A SANTA
Era
uma mulher triste...
Tinha
por hábito rezar pontualmente todos os dias às dezoito horas da tarde, quando
tocava no seu velho Telefunken a “Ave-Maria”.
Nesse
dia, porém, ela não rezou, não pensou em Deus nem em Nossa Senhora...
Havia
quinze anos que não falhara um só dia sua prática habitual de devoção. Aliás,
orgulhava-se disso e muitos lhe teciam elogios por esse seu piedoso
comportamento.
Se
a causa de tão grave apatia fora o simples esquecimento, este deveria ter vindo
acompanhado por alguma doença grave, posto que prometesse a Deus, por meio de
um solene voto, que manteria este hábito todos os dias até o último dia de sua
vida...
Entretanto,
no dia seguinte nada havia em seu semblante que pudesse indicar sintoma de
alguma moléstia; tampouco se notava alguma alteração na sua maneira de conduzir
os afazeres domésticos, bem como no modo de cumprir seus deveres para com a
velha mãe enferma. Tudo corria exatamente como dantes, exceto o seu compromisso
com a “Ave-Maria”.
Transcorreram-se
assim duas semanas, período este em que ela não rezou, nem praticou qualquer
outro ato que pudesse apontar para um retorno à antiga devoção religiosa.
No
horário em que outrora praticava suas orações, ligava o rádio mas apenas para
ouvir Roberto Carlos, enquanto ia preparando o jantar para a mãe, há muito
debilitada numa cama. A velha, embora houvesse percebido a mudança na vida da
filha, não se atrevia a perguntar-lhe a razão, temendo alguma reação que a
deixasse irritada ou que a fizesse sofrer: “Vai ver arrumou um homem”, pensava a
padecente.
Não
se sabia, entretanto, de nenhum homem; e se tal houvesse, tratava-se de um
romance muito bem dissimulado, uma vez que ela jamais fora vista em
circunstâncias que pudessem denunciar um caso amoroso. Ao contrário, fazia
questão de mostrar sua aversão ao sexo masculino, e até sentia repugnância dos
galanteios indecorosos dos mais afoitos, chegando ao ponto de cuspir no rosto
de um sexagenário que tentou assediá-la num banco da praça.
O
fato é que já se havia passado um ano desde a sua última reza, sem que se
soubesse de absolutamente nada que respondesse a tão súbita transformação.
Aproximando-se
o dia de seu aniversário, a enfermidade da mãe agravou-se sobremaneira. Era
caso certo de morte. Restavam-lhe alguns dias, talvez dois, três ou no máximo uma
semana, diziam os médicos.
—
Filha – balbuciava a velha entre gemidos: – você deve estar ciente que estou
indo dessa pra melhor... Faz um ano que algo atormenta minha cabeça; uma
pergunta a qual, por receio, sempre evitei fazer-te, mas creio que agora é
chegado o momento propício.
—
Pergunte minha mãezinha, pergunte! respondeu a moça em visível estado de
excitação.
—
Há quinze anos – continuou a moribunda — há quinze anos que você fez um voto a
Deus, filha, lembra-te, não te lembras?
—
Sim, minha mãe – replicou com voz trêmula e os olhos lacrimejantes.
—
Então, há um ano que você não cumpre mais o seu voto. Por que isso filhinha?
Naquele
mesmo instante a enferma fora acometida de uma violenta convulsão, vindo a
falecer em seu colo. A moça, desesperada, aproxima bem seu rosto do ouvido da
defunta e diz:
—
É que nunca acreditei em Deus, minha mãezinha!... e chora copiosamente...
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