seu estimado Bahia granjear
mais um título.
Contudo,
conquanto estivesse bastante satisfeito com o desempenho de seu time no âmbito
regional, uma vez que este tinha a hegemonia no Estado, Zé Bahia ainda nutria
dentro de si de um profundo resquício de insatisfação, algo que geralmente o
levava a uma mesa de bar, onde buscava extravasar seu descontentamento ao som
de Amado Batista e de uma garrafa de Pitu. Atormentava-lhe o fato de o tricolor
de aço nunca ter conquistado um título nacional, algo que lhe arrancaria aquela
imensa angústia, além de fazer calar a boca dos "leões sem garras",
que era o modo como chamava os rivais torcedores rubro-negros do Vitória.
Anos
depois, para seu pleno delírio, este tão almejado dia chegou. Finalmente, o
Bahia, pela primeira vez na sua história, erguia a tão cobiçada taça do
Campeonato Brasileiro.
–
Bahia até morrer!... Bahia até morrer!... Bahia até morrer!... – gritava
alucinadamente ao mesmo tempo em que era conduzido pela ambulância ao
pronto-socorro, após sentir uma forte dor aguda no peito, em consequência do
intenso extravasamento emocional que lhe dominou durante a partida.
–
O próximo será a Libertadores! – ainda conseguia gritar ao som da sirene que
gemia pelas ruas da cidade. – E depois o Mundial! – prosseguia em voz já muito
turbada, enquanto um forte sedativo o fez adormecer até o dia seguinte.
–
Seu José – recomendava o médico, fixando nele um olhar pessimista: — o senhor
precisa controlar melhor os seus nervos. Seu coração, embora não apresente
nenhuma anomalia grave, não pode suportar emoção assim em excesso. Repouso e
silêncio é o melhor remédio – concluiu o especialista.
–
Pelo meu Bahia – respondeu ele com uma rima e uma interrogação — pelo meu
Bahia, doutor, que importa morrer de alegria?
O
tempo passava e Zé Bahia mostrava-se de fato muito feliz. Nunca fora visto
assim tão visivelmente deslumbrante e tão provocativo aos rivais torcedores do
Vitória. O problema no coração, embora agravado pelos excessivos maus hábitos,
não lhe trazia nenhuma preocupação, apesar das constantes advertências da
mulher e dos filhos.
Todavia
não veio a Libertadores, e o Mundial parecia um sonho inatingível. O Bahia,
embora ainda mantivesse a supremacia regional, já não brilhava como dantes. E o
Vitória, por sua vez, o seu temido rival, parecia disposto a tomar-lhe esta
posição no cenário baiano.
Com
o decorrer do tempo fora ele acometido mais uma vez daquele antigo
descontentamento, ao qual se seguiu certa melancolia futebolística, tão própria
daqueles que se apegam com mais intensidade aos seus times. Junto com a melancolia
veio o medo da felicidade, que era um pressentimento de que, mais cedo ou mais
tarde, alguma coisa de terrível haveria de suceder ao seu estimado tricolor. Zé
Bahia, além de macambúzio, tornou-se também pessimista, algo que se
intensificava dia após dia, tendo em vista a péssima posição em que seguia
agora seu clube no Campeonato Brasileiro, no qual, pouco tempo depois, assumia a incômoda posição de "lanterninha".
Este
estado sorumbático em que se imergiu Zé Bahia atingiu o seu clímax quando o seu
glorioso time ficou a uma partida da Segunda Divisão.
–
Vamos dar à volta por cima... Bahia até morrer!... – resignava-se
desesperadamente, enquanto se dirigia ao estádio com um grupo de amigos.
Durante
toda a partida, Zé Bahia fora tomado de um grande desespero. Seu semblante
fazia transparecer as dores de um parto feito a fórceps. Quando o adversário
enfiou o primeiro gol, sentiu novamente uma fisgada no coração, acompanha de uma
dor no peito que se irradiava pela mandíbula e pelos braços, culminando numa tontura
e no desfalecimento. Daí a pouco estava no pronto-socorro, sendo acompanhado por
alguns amigos.
E
mais uma vez ele resistiu.
Após
sete dias de internação e sob fortes cuidados médicos, recuperou suas forças, e
sua paixão pelo tricolor de aço parecia renovar-se como a mitológica Hidra de
Lerna.
–
Veja bem, seu José Alexandre — falava com ar de severidade o médico. — O seu
coração está por demasia enfraquecido. Além desses medicamentos, o senhor
precisa moderar suas emoções, do contrário não sobreviverá a outro baque deste.
Evite ir aos jogos e procure outro entretenimento que não seja futebol —
advertiu-o com rigor o experiente cardiologista.
Com
o andar do tempo Zé Bahia recuperou com ainda mais tenacidade as esperanças em
seu time, ignorando completamente as prescrições médicas e os bons conselhos da
família.
–
Voltaremos!... voltaremos!... Vocês verão, cambadas de bestas! – berrava e
gesticulava para um grupo de torcedores do Vitória. – Bahia até morrer!...
Bahia até morrer!... – prosseguia em tom provocativo.
Este
otimismo, no entanto, não se prolongou por muito tempo, pois um novo golpe veio
disposto a arrebatar-lhe toda esperança. O Bahia, o seu grande tricolor de aço,
estava desta vez a um passo de cair para a Terceira Divisão do Campeonato
Brasileiro.
–
Voltaremos!... voltaremos!... – tentava consolar a si mesmo, enchendo os olhos
de lágrimas. – Meu Bahia, meu querido Bahia...
Era
dia do jogo decisivo. Embora a situação
de seu time ser ainda mais dramática do que nas outras ocasiões, Zé Bahia
esforçava-se por ofuscar de sua mente esta fatal realidade.
–
Venceremos... Sim, venceremos!... Bahia até morrer!... Bahia até morrer!... – gritava
a pleno pulmões na arquibancada, enquanto via o tricolor adentrar o gramado.
Os
resultados dos demais jogos estavam propensos ao Bahia, que só dependia dele
mesmo para sair de tão desastrosa posição. No primeiro tempo, o time jogou bem
melhor, quase marcando um gol bem logo no início da partida, o que fez avivar
ainda mais os ânimos de Zé Bahia.
–
Bahia até morrer!... Bahia até morrer!... – tentava desesperadamente animar o seu
time.
Todavia,
quando tudo parecia culminar em contentamento, eis que o seu querido tricolor
leva um gol. Então ele sente uma nova pontada no coração. Mais um gol, outra
pontada; outro gol, mais outra, e mais outra... e outra...
—
Bahia até morrer!... Bahia até morrer!... Bahia até morrer!... – sussurrava,
cada vez mais brandamente, enquanto seu coração pouco a pouco ia morrendo junto
com seu time...
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