Os
negros
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Viajávamos certa vez pelas
regiões estéreis por onde há um século, puxado pelo Negro, o carro triunfal de
Sua Majestade o Café passou, quando grossas nuvens reunidas no céu entraram a
desmanchar-se.
Sinal certo de chuva.
Para confirmá-lo, um vento
brusco, raspante, veio quebrar o mormaço, vascolejando a terra como a
preveni-la do iminente banho meteórico. Remoinhos de poeira sorviam folhas
secas e gravetos, que lá torvelinhavam em espirais pelas alturas.
Sofreando o animal, parei,
a examinar o céu.
— Não há dúvida — disse ao
meu companheiro —, temo-la e boa! O remédio é acoutar-nos quanto antes nalgum
socavão, que água vem aí de rachar.
Circunvaguei o olhar cm
torno. Morraria áspera a perder-se de vista, sem uma casota de palha a
acenar-nos com um "Vem cá”.
— E agora? — exclamou
desnorteado o Jonas, marinheiro de primeira viagem que tudo fiava da minha
experiência.
— Agora é galopar. Atrás
deste espigão fica uma fazenda em ruínas, de má nota, mas único oásis possível
nesta emergência. Casa do Inferno, chama-lhe o povo.
— Pois toca para o
inferno, já que o céu nos ameaça — retorquiu Jonas, dando de esporas e
seguindo-me por um atalho.
— Tens coragem? — gritei-lhe.
— Olha que é casa mal-assombrada!...
— Bem-vinda seja. Anos há
que procuro uma, sem topar coisa que preste. Correntes que se arrastam pela
calada da noite?
— Dum preto velho que foi
escravo do defunto capitão Aleixo, fundador da fazenda, ouvi coisas de
arrepiar...
Jonas, a criatura mais
gabola deste mundo, não perdeu vasa duma pacholice:
— De arrepiar a ti, que a
mim, bem sabes, só me arrepiam correntes de ar...
— Acredito, mas toca, que
o dilúvio não tarda.
O céu enegrecera por igual.
Um relâmpago fulgurou, seguido de formidável ribombo, que lá se foi às
cabeçadas pelos morros até perder-se distante. E os primeiros pingos vieram, escoteiros,
pipocar no chão ressecado.
— Espora, espora!
Em minutos vingávamos o
espigão, de cujo topo vimos a casaria maldita, tragada a meio pelo mataréu
invasor. Os pingões mais e mais se amiudavam, e já eram água de molhar quando a
ferradura das bestas estrepitou, com faíscas, no velho terreiro de pedra.
Sururucados por ele adentro rumo a um telheiro em aberto, lá apeamos afinal,
esbaforidos, mas a salvo da molhadela.
E as bátegas vieram, furiosas,
em cordas d'água a prumo, como devia ser no chuveiro bíblico do dilúvio
universal.
Examinei o couto. Telheiro
de carros e tropa, derruído em parte. Os esteios, da cabiúna eterna, tinham os
nabos à mostra — tantos enxurros correram por ali erodindo o solo. Por eles marinhava
a caetaninha, essa mimosa alcatifa dos tapumes, toda rosetada de flores
amarelas e pingentada de melõezinhos de bico, cor de canário.
Também aboboreiras viçavam
na tapera, galgando vitoriosas pelos espeques para enfolharem no alto,
entremeio das ripas e caibros a nu. Suas flores grandalhudas, tão caras às
mamangavas, manchavam de amarelo-pálido o tom cru da folhagem verde-negra.
Fora, a pouca distância do
telheiro, a “casa-grande” se erguia, vislumbrada apenas através da cortina d'água.
E a água a cair.
E a trovoada a escalejar
seus ecos pela morraria intérmina.
E o meu amigo, tão calmo
sempre e alegre, a exasperar-se:
— Raio de peste de tempo
desgraçado! Já não posso almoçar em Vassouras amanhã, como pretendia.
— Chuva de corda não dura
hora, consolei-o.
— Sim, mas será possível
alcançar o tal pouso do Alonso ainda hoje?
Consultei o pulso.
— Cinco e meia. E tarde.
Em vez de Alonso, temos que gramar o Aleixo. E dormir com as bruxas, mais a
alma do capitão infernal.
— Inda é o que nos vale —
filosofou o impenitente Jonas. — Que assim, ao menos, haverá o que contar
amanhã.
***
O temporal durou meia hora
e ao cabo amainou, com os relâmpagos espacejados e os trovões a roncarem muito
longe dali. Apesar de próxima a noite, inda tínhamos uma hora de luz para
sondar o terreiro.
— Há de morar aqui por
perto algum urumbeva — disse eu. — Não existe tapera sem lacraia. Vamos à cata
desse abençoado urupê.
Encavalgamos de novo e
saímos a rodear a fazenda.
— Acertaste, amigo! — exclamou
de repente Jonas, ao divisar uma casinhola erguida entre moitas, a duzentos
passos de distância. — Bico-de-papagaio, pé de mamão, terreiro limpo; é o
urumbeva sonhado!
Para lá nos dirigimos e já
do terreiro gritamos o “O de casa! ”. Uma porta abriu-se, enquadrando o vulto
dum negro velho; de cabelos ruços. Com que alegria o saudei...
— Pai Adão, viva!
— Vassuncristo! —
respondeu o preto.
Era dos legítimos...
— Pra sempre! — gritei eu.
— Estamos aqui trancados pela chuva e impedidos de prosseguir viagem. Tio Adão
há de...
— Tio Bento, pra servir os
brancos.
— Tio Bento há de
arranjar-nos pouso por esta noite.
— E boia — acrescentou
Jonas visto que temos a caixa das empadas a tinir.
O excelente negro sorriu-se,
com a gengiva inteira à mostra, e disse:
— Pois é apeá. Casa de
pobre, mas de bom coração. Quanto a “de comer”, comidinha de negro velho, já
sabe...
Apeamos, alegremente.
— Angu? — chasqueou o
Jonas.
O negro riu-se:
- Já se foi o tempo do
angu com “bacalhau”...
— E não deixou saudades, hein,
tio Bento?
— Saudades não deixou,
não, eh! eh!...
— Para vocês, pretos;
porque entre os brancos muitos há que choram aquele tempo de vacas gordas. Não
fosse o 13 de Maio e não estava agora eu aqui a arrebentar as unhas neste raio
de látego, que encruou com a chuva e não desata. Era servicinho do pajem...
Desarreamos as bestas e
depois de soltá-las penetramos na casinha, sobraçando os arreios. Vimos, então,
que era pequena demais para nos abrigar aos três.
-Amigo Bento, olha, não
cabemos tanta gente aqui. O melhor é acomodar-nos na casa-grande, que isto cá
não é casa de bicho-homem, é ninho de cuitelo...
— Os brancos querem dormir
na casa mal-assombrada? — exclamou admirado o preto. — Não aconselho, não.
Alguém já fez isso mas se arrependeu depois.
— Arrepender-nos-emos
também depois, amanhã, mas já com a dormida no papo — disse Jonas.
E como o preto abrisse a
boca:
— Você não sabe o que é
coragem, tio Bento. Escoramos sete. E almas do outro mundo, então, uma dúzia!
Vamos lã. Está aberta a casa?
— A porta do meio
emperrou, mas à força de ombros deve abrir.
Chicote de vários rabos
com que se chibatavam os negros.
— Abandonada há muito
tempo?
— “Quizanó!" Desde
que morreu o último filho do capitão Aleixo ficou assim, ninho de morcego e suindara.
— E por que a abandonaram?
— “Descabeçada” do moço.
Pra mim, castigo de Deus. Os filhos pagam a ruindade dos pais, e o capitão
Aleixo, Deus que me perdoe, foi mau, mau, mau inteirado. Tinha fama! Aqui em
dez léguas de roda, quem queria ameaçar um negro reinador era só dizer;
“Espera, diabo, que te vendo pro capitão Aleixo". O negro ficava que nem
uma seda!... Mas o que ele fez, os filhos pagaram. Eram quatro: Sinhozinho, o
mais velho, que morreu “masgaiado” num trem; Nhá Zabelinha...
***
Enquanto o preto falava,
insensivelmente fomos caminhando para a casa maldita.
Era o casarão clássico das
antigas fazendas negreiras. Assobradado, erguido em alicerces e muramento de
pedra até meia altura e daí por diante de pau-a-pique. Esteios de cabreúva, entremostrando-se
picados a enxó nos trechos donde se esboroara o reboco. Janelas e portas em
arco, de bandeiras em pandarecos. Pelos interstícios da pedra amoitavam-se as
samambaias; e nas faces de sombra, avenquinhas raquíticas. Num cunhai crescia
anosa figueira, enlaçando as pedras na terrível cordoalha tentacular. A porta
de entrada ia ter uma escadaria dupla, com alpendre em cima e parapeito
esborcinado.
Pus-me a olhar para aquilo,
invadido da saudade que sempre me causam ruínas, e parece que em Jonas a
sensação era a mesma, pois que o vi muito sério, de olhar pregado na casa, como
quem recorda. Perdera o bom humor, o espírito brinca-lhão de inda há pouco.
Emudecera.
— Está visto — murmurei
depois dalguns minutos. — Vamos agora à boia, que não é sem tempo.
Voltamos.
O negro, que não parara de
falar, dizia agora de sua vida ali.
— Morreu tudo, meu branco,
e fiquei eu só. Tenho umas plantas na beira do rio, palmito no mato e uma
paquinha lá de vez em quando na ponta do chuço. Como sou só...
— Só, só, só?
—“Suzinho, suzinbo!” A
Merência morreu, faz três anos. Os filhos, não sei deles. Criança é como ave:
cria pena, avoa. O mundo é grande — andam pelo mundo avoando...
— Pois, amigo Bento, saiba
que você é um herói e um grande filósofo por cima, digno de ser memorado em
prosa ou verso pelos homens que escrevem nos jornais. Mas filósofo de pior
espécie está me parecendo aquele sujeito... — conclui referindo-me ao Jonas,
que se atrasara e parara de novo em contemplação da casa.
Gritei-lhe:
— Mexe-te, ó poeta que
ladras às lagartixas! Olha que saco vazio não se põe de pé, e temos dez léguas
a engolir amanhã.
Respondeu-me com um gesto
vago e ficou-se no lugar, imóvel.
Larguei mão do cismabundo
e entrei na casinhola do preto, que, acendendo luz — um candeeiro de azeite —,
foi ao borra-lho buscar raízes de mandioca assada. Pô-las sobre um mocho,
quentinhas, dizendo:
— É o que há. Isto e um
restico de paca moqueada.
— E achas pouco, Bento? — disse
eu, metendo os dentes na raiz deliciosa. — Não sabes que se não fosse tua
providencial presença feríamos de manducar viradinho de brisas com torresmos de
zéfiros até alcançarmos a venda do Alonso amanhã? Deus que te abençoe e te dê
no céu um mandiocal imenso, plantado pelos anjos.
***
Caíra de todo a noite. Que
céu! Alternavam estrelas vivíssimas com rebojos negros de nuvens acasteladas.
Na terra, escuridão de breu, rasgada de piques de luz pelas estrelinhas
avoantes. Uma coruja berrava longe, num esgalbo morto de perobeira.
Que solidão, que espessura
de trevas é a de unia noite assim, no deserto! Nesses momentos é que um homem
bem compreende a origem tenebrosa do Medo...
***
Acabada a magra refeição,
observei ao preto:
— Agora, amigo, é
agarrarmos estas mantas e pelegos, mais a luz, e irmo-nos à casa-grande. Dormes
lá conosco, à guisa de para-raios de almas. Topas?
Contente de ser-nos útil,
tio Bento sobraçou a quitanda e deu-me a levar o candeeiro. E lá fomos pelo
escuro da noite, a chapinhar nas poças e na grama empapada.
Encontrei Jonas no mesmo
lugar, absorto em frente à casa.
— Estás louco, rapaz? Não
comeres, tu que estalavas de fome, e ficares aí como perereca diante da
cascavel?
Jonas olhou-me dum modo
estranho e como única resposta esganiçou um “deixa-me”. Fiquei a encará-lo por
uns instantes, deveras desnorteado por tão inexplicável atitude. E foi assim,
de rugas na testa, que galguei a escadaria musgosa do casarão.
Estava perra de fato a
porta, como dissera o negro, mas com valentes ombradas abria-a no preciso para
dar passagem a um homem. Mal entramos, morcegos às dezenas, assustados com a
luz, debandaram às tontas, em voejos surdos.
— Macacos me lambam se
isto aqui não é o quartel-general de todos os ratos de asas deste e dos mundos
vizinhos!
— E das suindaras, patrãozinho.
Mora aqui um bandão delas que até dá medo — acrescentou o preto, ao ouvir-lhes
os pios no forro.
A sala de espera toava com
o restante da fazenda. Paredes lagarteadas de rachas, escorridas de goleiras,
com vagos vestígios do papel. Móveis desaparelhados, duas cadeiras Luís XV, de
palhinha rota, e mesa de centro do mesmo estilo, com o mármore sujo pelo guano
dos morcegos. No teto, tábuas despregadas, entremostrando rombos escuros.
Lúgubre...
— Tio Bento — disse eu,
procurando iludir com palavras a tristeza do coração —, isto aqui cheira-me à
sala nobre do sabá das bruxas. Que não venham hoje atropelar-nos, nem apareça a
alma do capitão-mor a nos infernizar o sono. Não é verdade que a alma do
capitão-mor vagueia por aqui a desoras?
— Dizem — respondeu o
preto. — Dizem que aparece ali na casa do tronco, não às dez, mas à meia-noite,
e que sangra as unhas a arranhar as paredes...
— E depois vem cá arrastar
correntes pelos corredores, hein? Como é pobre a imaginativa popular! Sempre e
em toda parte a mesma ária das correntes arrastadas! Mas vamos ao que serve.
Não haverá um quarto melhor do que isto, nesta hospedaria de mestre tinhoso?
— Haver, há — trocadilhou
sem querer o preto —, mas é o quarto do capitão-mor. Tem coragem?
— Ainda não estás
convencido, Bento, de que sou um poço de coragem?
— Poço tem fundo — retrucou
ele, sorrindo filosoficamente. — O quarto é aqui à direita.
Dirigi-me para lá. Entrei.
Quarto amplo e em melhor estado que a sala de espera. Guarneciam-no duas velhas
marquesas de palhinha bolorenta, além de várias cadeiras rotas. Na parede, um
retrato na moldura clássica da época, dourada, de cantos redondos, com florões.
Limpei com o lenço a poeira acumulada no vidro e vi que era um daguerreotipo
esmaiado, representando imagem de mulher.
Bento percebeu a minha
curiosidade e explicou:
— É o retrato da filha
mais velha do capitão Aleixo, Nhá Zabé, uma moça tão desgraçada...
Contemplei longamente
aquela antigualha venerável, vestida à moda da época.
— Tempo das anquinhas, hein,
Bento? Lembras-te das anquinhas?
— Se me lembro! A sinhá
velha, quando vinha da cidade, era assim que ela andava, que nem uma perua
choca...
Recoloquei na parede o daguerreotipo
é pus-me a arranjar as marquesas, amimando numa e noutra pelegos, à guisa de
travesseiros. Em seguida fui ao alpendre, de luz na mão, a ver se amadrinhava o
meu relapso companheiro. Era demais aquela maluquice! Não jantar e agora
ficar-se ali ao relento...
***
Perdi meu requebrado.
Chamei-o, mas nem com o “deixa-me” respondeu desta vez. Tal atitude pôs-me
seriamente apreensivo.
— Se lhe desarranja a
cabeça, aqui nestas alturas...
Torturado por esta ideia,
não pude sossegar. Confabulei com o Bento e resolvemos sair em procura do
transviado.
Fomos felizes. Encontramo-lo
no terreiro, em face da antiga casa do tronco. Estava imóvel e mudo.
Ergui-lhe a luz à altura
do rosto. Que estranha expressão a sua! Não parecia o mesmo — não era o mesmo.
Deu-me a impressão de retesado no último arranco duma luta suprema, com todas
as energias crispadas numa resistência feroz. Sacudi- o com violência.
— Jonas! Jonas!
Inútil. Era um corpo
largado da alma. Era um homem “vazio de si próprio!”. Assombrado com o fenômeno,
concentrei todas as minhas forças e, ajudado pelo Bento, trouxe-o para casa.
Ao penetrar na sala de
espera, Jonas estremeceu; parou, arregalou os olhos para a porta do quarto.
Seus lábios tremiam. Percebi que articulavam palavras incompreensíveis.
Precipitou-se, depois, para o quarto e, dando com o daguerreótipo de Isabel,
agarrou-o com frenesi, beijou-o, rompido em choro convulsivo. Em seguida, como
exausto duma grande luta, caiu sobre a marquesa, prostrado, sem articular
nenhum som.
Inutilmente interpelei-o,
procurando a chave do enigma. Jonas permanecia vazio... Tomei-lhe o pulso:
normal. A temperatura: boa. Mas largado, como um corpo morto.
Fiquei ao pé dele uma hora,
com mil ideias a me azoinarem a cabeça. Por fim, vendo-o calmo, fui ter com o
preto.
— Conta-me o que sabes desta
fazenda — pedi-lhe. — Talvez que...
Meu pensamento era deduzir
das palavras do negro algo explicativo da misteriosa crise.
***
Nesse entremeio zangara de
novo o tempo. As nuvens recobriam inteiramente o céu, transformado num saco de
carvão. Os relâmpagos voltaram a fulgurar, longínquos, acompanhados de reboos
surdos. E para que ao horror do quadro nenhum tom faltasse, a ventania cresceu,
uivando lamentosa nas casuarinas.
Fechei a janela.
Mesmo assim, pelas frinchas
o assobio lúgubre entrava a me ferir os ouvidos...
Bento falou em voz baixa,
receoso de despertar o doente. Contou como viera ali, comprado pelo próprio
capitão Aleixo, na feira de escravos do Valongo, molecote ainda. Disse da formação
da fazenda e do caráter cruel do senhor.
— Era mau, meu branco,
como deve ser mau o canhoto. Judiava da gente à toa, pelo gosto de judiar. No
começo não era assim, mas foi piorando com o tempo.
No caso da Liduína... A
Liduína era uma bonita crioula aqui da fazenda. Muito viva, desde bem criança
passou da senzala pra casa-grande, como mucama de Sinhazinha Zabé...
Isso foi... deve fazer
sessenta anos, antes da Guerra do Paraguai. Eu era molecote novo e trabalhava
aqui dentro, no terreiro. Via tudo. A mucama, uma vez que Sinhazinha Zabé veio
da Corte passar as férias na roça, protegeu o namoro dela com um portuguesinho,
e foi então...
Na marquesa, onde dormia,
Jonas estremeceu. Olhei. Estava sentado e em convulsões. Os olhos exorbitados
fixavam-se nalguma coisa invisível para mim. Suas mãos crispadas mordiam a
palhinha rota.
Agarrei-o, sacudi-o.
— Jonas, Jonas, que é
isso?
Olhou-me sem ver, com a
retina morta, num ar de desvario.
— Jonas, fala!
Tentou murmurar uma
palavra. Seus lábios tremeram na tentativa de articular um nome. Por fim
enunciou-o, arquejante:
— Isabel...
Mas aquela voz já não era
a voz de Jonas. Era uma voz desconhecida. Tive a sensação plena de que um
“eu" alheio lhe tomara de assalto o corpo vazio. E falava por sua boca, e
pensava com seu cérebro. Não era Jonas, positivamente, quem estava ali. Era
“outro”!...
Tio Bento, ao pé de mim,
olhava assombrado para aquilo, sem compreender coisa nenhuma; e eu, num
horroroso estado de superexcitação, sentia-me à beira do medo pânico. Não
fossem os trovões ecoantes e o ululo da ventania nas casuarinas denunciarem-me
lá fora um horror talvez maior, e é possível que não resistisse ao lance e
fugisse da casa maldita como um criminoso, Mas ali ao menos havia luz, aquele
humilde candeeiro de azeite, no momento mais precioso do que todos os bens da
terra.
Estava escrito,
entretanto, que ao horror dessa noite de trovoada e mistério não faltaria uma
nota sequer. Assim foi que, altas horas, a luz principiou a esmorecer.
Estremeci, e fiquei de cabelos eriçados quando a voz do negro murmurou a única
frase que eu não queria ouvir:
— O azeite está no fim...
— E há mais lá em tua
casa?
— Era o restinho...
Estarreci...
Os trovões ecoavam longe,
e o uivar do vento nas casuarinas era o mesmo de sempre. Parecia empenhada a
natureza em pôr em prova a resistência dos meus nervos. Súbito, um estalido no
candeeiro. A luz bruxuleou um clarão final e extinguiu-se.
Trevas. Trevas
absolutas...
Corri à janela. Abria-a.
As mesmas trevas lá
fora...
Senti-me sem olhos.
Procurei a cama às
apalpadelas e caí de bruços na palhinha bolorenta.
***
Pela madrugada começou
Jonas a falar sozinho, como quem se recorda. Mas não era o meu Jonas quem
falava — era o “outro”.
Que cena!...
Tenho até agora gravadas a
buril no cérebro todas as palavras dessa misteriosa confidência, proferida pelo
incubo no silêncio das trevas profundas. Mil anos que viva e nunca se me
apagará da memória o ressoar daquela voz de mistério. Não reproduzo suas
palavras da maneira como as enunciou. Seria impossível, sobre nocivo à
compreensão de quem lê. O “outro” falava ao jeito de quem pensa em voz alta,
como a recordar. Linguagem taquigráfica, ponho-a aqui traduzida em língua
corrente.
***
“Meu nome era Fernão.
Filho de pais incógnitos, quando me conheci por gente já rolava no mar da vida
como rolha sobre a onda. Ao léu, solto nos vaivéns da miséria, sem carinhos de
família, sem amigos, sem ponto de apoio no mundo.
Era no Reino, na Póvoa do
Varzim; e do Brasil, a boa colônia preluzida em todas as imaginações como o
Eldorado, eu ouvia os marinheiros de torna-viagem contarem maravilhas.
Fascinado, deliberei
emigrar.
Parti um dia para Lisboa,
a pé, como vagabundinho de estrada. Caminhada inesquecível, faminta, mas rica
dos melhores sonhos da minha existência. Via-me na terra nova feito mascate de
bugigangas. Depois, vendeiro; depois, comerciante com casa-forte no Rio.
Depois, já casado com linda cachopa, via-me de novo na Póvoa, rico, morando em
quinta, senhor de vinhedo e terras de semeadura.
Assim embalado em sonhos áureos,
alcancei o porto de Lisboa, onde passei o primeiro dia no cais, namorando os
navios surtos no Tejo. Um havia em aprestos para largar de rumo à colônia, a
caravela Santa Tereza. Acamaradando-me com velhos marujos de gandaia por ali,
consegui nela, por intermédio deles, o engajamento necessário.
— Lá, foges — aconselhou-me
um — e afundas para o sertão. E mercadejas, e enriqueces, e voltas cá
excelentíssimo. E o que faria eu se tivesse os verdes anos que tens.
Assim fiz e, grumete do
Santa Tereza, boiei no oceano, rumo às terras de ultramar.
Aportamos em África para recolher
pretos de Angola, metidos nos porões como fardos de couro suado com carne viva
por dentro. Pobres pretos! Desembarcado no Rio, tive ainda ocasião de vê-los no
Valongo, seminus, expostos à venda como reses. Os pretendentes chegavam,
examinavam-nos, fechavam negócio.
Foi assim, nessa tarefa,
que conheci o capitão Aleixo. Era um homem alentado, de feições duras, olhar de
gelo. Trazia botas, chapéu largo e rebenque na mão. Atrás dele, como sombra, um
capataz mal-encarado.
O capitão notou o meu tipo,
fez perguntas e ao cabo propôs-me serviço em sua fazenda. Aceitei e fiz a pé,
em companhia do lote de negros adquiridos, essa viagem pelo interior de um país
onde tudo me era novidade.
Chegamos.
Sua fazenda, formada de
pouco tempo, ia então no apogeu, riquíssima de canaviais, gado e café em
inícios. Deram-me servicinhos leves, compatíveis com a idade e a minha nenhuma
experiência da terra. E, sempre subindo de posto, ali continuei até ver-me
homem.
A família do capitão
morava na Corte. Os filhos vinham todos os anos passar temporadas na roça,
enchendo a fazenda de travessuras loucas. Já as meninas, então no colégio, lá
se deixavam ficar mesmo nas férias. Só vieram uma vez, com a mãe, Dona Teodora
— e foi isso a minha desgraça...
Eram duas, Inês, a caçula,
e Isabel, a mais velha, lindas meninas de luxo, radiosas de mocidade. Eu as via
de longe, como nobres figuras de romance, inacessíveis, e lembro-me do efeito
que naquele sertão bruto, asselvajado pela escravaria retinta, fazia a presença
das meninas ricas, sempre vestidas à moda da Corte. Eram princesinhas de conto
de fadas que só provocam uma atitude: adoração.
Um dia...
Aquela cachoeira — lá lhe
ouço o remoto rumorejo — era a piscina da fazenda. Escondida numa grota, como joia
de cristal vivo a definir com permanente escachoo num engaste rústico de
taquaris, caetés e ingazeiros, formava um recesso grato ao pudor dos banhistas.
Um dia...
Lembro-me bem — era
domingo e eu, de vadiagem, saíra cedo a passarinhar. Seguia pela margem do
ribeirão tocaiando os pássaros ribeirinhos.
Um pica-pau-de-cabeça-vermelha
zombou de mim. Errei a bodocada e, metido em brios, afreimei-me em persegui-lo.
E, salta daqui, salta dali, quando dei acordo estava embrenhado na grota da
cachoeira, onde, num galho de ingá, pude visar melhor a minha presa e
espeloteá-la.
Caiu a avezinha longe do
meu alcance; barafustei pela trama dos taquaris para colhê-la. Nisto, por uma
aberta na verdura, avistei embaixo a bacia de pedra onde a água chofrava. Mas
estarreci. Duas ninfas nuas brincavam na espuma. Reconheci-as. Eram Isabel e
sua mucama dileta, da mesma idade, a Liduína.
O improviso da visão ofuscou-me
os olhos. Quem há insensível à beleza da mulher em flor e, a mais, vista assim cm
nudez num quadro agreste daqueles?
Isabel deslumbrou-me.
Corpo escultural, nesse período
entontecedor em que florescem todas as promessas da puberdade, diante dele
senti a explosão subitânea dos instintos. Ferveu-me nas veias o sangue. Fiz-me
cachoeira de apetites. Vinte anos! O momento das erupções incoercíveis...
Imóvel como estátua, ali
me quedei em êxtase o tempo que durou o banho, E estou ainda com o quadro na
imaginação. A graça com que ela, de cabeça erguida, boca entreaberta,
apresentava os pequeninos seios ao jato das águas... Os sustos e gritinhos
nervosos quando gravetos derivantes lhe esfrolavam a epiderme... Os mergulhos
de sereia na bacia de pedra e o emergir do corpo aljofrado de espuma...
Durou minutos o banho
fatal. Depois vestiram-se numa laje a seco e lá se foram, contentes como
borboletinhas ao sol.
Fiquei-me por ali, extático,
rememorando a cena mais linda que meus olhos viram.
Impressão de sonho...
Aguas de cristal
rumorejardes; frondes orvalhadas pendidas para a linfa como a lhe escutar o
murmúrio; um raio de sol matutino, coado pelas franças, a pintalgar de ouro
tremeluzente a nudez menineira das náiades.
Quem poderá esquecer um
quadro assim?
***
Essa impressão matou-me.
Matou-nos.
***
Saí dali transformado.
Não era mais o humilde
serviçal da fazenda, contente de sua sorte. Era um homem branco e livre que
desejava uma mulher formosa.
Daquele momento em diante
minha vida iria girar em torno dessa aspiração. Nascera em mim o amor, vigoroso
e forte como as ervas loucas da tiguera. Dia e noite só um pensamento ocuparia
meu cérebro: Isabel. Um só desejo: vê-la. Um só objetivo à minha frente:
possuí-la.
Todavia, apesar de branco
e livre, que abismo me separava da filha do fazendeiro! Eu era pobre. Era um
subalterno. Era nada.
Mas o coração não raciocina,
nem o amor olha para conveniências sociais. E assim, desprezando obstáculos,
cresceu o amor no meu peito como crescem rios em tempo de cheia.
Aproximei-me da mucama e,
depois de lhe cair em graça e lhe conquistar a confiança, contei-lhe um dia a
minha tortura.
— Liduína, tenho um
segredo na alma que me mata, mas tu poderás salvar-me. Só tu. Preciso do teu
socorro... Juras auxiliar-me?
Ela espantou-se da
confidência, mas, insistida, rogada, implorada, prometeu tudo quanto pedi.
Pobre criatura! Tinha alma
irmã da minha e foi ao compreender sua alma que pela primeira vez alcancei todo
o horror da escravidão...
Abri-lhe o meu peito e
revelei-lhe em frases candentes a paixão que me consumia.
Liduína a princípio
assustou-se. Era grave o caso. Mas quem resiste à dialética dos apaixonados? E
Liduína, vencida afinal, prometeu auxiliar-me.
***
A mucama agiu por partes,
fazendo desabrochar o amor no coração da senhora sem que esta o percebesse. A
princípio, uma vaga e discreta referência à minha pessoa.
— Sinhazinha conhece o
Fernão?
— Fernão?!... Quem é?
— Um moço que veio do
reino e toma conta do engenho...
— Se já o vi, não me
lembro.
— Pois repare nele. Tem
uns olhos...
— É teu namorado?
— Quem me dera!...
Foi essa a abertura do
jogo. E assim, aos poucos, em dosagem hábil, hoje uma palavra, amanhã outra, no
espírito de Isabel nasceu a curiosidade — passo número 1 do amor.
Certo dia Isabel quis
ver-me.
— Falas tanto nesse
Fernão, nos olhos desse Fernão, que estou curiosa de vê-lo.
E viu-me.
Eu estava no engenho, dirigindo
a moagem da cana, quando as duas apareceram de copo na mão. Vinham com o
pretexto da garapa.
Liduína achegou-se a mim
e:
— Seu Fernão, uma
garapinha de espuma para Sinhá Isabel.
A menina olhou-me de
frente, mas não lhe pude sustentar o olhar. Baixei os meus olhos, conturbado.
Eu tremia, balbuciava apenas, nessa ebriez do primeiro encontro.
Dei ordens aos pretos e
logo jorrou da bica um jato fofo de garapa espumejante. Tomei o copo da mão da mucama,
enchi-o e ofereci-o à Náiade. Ela o recebeu com simpatia, bebeu aos golinhos e
pagou-me o serviço com um gentil 'obrigada’, olhando-me de novo nos olhos.
Pela segunda vez baixei os
meus.
Saíram.
Mais tarde Liduína contou-me
o resto — um pequenino diálogo.
— Tinhas razão — dissera-lhe
Isabel —, é um bonito rapaz. Mas não lhe vi bem os olhos. Que acanhamento!
Parece que tem medo de mim... Duas vezes que o olhei de frente, duas vezes que
os baixou.
— Vergonha — disse Liduína.
— Vergonha ou...
—... ou quê?
— Não digo...
A mucama, com o seu fino
instinto de mulher, compreendeu que não era ainda tempo de pronunciar a palavra
amor. Pronunciou-a dias mais tarde, quando percebeu a menina suficientemente
madura para ouvi-la sem escândalo.
Passeavam pelo pomar da
fazenda, então no auge da florescência.
O ar embriagava, tanto era
o perfume nele solto.
Abelhas aos milhares, e
colibris, zumbiam e esfuziavam num delírio orgíaco.
Era a festa anual do mel.
Percebendo em Isabel o
trabalho dos amavios ambientes, Liduína aproveitou o ensejo para um passo a
mais.
— Quando eu vinha vindo vi
Seu Fernão sentado na pedra do muro. Uma tristeza...
— Que será que ele tem?
Saudades da terra?
— Quem sabe?! Saudades
ou...
—... ou quê?
—... ou amor.
— Amor! Amor! — disse Isabel
sorvendo com volúpia o ar embalsamado. — Que linda palavra, Liduína! Eu, quando
vejo um laranjal assim florido, a palavra que me vem à ideia é essa: amor! Mas
amará ele a alguém?
— Pois decerto. Quem não
ama neste mundo? Os passarinhos, as borboletas, as vespas...
— Mas a quem amará ele? A
alguma preta do eito, com certeza... — e Isabel riu-se desabaladamente.
— Aquele? — fez Liduína
num muxoxo. — Não é desses, não, Sinhazinha. Moço pobre, mas de condição. Para
mim, até penso que ele é filho dalgum fidalgo do Reino. Anda por aqui
escondido...
Isabel quedou-se
pensativa.
— Mas a quem amará, então,
aqui, neste deserto de brancas?
— Pois as brancas...
— Que brancas?
— Dona Inezinha... Dona Isabelinha...
A mulher desapareceu por
um momento para ceder o lugar à filha do fazendeiro.
— Eu? Engraçadinha! Era só
o que faltava...
Liduína calou-se. Deixou
que a semente lançada corresse o prazo da germinação. E, vendo um casal de
borboletas a perseguirem-se com estalidos de asas, mudou o rumo à conversa.
— Sinhazinha já reparou
nestas borboletas de perto? Têm dois números debaixo das asas — oito, oito.
Quer ver?
Correu atrás delas,
— Não pegas! — gritou Isabel,
divertida.
— Mas pego esta aqui — retrucou
Liduína apanhando outra, lerdota, e trazendo-a a espernear entre os dedos.
— É ver uma casca de árvore
com musgo. Espertalhona! Assim se disfarça, que ninguém a percebe quando está
sentadinha. É como o periquito, que está gritando numa árvore, em cima da
cabeça da gente, e a gente nada vê. Por falar em periquito, por que Sinhazinha
não arranja um casal?
Isabel tinha o pensamento
longe dali. A mucama bem o sentia, mas muito de indústria continuava na
tagarelice.
— Dizem que se querem
tanto, os periquitos, que quando um morre o companheiro se mata. Tio Adão teve
um assim, que se afogou numa pocinha d agua no dia em que a periquita morreu.
Só entre os pássaros há coisas dessas...
Isabel continuava absorta.
Mas em dado momento quebrou o mutismo.
— Por que te lembraste de
mim nesse negócio do Fernão?
— Por quê? — repetiu
Liduína cavorteiramente. — Porque é tão natural isso...
— Alguém te disse alguma
coisa?
— Ninguém. Mas se ele ama
de amor, aqui neste sertão, e ficou assim agora, depois que Sinhazinha chegou,
a quem há de amar?... Ponha o caso em si. Se Sinhazinha fosse ele, e ele fosse
Sinhazinha...
Calaram-se ambas e o
passeio terminou no silêncio de quem dialoga consigo mesmo.
***
Isabel dormiu tarde essa
noite. A ideia de que sua imagem enchia o coração de um homem esvoaçava-lhe na
imaginação como as abelhas no laranjal.
Mas é um subalterno! — alegava
o Orgulho.
Que importa, se é um moço
rico de bons sentimentos? — retorquia a Natureza.
E bem pode ser que fidalgo!...
— acrescentava, insinuante, a Fantasia.
A Imaginação também veio à
tribuna.
E pode vir a ser um poderoso
fazendeiro. Quem era o capitão Aleixo na idade dele? Um simples arreador...
Já era o Amor quem
assoprava tais argumentos.
Isabel ergueu-se da cama e
foi à janela. A lua em minguante quebrava de tons cinérios o escuro da noite.
Os sapos no brejal coaxavam melancólicos. Vaga-lumes tontos riscavam fósforos no
ar.
Era aqui... Era aqui neste
quarto, era aqui nesta janela!...
Eu a espiava de longe,
nesse estado de êxtase que o amor provoca na presença do objeto amado. Longo
tempo a vi assim, imersa em cisma. Depois fechou-se a persiana, e o mundo para
mim se encheu de trevas.
***
No outro dia, antes que
Liduína abordasse o tema dileto, disse-lhe Isabel:
— Mas, Liduína, que é
amor?
— Amor? — respondeu a
arguta mucama em quem o instinto substituía a cultura, — Amor é uma coisa...
—... que...
— ... que vem vindo, vem
vindo...
—... e chegai
— ... e chega e toma conta
da gente. Tio Adão diz que o amor é doença. Que a gente tem sarampo, catapora,
tosse comprida, caxumba e amor — cada doença no seu tempo.
— Pois eu tive tudo isso —
replicou Isabel — e não tive amor...
— Sossegue que não escapa.
Teve as piores e não há de ter a melhor? Espere que um dia ele vem...
Silenciaram.
Súbito, agarrando o braço
da mucama, Isabel encarou-a a fito nos olhos.
— És minha amiga do
coração, Liduína?
— Um raio me parta neste
momento se...
— És capaz dum segredo,
mas dum segredo eterno, eterno, eterno?
— Um raio me parta se...
— Cala a boca.
Isabel vacilava.
Depois, nessa ânsia de
confidência que nasce ao primeiro luar do amor, disse, corando:
— Liduína, parece-me que estou
ficando doente... da doença que faltava.
— Pois é tempo — exclamou
a finória arregalando os olhos. — Dezessete anos...
— Dezesseis.
E Liduína, cavilosa:
— Algum fidalguinho da
Corte?
Isabel vacilou de novo;
por fim disse:
— Eu tenho um namorado no
Rio — mas é namoro só. Amor, amor, desse que bole cá dentro com o coração,
desse que vem vindo, vem vindo e chega, não! Não, lá...
E em cochicho ao ouvido da
mucama, corando:
— Aqui!...
— Quem? — perguntou
Liduína, simulando espanto.
Isabel não respondeu com
palavras. Ergueu-se e:
— Mas é um comecinho só.
Vem vindo...
***
O amor veio vindo e
chegou. Chegou e destruiu todas as barreiras. Destruiu nossas vidas e acabou
destruindo a fazenda. Estas ruínas, estas corujas, este morcegal, tudo não
passa da florescência de um grande amor...
Por que há de ser a vida
assim? Por que hão de os homens, à força de orgulho, impedir que o botão da
maravilhosa planta passe a flor? E por que hão de transformar o que é céu em
inferno, o que é perfume em dor, o que é luz em negrume, o que é beleza em
caveira?
Isabel, mimo de
fragilidade feminil avivada de graça brasília, tinha o quê perturbador das orquídeas.
Sua beleza não era ao molde da beleza rechonchuda e corada, forte e sadia, das
cachopas da minha terra. Por isso mesmo mais fortemente me seduzia a pálida
princesinha tropical.
Ao inverso, o que em mim a
seduzia era a força varonil e transbordante, e a nobre rudeza dos meus
instintos, que iam até a audácia de pôr os olhos na altura em que ela pairava.
***
O primeiro encontro foi...
casual. Meu acaso chamava-se Liduína. Seu gênio instintivo fê-la a boa fada de
nossos amores.
Foi assim.
Estavam as duas no pomar
diante duma pitangueira enrubescida de frutos.
— Lindas pitangas! — disse
Isabel. — Sobe, Liduína, e apanha um punhado.
Aproximou-se Liduína da
pitangueira e fez vãs tentativas para trepar.
— Impossível, Sinhazinha,
só chamando alguém. Quer?
— Pois vai chamar alguém.
Liduína partiu correndo e Isabel
teve a previsão nítida de quem viria. De fato, momentos depois apareci eu.
— Senhor Fernão,
desculpe-me — disse a moça. — Pedi àquela maluca que chamasse algum preto para
colher pitangas — e foi ela incomodá-lo.
Perturbado pela sua
presença e com o coração aos pulos, gaguejei, para dizer algo:
— São pitangas que quer?
— Sim. Mas falta uma
cestinha que Liduína foi buscar.
Pausa.
Isabel, tão senhora de si,
percebi-a nesse momento embaraçada como eu. Não tinha o que dizer. Silenciava.
Por fim:
— Moem cana hoje? — perguntou-me.
Gaguejei que sim e novo
silêncio se fez. Para quebrá-lo. Isabel gritou em direção da casa:
— Anda depressa, rapariga!
Que lesmice...
E depois, para mim:
— Não tem saudades de sua
terra?
Despregou-se-me a língua.
Perdi o embaraço. Respondi que tive, mas não as tinha mais.
— Os primeiros anos
passei-os a suspirar à noite, saudoso de tudo de lá. Só quem emigrou sabe a dor
do fruto arrancado à árvore. Conformei-me, afinal. E hoje... o mundo inteiro
para mim está aqui nestas montanhas.
Isabel compreendeu-me a
intenção e quis perguntar-me por quê. Mas não teve ânimo. Saltou para outro
assunto.
— Por que motivo só as
pitangas desta árvore prestam? As outras são tão azedas...
— Vai ver — disse eu — que
esta árvore é feliz e as outras não. O que azeda os homens e as coisas é a
desgraça. Fui doce como a lima, logo que vim para cá. Hoje sou amargo...
— Julga-se infeliz?
— Mais do que nunca.
Isabel arriscou-se:
— Por quê?
Respondi intrepidamente:
— Dona Isabel, que é menina
rica, não imagina a posição desgraçada de quem é pobre. O pobre forma neste
mundo uma casta maldita, sem direito a coisa nenhuma. O pobre não pode nada...
— Pode, sim. Pode uma
coisa...
— ?
— Deixar de ser pobre.
— Não falo da riqueza do
dinheiro. Essa é fácil de alcançar, depende apenas de esforço e habilidade.
Falo de coisas mais preciosas que o ouro. Um pobre, tenha o coração que tiver,
seja a mais nobre das almas, não tem o direito de erguer os olhos para certas
alturas...
— Mas se a altura quiser
descer até ele? — retrucou audaciosa e vivamente a menina.
— Esse caso acontece às
vezes nos romances. Na vida, nunca...
Calamo-nos de novo. Neste
entremeio Liduína reapareceu, esbaforida, com a cestinha na mão.
— Custou-me a achar- disse
a velhaca, justificando a demora. — Estava caída atrás do toucador.
O olhar que lhe lançou Isabel
dizia ‘mentirosa’!
Tomei a cesta e
preparei-me para trepar à árvore.
Isabel, porém, interveio:
— Não! Não quero mais
pitangas. Vão tirar-me o apetite para a garapa do meio-dia. Ficam para outra
vez.
E para mim, amável:
— Queira desculpar-me...
Saudei-a, ébrio de
felicidade, e lá me fui de aleluias na alma, com o mundo a dançar em torno de
mim.
Isabel seguiu-me com o
olhar, pensativamente.
— Tinha razão, Liduína, é
um rapagão que vale todos os pelintras da Corte. Mas, coitado!... Queixa-se
tanto do seu destino...
— Bobagens — muxoxou a
mucama, trepando à pitangueira com agilidade de macaco.
Vendo aquilo, Isabel sorriu
e murmurou, entre repreensiva e maliciosa:
— Você, Liduína...
A rapariga, que tinha
entre os dentes alvíssimos o vermelho duma pitanga, esganiçou uma risada
velhaca.
— Pois Sinhazinha não sabe
que sou mais sua amiga do que sua escrava?
***
O amor é o mesmo em toda
parte e em todos os tempos. Aquele enleio do primeiro encontro é o eterno
enleio dos primeiros encontros. Aquele diálogo à sombra da pitangueira é o
eterno diálogo da abertura. Assim, nosso amor, tão novo para nós, reproduzia um
jogo velho qual o mundo.
Nascera em Isabel e em mim
um sexto sentido maravilhoso. Compreendíamo-nos, adivinhávamo-nos e
descobríamos meios de inventar os mais imprevistos encontros — encontros
deliciosos, em que um olhar bastava para a permuta de mundos de confidências...
Isabel amou-me.
Que período de vida, esse!
Eu sentia-me alto corno as
montanhas, forte como o oceano e todo a coruscar de estrelas por dentro.
Era rei.
A terra, a natureza, os
céus, a lua, a luz, a cor, tudo existia para ambiente do meu amor. Não era mais
vida aquele meu viver, sim um êxtase contínuo.
Alheado de tudo, uma só
coisa eu via, duma só coisa me alimentava.
Riquezas, poderio, honras
— que vale tudo isso ante a sensação divina de amar e ser amado?
Nessa ebriedade vivi — quanto
tempo não sei. O tempo não contava para o meu amor. Vivia — tinha a impressão
de que só nessa época entrara a viver. Antes, a vida não me fora mais que
simples agitação animalesca.
Poetas! Como vos compreendi
a voz interior ressoada em rimas, como me irmanei convosco no esvoaçar pelos
intermúndios do sonho!...
Liduína comportava-se como
a fada boa dos nossos destinos. Sempre vigilante, a ela devíamos inteirinho o
mar de felicidade em que boiávamos. Lépida, mimosa, travessa, a gentil crioula
enfeixava em si toda a artimanha da raça perseguida — e todo o gênio do sexo
escravizado à prepotência do homem.
Entretanto, o bem que nos
fizeste como se avinagrou para ti, Liduína!... Em que fel horroroso se transfez
para ti, afinal...
Eu sabia que o mundo é
governado pelo monstro Estupidez. E que Sua Majestade não perdoa o crime de
Amor. Mas nunca supus que esse monstro fosse a fera delirante que é — tão
sanguissedenta, tão requintada em feroica. Nem que houvesse monstro mais bem
servido que esse.
Que comitiva numerosa
traz!
Que servos diligentes
possui!
A sociedade, as leis, os
governos, as religiões, os juízes, as morais, tudo que é força social
organizada presta mão forte à Estupidez Onipotente.
E assanha-se em punir, em
torturar o ingênuo que, conduzido pela natureza, arrosta com os mandamentos da
megera.
Ai dele se comete um crime
de lesa-Estupidez! Mãos de ferro constringem-lhe a garganta. Seu corpo rola por
terra, espezinhado; seu nome perpetua-se com pechas infames.
Nosso crime — que lindo
crime; amar! — foi descoberto. E a monstruosa engrenagem de aço triturou-nos,
ossos e alma, aos três...
***
Uma noite...
A lua, bem no alto,
empalidecia as estrelas e eu, triste, velava, rememorando o último encontro com
Isabel. Fora à tardinha, numa volta do ribeirão, à sombra dum tufo de
marianeiras cacheadas de frutos. Mãos unidas, cabeça contra cabeça, num enlevo
de comunhão de alma, assistíamos ao alvoroto da peixaria assanhada na disputa
das frutinhas amarelas que a espaços pipocavam na água remansosa do rio. Isabel,
absorta, mirava aquelas ariscas linguinhas de prata, apinhadas em torno das
iscas,
— Sinto-me triste, Fernão.
Tenho medo da nossa felicidade. Qualquer coisa me diz que isso vai ter fim — e
fim trágico...
Minha resposta foi
aconchegá-la inda mais ao meu peito.
Um bando de saíras e
sanhaços, de pouso nas marianeiras, entraram a debicar energicamente os cachos
da frutinha silvestre. E o espelho das águas piriricou ao chuveiro das migalhas
caídas. Coalhou-se o rio de lambaris famintos, engalfinhados num delírio de
rega-bofe, com saltos de prata faiscantes no ar.
Isabel, sempre absorta,
dizia:
— Como são felizes!... E
são felizes porque são livres. Nós — pobres de nós!... Nós somos inda mais
escravos do que os escravos do eito...
Duas viuvinhas pousaram numa
haste de peri emersa da margem fronteira. A vara vergou-se-lhes ao peso,
oscilou uns instantes e estabilizou-se de novo. E o lindo casal permaneceu
imóvel, juntinho, comentando talvez, como nós, a festa glutona dos peixes.
Isabel murmurou num
sorriso de infinita melancolia:
— Que cabecinha sossegada
eles têm...
Eu rememorava frase por
frase esse último encontro com a minha amada, quando, dentro da noite, ouvi
bulha à porta.
Alguém corria o ferrolho e
entrava.
Sentei-me na cama, de
sobressalto.
Era Liduína. Tinha os
olhos esgazeados de pavor e foi em voz arquejante que atropelou as derradeiras
palavras que lhe ouvi na vida.
— Fuja! O capitão Aleixo
sabe tudo. Fuja, que estamos perdidos...
Disse, e esgueirou-se para
o terreiro como sombra.
***
O choque foi tamanho que me
senti vazio de cérebro. Parei de pensar...
O capitão Aleixo...
Lembro-me bem dele. Era o plenipotenciário
de Sua Majestade a Estupidez nestas paragens. Frio e duro, não reconhecia sensibilidade
em carne alheia. Recomendava sempre aos feitores a sua receita de bem conduzir
os escravos: ‘Angu por dentro e relho por fora, sem economia e sem dó’.
Consoante tal programa, a
vida na fazenda escoava-se entre trabalhos de eito, comezaina farta e bacalhau.
Com o tempo desenvolveu-se
nele a crueldade inútil. Não se limitava a impor castigos: ia presenciá-los.
Gozava de ver a carne humana avergoar-se aos golpes do couro cru.
Ninguém, entretanto,
estranhava aquilo. Os pretos sofriam como predestinados à dor. E os brancos
tinham como dogma que de outra maneira não se levavam pretos.
O sentimento de revolta
não latejava em ninguém, salvo em Isabel, que se fechava no quarto, de dedos
fincados nos ouvidos, sempre que na casa do tronco o bacalhau arrancava urros a
um pobre infeliz.
A mim, em começo, também
me era indiferente a dor alheia. Ao depois — depois que o amor me floriu a alma
de todas as flores do sentimento aquelas barbaridades diárias punham- me
fremente de cólera.
Uma vez tive ímpetos de
estrangular o déspota. Foi o caso dum vizinho que lhe trouxera um cão de fila
para vender.
***
— É bom? Bem bravo? — perguntou
o fazendeiro examinando o animal.
— Uma fera! Para apanhar
negro fugido, nada melhor.
— Não compro nabos em sacos
— disse o capitão. — Experimentemo-lo,
Ergueu os olhos para o
terreiro que fulgurava ao sol. Deserto. A escravaria inteira na roça. Mas
naquele momento o portão se abriu e um preto velho entrou, cambaio, de jacá ao
ombro, rumo ao chiqueiro dos porcos. Era um estropiado do eito que pagava o que
comia tratando da criação.
O fazendeiro teve uma ideia.
Tirou o cão da corrente e atiçou-o contra o preto.
— Pega, Vinagre!
O mastim partiu como bala
e instante depois ferrava o pobre velho, dando com ele em terra.
Estraçalhou-o...
O fazendeiro sorria-se com
entusiasmo.
— E de primeira — disse ao
sujeito. — Dou-lhe cem mil-réis pelo Vinagre.
E como o sujeito, assombrado
daqueles processos, lamentasse a desgraça do estraçalhado, o capitão fez cara
de espanto.
— Ora bolas! Um caco de
vida...
***
Pois foi esse homem que vi
subitamente penetrar no meu quarto, essa noite, logo depois que se sumiu Liduína.
Acompanhavam-no dois feitores, como sombras. Entrou e fechou a porta sobre si.
Parou a alguma distância. Olhou-me e sorriu.
— Vou dar-te uma bela
noivinha — disse ele. E num gesto ordenou aos carrascos que me amarrassem.
Despertei da vacuidade. O
instinto de conservação retesou-me todas as energias e, mal os capangas vieram
a mim, atirei-me a eles com furor de onça fêmea a quem roubam os cachorrinhos.
Não sei quanto tempo durou
a luta horrorosa; sei apenas que a tantas perdi os sentidos em virtude das
violentas pancadas que me racharam a cabeça.
Quando despertei pela
madrugada vi-me por terra, com os pés doridos entalados no tronco. Levei a mão
aos olhos sujos de pó e sangue e entrevi à minha esquerda, no extremo do
madeiro hediondo, um corpo desmaiado de mulher.
Liduína...
Percebi ainda que havia
mais gente ali.
Olhei.
Dois homens de picaretas
abriam um largo rombo no espesso muro de taipa.
Outro, um pedreiro,
misturava cal e areia no chão, rente a uma pilha de tijolos.
***
O fazendeiro também ali estava,
de braços cruzados, dirigindo o serviço. Vendo-me desperto, aproximou-se do meu
ouvido e murmurou com gélido sarcasmo as últimas palavras que ouvi sobre a
terra:
— Olhe! A tua noivinha é
aquela parede...
Compreendi tudo: iam
emparedar-me vivo...”
***
Aqui se interrompeu a história
do "outro”, como a ouvi naquela horrorosa noite. Repito que não a ouvi
assim, nessa ordem literária, mas murmurada em solilóquio, aos arrancos, às
vezes entre soluços, outras num cicio imperceptível. Tão estranha era essa
forma de narrar que o velho tio Bento não apanhou coisa nenhuma.
E foi com ela a me doer no
cérebro que vi chegar amanhã.
— Bendita sejas, luz!
Ergui-me, alvoroçado.
Abri a janela, todo a
renascer-me dos horrores noturnos.
O sol lá estava
espiando-me dentre a copa do arvoredo. Seus raios de ouro invadiram-me a alma.
Varreram dela os frocos de trevas que a entenebreciam qual cabelugem de
pesadelo.
O ar lavado e alerta
encheu-me os pulmões da delirante vida matutina. Respirei-o alegremente, em
haustos largos.
E Jonas? Dormia ainda,
repousado de feições.
Era “ele” outra vez. O
“outro” fugira com as trevas da noite.
— Tio Bento — exclamei
conte-me o resto da história. Que fim teve Liduína?
O velho preto recomeçou a
contá-la a partir do ponto em que a interrompera na véspera.
— Não! — gritei eu
dispenso isso tudo. Só quero saber que fim teve Liduína depois que o capitão
deu sumiço ao moço.
Tio Bento abriu cara de
espanto.
— Como o meu branco sabe
disso?
— Sonhei, tio Bento.
Ele permaneceu ainda uns
instantes admirado, custando a crer. Depois narrou:
— Liduína morreu no
chicote, a coitadinha — tão na flor, 19 anos... O Gabriel e o Estevão, os
carrascos, retalharam o seu corpinho de criança com os rabos do bacalhau... A
mãe dela, que só na hora do castigo soube do acontecido na véspera, correu
feito louca para a casa do tronco. No momento em que empurrou a porta e olhou,
uma chicotada cortava o seio esquerdo da filha. Antônia deu um grito e caiu
para trás como morta.
Apesar do radioso da manhã
meus nervos fremiram às palavras do preto.
— Basta, basta... De
Liduína basta. Só quero agora saber o que sucedeu a Isabel.
— Nhá Zabé ninguém mais
viu ela na fazenda. Foi levada para a Corte e acabou mais tarde no hospício, é
o que dizem.
— E Fernão?
— Esse sumiu. Ninguém
nunca soube dele — nunca, nunca...
Jonas acabava de
despertar. E ao ver luz no quarto sorriu. Queixava-se de peso na cabeça.
Interpelei-o sobre o
eclipse noturno de sua alma, mas Jonas mostrou-se alheio a tudo. Enrugou a
testa, recordando-se.
— Lembro-me que uma coisa
me invadiu, que fui empolgado, que lutei com desespero...
— E depois?
— Depois?... Depois um
vácuo...
Saímos para fora.
A casa maldita, mergulhada
na onda de luz matutina, perdera o aspecto trágico.
Disse-lhe adeus — para
sempre...
— Vade retro!...
E fomo-nos à casinhola do
preto engolir o café e arrear os animais.
De caminho espiei pelas
grades da casa do tronco: na taipa grossa da parede havia um trecho murado a
tijolo...
Afastei-me horripilado.
E guardei comigo o segredo
da tragédia de Fernão. Só eu no mundo a conhecia, contada por ele mesmo,
oitenta anos após a catástrofe.
Só eu!
Mas como não sei guardar
segredo, revelei-o em caminho ao Jonas.
Jonas riu-se à larga e disse,
estendendo-me o dedo minguinho:
— Morde aqui!...
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