11/24/2018

A vaca na sala (Conto), de Iba Mendes



A VACA NA SALA

 

Era um dia como outro qualquer...

Acordou pontualmente às seis horas da manhã, ainda sonolento por ter dormido muito mal durante toda à noite. Tivera sonhos horríveis, sendo que o último permanecia impregnado na sua memória como se fossem trechos de uma ficção de H. G. Wells ou como se constituísse cenas fantásticas de uma trama de Steven Spielberg.

Era o mês de julho. Nesta época costumava ficar sozinho em casa, uma vez que a mulher aproveitava as férias escolares da filha para ir visitar os pais, que moravam numa pequena cidade do interior.

Aprontou-se em vinte minutos. Ia descer às escadas apressadamente quando, estupefato, avistou lá de cima uma vaca deitada bem ao pé do último degrau, na sala. O animal parecia dormir, pois tinha os olhos cerrados, posto que se mexesse de um lado para o outro com a respiração ofegante, como se também tivesse sonhando pesadelos.

Aquela circunstância lhe era tão extraordinária que por alguns instantes acreditou tratar-se do prolongamento de seus delírios noturnos. Pouco a pouco foi-lhe reproduzindo na memória todos os detalhes do terrível pesadelo. Lembrou-se que era um enorme centauro com rosto e torso de mulher, cujos seios, sangrando, arrastavam-se pelo chão, sendo sugados com voracidade por dois grandes répteis, os quais se contorciam de fome e soltavam uivos dilacerantes.

Perplexo e tomado por um sentimento de terror permaneceu ali imóvel e sem saber o que fazer. Ao cabo de alguns minutos despertou de sua imobilidade, girou em torno de si mesmo, dirigindo-se em seguida ao quarto, onde ficou andando de um lado para o outro como se tivesse perdido o juízo. Seu corpo suava e tremia. Sua pressão aumentou. Ficou pálido.

Assim esteve durante algum tempo, quando, de súbito, retornou novamente em direção à escada, na expectativa de que a suposta ilusão se lhe desvanecesse da vista. Ao voltar os olhos para a sala, notou porém que a vaca ainda estava lá e que já não dormia mais. O ruminante, notando a presença dele, fitou-lhe seus grandes olhos e soltou um pequeno mugido que o fez afastar apavorado.

Ali permaneceu por alguns instantes, quando já resignado conscientizou-se de que a vaca não era fruto da sua imaginação. Ela de fato existia e estava ali afrontando sua capacidade de raciocínio, limitando sua locomoção e desafiando o seu apurado senso de lógica.

Mas o que fazer? pensava confusamente sem aventar qualquer ação que culminasse num desfecho para aquela bizarra situação.

De repente passou a resmungar palavras sem nexos como se tivesse imitando o ruminar do próprio bicho, o qual se mantinha todo o tempo deitado e de olhos arregalados, ignorando completamente toda aquela intimidação. Descalçando um sapato do pé, ameaçou lançá-lo abaixo, mas logo freou seu ímpeto agressivo diante da passividade do grande mamífero.

Contida a fúria, sentou-se no topo da escada onde se conservou em total silêncio por alguns minutos. Nisso a vaca levantou-se e ele, num salto para trás, ergueu-se também. Em pé, passou então a acompanhar fixamente cada movimento do animal, o qual, depois de um breve lapso de tempo, desapareceu por inteiro do seu campo de visão.

Sentindo-se aliviado, voltou correndo ao quarto para pegar a pasta e a chave do carro. À porta do aposento estancou atônito ao ver diante de si a mesma vaca, deitada ao pé da cama dando mama a dois pequenos bezerros.

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