A
VACA NA SALA
Era
um dia como outro qualquer...
Acordou
pontualmente às seis horas da manhã, ainda sonolento por ter dormido muito mal
durante toda à noite. Tivera sonhos horríveis, sendo que o último permanecia
impregnado na sua memória como se fossem trechos de uma ficção de H. G. Wells
ou como se constituísse cenas fantásticas de uma trama de Steven Spielberg.
Era
o mês de julho. Nesta época costumava ficar sozinho em casa, uma vez que a
mulher aproveitava as férias escolares da filha para ir visitar os pais, que
moravam numa pequena cidade do interior.
Aprontou-se
em vinte minutos. Ia descer às escadas apressadamente quando, estupefato,
avistou lá de cima uma vaca deitada bem ao pé do último degrau, na sala. O
animal parecia dormir, pois tinha os olhos cerrados, posto que se mexesse de um
lado para o outro com a respiração ofegante, como se também tivesse sonhando
pesadelos.
Aquela
circunstância lhe era tão extraordinária que por alguns instantes acreditou
tratar-se do prolongamento de seus delírios noturnos. Pouco a pouco foi-lhe
reproduzindo na memória todos os detalhes do terrível pesadelo. Lembrou-se que
era um enorme centauro com rosto e torso de mulher, cujos seios, sangrando,
arrastavam-se pelo chão, sendo sugados com voracidade por dois grandes répteis,
os quais se contorciam de fome e soltavam uivos dilacerantes.
Perplexo
e tomado por um sentimento de terror permaneceu ali imóvel e sem saber o que
fazer. Ao cabo de alguns minutos despertou de sua imobilidade, girou em torno
de si mesmo, dirigindo-se em seguida ao quarto, onde ficou andando de um lado
para o outro como se tivesse perdido o juízo. Seu corpo suava e tremia. Sua pressão
aumentou. Ficou pálido.
Assim
esteve durante algum tempo, quando, de súbito, retornou novamente em direção à
escada, na expectativa de que a suposta ilusão se lhe desvanecesse da vista. Ao
voltar os olhos para a sala, notou porém que a vaca ainda estava lá e que já
não dormia mais. O ruminante, notando a presença dele, fitou-lhe seus grandes
olhos e soltou um pequeno mugido que o fez afastar apavorado.
Ali
permaneceu por alguns instantes, quando já resignado conscientizou-se de que a
vaca não era fruto da sua imaginação. Ela de fato existia e estava ali
afrontando sua capacidade de raciocínio, limitando sua locomoção e desafiando o
seu apurado senso de lógica.
Mas
o que fazer? pensava confusamente sem aventar qualquer ação que culminasse num
desfecho para aquela bizarra situação.
De
repente passou a resmungar palavras sem nexos como se tivesse imitando o
ruminar do próprio bicho, o qual se mantinha todo o tempo deitado e de olhos
arregalados, ignorando completamente toda aquela intimidação. Descalçando um
sapato do pé, ameaçou lançá-lo abaixo, mas logo freou seu ímpeto agressivo
diante da passividade do grande mamífero.
Contida
a fúria, sentou-se no topo da escada onde se conservou em total silêncio por
alguns minutos. Nisso a vaca levantou-se e ele, num salto para trás, ergueu-se
também. Em pé, passou então a acompanhar fixamente cada movimento do animal, o
qual, depois de um breve lapso de tempo, desapareceu por inteiro do seu campo
de visão.
Sentindo-se
aliviado, voltou correndo ao quarto para pegar a pasta e a chave do carro. À
porta do aposento estancou atônito ao ver diante de si a mesma vaca, deitada ao
pé da cama dando mama a dois pequenos bezerros.
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